Por que a guerra da Síria continua após 10 anos?

Uma revolta pacífica contra o presidente da Síria, há 10 anos, se transformou em uma violenta guerra civil. O conflito deixou mais de 380 mil mortos, devastou cidades e atraiu outros países para a disputa.

Entenda por que a guerra dura tempo tempo — e suas terríveis consequências.

Como a guerra da Síria começou?

Mesmo antes do início do conflito, o país sofria com alto desemprego, corrupção e falta de liberdade política sob o presidente Bashar al-Assad, que sucedeu o pai, Hafez, após sua morte em 2000.

Em março de 2011, manifestações pró-democracia começaram na cidade de Deraa, no sul do país, inspiradas por levantes em países vizinhos contra governos opressivos, na chamada Primavera Árabe.

Quando o governo sírio reprimiu violentamente as manifestações, protestos exigindo a renúncia do presidente tomaram as ruas em todo o país.

A agitação se espalhou e a repressão se intensificou. Os partidários da oposição começaram a se armar — primeiro para se defender e depois para livrar suas áreas das forças de segurança do governo. Assad prometeu esmagar o que chamou de "terrorismo apoiado por estrangeiros".

A violência aumentou rapidamente e o país entrou em guerra civil.

Centenas de grupos rebeldes surgiram e não demorou muito para que o conflito se transformasse em mais do que uma batalha entre sírios a favor ou contra Assad. Potências estrangeiras começaram a tomar partido, enviando dinheiro, armamento e combatentes.

À medida que o caos piorava, organizações jihadistas extremistas com seus próprios objetivos, como o grupo autoproclamado Estado Islâmico (EI) e a Al-Qaeda, se envolveram. Essa situação aumentou a preocupação da comunidade internacional.

Os curdos da Síria, que desejam o direito de autonomia mas não lutaram contra as forças de Assad, acrescentaram outra dimensão ao conflito.

Quantas pessoas morreram?

O Observatório Sírio para os Direitos Humanos, um grupo de monitoramento com base no Reino Unido e uma rede de fontes na Síria, registrou a morte de 387.118 pessoas até dezembro de 2020, entre elas 116.911 civis.

O número de mortos não incluiu as 205.300 pessoas que estavam desaparecidas e presumidamente mortas, incluindo 88 mil civis que teriam morrido em prisões administradas pelo governo onde se praticava tortura.

Outro grupo de monitoramento, o Centro de Documentação de Violações, que conta com informações de ativistas de todo o país, registrou o que considera violações do Direito Internacional Humanitário e da Declaração Internacional dos Direitos Humanos, incluindo ataques a civis.

A entidade registrou 226.374 mortes na Síria, incluindo 135.634 civis, até dezembro de 2020. Quase 12 mil crianças foram mortas ou feridas, de acordo com a Unicef, a agência da ONU para a infância.

Quais são os lados envolvidos na guerra?

Os principais apoiadores do governo têm sido a Rússia e o Irã. A Turquia, as potências ocidentais e vários países do Golfo apoiaram a oposição em vários graus na última década.

A Rússia – que já tinha bases militares na Síria antes da guerra – lançou uma campanha aérea em apoio a Assad em 2015, o que foi crucial para virar a guerra a favor do governo. Os militares russos dizem que seus ataques visam apenas "terroristas", mas ativistas dizem que matam rebeldes e civis regularmente.

Acredita-se que o Irã mobilizou centenas de soldados e gastou bilhões de dólares para ajudar Assad. Milhares de milicianos xiitas armados, treinados e financiados pelo Irã — principalmente do movimento Hezbollah do Líbano, mas também do Iraque, Afeganistão e Iêmen — também lutaram ao lado do exército sírio.


Os EUA, Reino Unido e França inicialmente forneceram apoio para os grupos rebeldes que eles consideraram "moderados". Mas eles priorizaram a assistência não bélica quando os jihadistas se tornaram a força dominante na oposição armada contra o governo.

Uma coalizão global liderada pelos EUA também realizou ataques aéreos e mandou forças especiais para a Síria a partir de 2014 para ajudar uma aliança de milícias curdas, árabes, assírias e turcas chamada de Forças Democráticas Sírias, em um território no noroeste do país que antes era dominando pelo Estado Islâmico. As Forças Democráticas Sírias (FDS) defendem um governo secular, democrático e federalista em território sírio.

A Turquia é um grande apoiador da oposição, mas seu foco tem sido apoiar facções rebeldes para conter a milícia curda YPG, acusando-a de ser uma extensão de um grupo rebelde curdo banido na Turquia.

Tropas turcas e rebeldes apoiados por elas tomaram trechos de território ao longo da fronteira norte da Síria e intervieram para impedir um ataque total das forças do governo ao último reduto da oposição, Idlib.

A Arábia Saudita, que deseja conter a influência iraniana, armou e financiou os rebeldes no início da guerra.

Enquanto isso,Israel tem estado tão preocupado com o que chama de "entrincheiramento militar" do Irã na Síria e com os embarques de armas iranianas para o Hezbollah e outras milícias xiitas que tem realizado ataques aéreos com frequência cada vez maior na tentativa de impedi-los.

Como o país foi afetado?

Além de causar centenas de milhares de mortes, a guerra deixou mais de 2,1 milhões de civis feridos ou permanentemente incapacitados, de acordo com o Observatório Sírio para os Direitos Humanos,

Antes da guerra, a Síria tinha uma população de 22 milhões de pessoas. Metade dessa população foi obrigada a deixar suas casas devido aos dez anos de guerra. Cerca de 6,7 milhões de pessoas estão desabrigadas dentro do país, muitos deles vivendo em campos temporários.

Outros 5,6 milhões de pessoas estão registradas como refugiadas no exterior. A maioria (cerca de 93%) dos refugiados estão nos países vizinhos do Líbano, Jordânia e Turquia. As nações têm tido dificuldade em lidar com um dos maiores êxodos de refugiados da história recente. Um milhão de crianças refugiadas sírias nasceram no exílio.


Em janeiro de 2021, 13,4 milhões de pessoas dentro da Síria precisavam de alguma forma de assistência humanitária, incluindo 6 milhões em extrema necessidade, de acordo com a ONU. Mais de 12 milhões tinham dificuldade em se alimentar todos os dias. E meio milhão de crianças sofriam de desnutrição crônica.

No ano passado, a crise humanitária foi agravada por uma desaceleração econômica sem precedentes, que viu o valor da moeda síria cair drasticamente e os preços dos alimentos atingirem recordes históricos. O país também sofreu com a pandemia de covid-19, mas a verdadeira extensão do estrago causado não é conhecida, já que o sistema de saúde do país está devastado.

Bairros inteiros e infraestrutura vital em todo o país também permanecem em ruínas após uma década de combates. Uma análise da ONU feita por satélite sugeriu que mais de 35 mil estruturas foram danificadas ou destruídas apenas na cidade de Aleppo, antes de sua recaptura pelo governo no final de 2016.

E apesar de seu status protegido, instalações médicas também foram atingidas — 350 hospitais e clínicas sofreram 595 ataques até março de 2020, documentos pelos Médicos pelos Direitos Humanos. Como resultado, 923 médicos morreram e apenas metade dos hospitais do país estão totalmente funcionais.

Grande parte da rica herança cultural da Síria também foi destruída. Todos os seis locais considerados Patrimônios Mundiais da Unesco foram significativamente danificados. Extremistas do Estado Islâmico explodiram deliberadamente partes da antiga cidade de Palmira.

Os investigadores de crimes de guerra da ONU acusaram todas as partes de perpetrar "as violações mais hediondas". "Os sírios", diz seu último relatório, "sofreram grandes bombardeios aéreos em áreas densamente povoadas; sofreram ataques de armas químicas e cercos modernos nos quais os perpetradores deliberadamente deixaram a população faminta por meio de métodos medievais e restrições indefensáveis ??e vergonhosas à ajuda humanitária".

Quem está no controle do país agora?

O governo de Assad recuperou o controle das maiores cidades da Síria, mas grande parte do país ainda está sob controle de rebeldes, jihadistas e das Forças Democráticas da Síria, sob a liderança dos curdos.

O último reduto da oposição fica na Província de Idlib, no noroeste do país, e nas partes adjacentes das províncias de Hama e Aleppo.

A região é dominada por uma aliança jihadista ligada à al-Qaeda chamada Hayat Tahrir al-Sham, mas também é o lar de facções rebeldes convencionais. Estima-se que na região vivam 2,7 milhões de pessoas desabrigadas, incluindo um milhão de crianças, muitas delas em condições precárias.

Em março de 2020, a Rússia e a Turquia intermediaram um cessar-fogo para interromper uma ofensiva do governo na tentativa de retomar Idlib. Desde então, o conflito tem tido um período de relativa baixa atividade militar — mas isso pode mudar a qualquer momento.

No nordeste do país, as forças turcas e rebeldes apoiados por elas lançaram uma ofensiva contra as Forças Democráticas Sírias em outubro de 2019 para criar uma "zona segura" livre da milícia curda YPG ao longo do lado sírio da fronteira, e ocuparam 120 km de território desde então.

Para deter o ataque, as FDS fecharam um acordo com o governo sírio para o exército sírio retornar à região administrada pelos curdos pela primeira vez em sete anos. O governo prometeu eventualmente recuperar o controle total sobre a região.

Quando a guerra vai acabar?

Não há como prever o fim da guerra tão cedo, mas os negociadores concordam que é preciso encontrar uma solução política e não bélica.

O Conselho de Segurança da ONU que que haja um órgão de governo de transição "formado com base no consentimento mútuo". Mas as nove rodadas de negociações de paz mediadas pela ONU não avançaram, com o presidente Assad aparentemente sem vontade de negociar com grupos de oposição que insistem que ele deve renunciar como parte de qualquer acordo.

A Rússia, o Irã e a Turquia estabeleceram diálogos paralelos em 2017. Um acordo foi alcançado no ano seguinte para formar um comitê de 150 membros para a criação de uma nova constituição, levando a eleições livres e justas supervisionadas pela ONU.

Mas em janeiro de 2021, o enviado especial da ONU Geir Pedersen lamentou que eles nem mesmo haviam começado a redigir qualquer documento.

Pedersen também observou que, com cinco exércitos estrangeiros ativos na Síria, a comunidade internacional não pode fingir que as soluções para o conflito estão apenas nas mãos dos sírios.

 

 

 

 

 

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