A Operação da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Operação Exceptis na Comunidade do Jacarezinho sob a Ótica Social

A OPERAÇÃO DA POLICIA CIVIL DO RIO DE JANEIRO, OPERAÇÃO EXCEPTIS,NA COMUNIDADE DO JACAREZINHO SOB A ÓTICA SOCIAL

 
 

Rodriugo Luiz Evangelista

Mestre em Segurança Pública
Mestre em Direitos Humanos e Cidadania
Mestre em Comunicação Social
Pós-Graduado em Direito em Administração Pública
Pós-Graduado em Segurança Pública e Cidadania
Pós-Graduado em Ciências Militares
Graduado em Ciências Militares
Parecerista ad hoc da Revista de Estudos de Segurança Pública (REBESP)
Estudioso em Ciência Política


Ficou patente em todos os meios e canais de comunicação que a operação da Polícia Civil do Rio de Janeiro causou estranheza na sociedade brasileira. Mas porque estranheza? As operações policiais de grande envergadura têm se tornado esporádicas, particularmente no Rio de Janeiro, haja vista dois motivos norteadores, utilização do sistema de inteligência que proporciona ações mais cirúrgicas e pontuais e a preservação da população local evitando danos colaterais [1].

Mas porque aconteceu dano colateral na operação da Polícia Civil na comunidade do Jacarezinho? Atualmente a comunidade do Jacarezinho tem aproximadamente 36.000 (trinta e seis mil) habitantes [2], os quais vivem sob o índice de desenvolvimento humano [3] de 0,0731, ou seja, em termo de graduação, das 126 regiões do Rio de Janeiro analisadas a comunidade do Jacarezinho ocupa a 121ª posição. O índice descrito deixa registrado que naquela localidade há a ausência do estado em questões de políticas públicas relativas a educação, saúde e renda.

Além do contexto social, o adensamento populacional e o conjunto topográfico não tão elevado quanto de outras comunidades, tais como o Morro do Alemão ou Morro da Baiana, ambos no complexo do alemão no Rio de Janeiro, favorecem que um tiro realizado tenha sua trajetória mais horizontal e, dessa forma, mais propício a danos colaterais.

Os dois aspectos acima relatados são conjecturas, extraídas de deduções sociais e físicas, no entanto, o fator mais importante para justificar o dano colateral da operação realizada na comunidade do jacarezinho foi a resistência dos criminosos que permaneceram naquela comunidade. É costumeiro, nas operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro, uma baixa resistência dos criminosos, ou seja, os confrontos iniciam por parte dos traficantes de drogas a fim de parar o movimento da polícia e dar tempo para homizio de criminosos e drogas.

Como exemplo e registro do acima exposto está a ocupação dos Complexos do Alemão e Penha pelas Forças de Segurança Pública e Forças Armadas no mês de novembro do ano de 2010, ocasião que centenas de criminosos foram flagrados evadindo-se da Comunidade da Vila Cruzeiro para o Morro do Alemão.

 
A ordem para permanecer na localidade e defender o terreno foi o principal estopim para a grande quantidade de mortos na operação. A Polícia Civil do Rio de Janeiro deflagrou a operação denominada Exceptis, a qual investiga o aliciamento de crianças e adolescentes para ações criminosas, como assassinatos, roubos e até sequestros de trens da operadora local de trens (Supervia).

Não é novidade, mas cabe destacar que uma operação dessa envergadura há um planejamento prévio da inteligência e um levantamento de todas as possibilidades de sucesso e insucesso. Antes de explicitar acerca da Operação Exceptis, cabe um apanhado sobre a segurança pública no seio da sociedade.
 
A segurança pública do Brasil é constituída, construída, desenvolvida e aplicada, através de diversos processos, meios e pessoas, as quais, até sem saber, fazem parte de um processo cíclico de implementação, transformação e execução da segurança para a sociedade. Essa afirmativa se confirma quando, ainda na infância, a criança, herda de seus ascendentes noções de relação entre o bem e o mal, o bom e o ruim.

Quando falamos em segurança pública, muitas vezes, a imagem que nos vem à mente é de uma viatura da polícia prestando apoio de segurança população e, nesse contexto, é comum imaginar que a atividade somente é executada por agentes públicos formados para esta finalidade. É importante que a sociedade tenha ciência que na segurança pública, desde seu processo de formação até o produto final, há uma grande parcela de participação da população. A educação ou “deseducação” que são executadas no seio da família brasileira influenciam de maneira direta e indireta na segurança pública. A informação ou “desinformação” dos bancos escolares, também contribuem sobremaneira na formação do futuro adulto contribuinte ou não para a segurança no Brasil.

Paralelo à sociedade, no contexto de formação e operação da atividade de segurança pública, caminha o Estado, responsável pelo aparelhamento policial, pelo sistema carcerário, pelo planejamento escolar, pela assistência à saúde da sociedade, pelo bem-estar da sociedade como um todo. Ambas as partes, Estado e sociedade, vivem uma relação imposta pela dicotomia estabelecida entre as garantias impostas pela Constituição Federal, Leis Complementares e eventuais violações destas.

Após breve responsabilização da sociedade pela contribuição na formação da segurança pública, volta-se o relato para a Operação Exceptis. É lamentável grande parte da imprensa apenas destacar as mortes e taxar como chacina uma operação tão bem-sucedida. Destaca-se que a investigação que levou à essa operação durou mais de dez meses e descobriu que o Comando Vermelho, uma das maiores organizações criminosas do país, aliciava continuamente crianças para o tráfico de drogas. Além disso, pessoas que criavam algum tipo de inimizade com o grupo eram esquartejadas.


 
A violência no seio da sociedade carioca trouxe à tona o fomentou o surgimento de novos grupos de estudos da violência no Rio de Janeiro, os quais catalogam locais de crimes, tiroteios e geram a estatística macabra das mortes violentas causadas pelas facções criminosas e milícias. Sim mortes de milícias e facções criminosas, afinal se estas não existissem não haveriam confrontos e por consequência não haveria danos colaterais. Dentre os grupos de estudos descritos pode-se citar o grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI/UFF), datalab Fogo Cruzado; Núcleo de Estudos da Violência da USP; plataforma digital Pista News e o Disque-Denúncia.

Dados desses grupos revelam que as milícias cariocas comandam 25,5% dos bairros do Rio de Janeiro, 57,5% do território da cidade. As três principais facções criminosas, Comando Vermelho, Terceiro Comando e Amigos dos Amigos, possuem juntas o domínio da maioria dos bairros. Nessa matemática macabra, quem perde sempre são os moradores das comunidades, pois que pai ou mãe se sente feliz ao ver o filho ser seduzido para o tráfico? Ao mesmo tempo, que familiar tem coragem de enfrentar esses líderes de facções, uma vez que isso resultará em sua morte? Ao contrário do que está no senso comum, as pessoas que residem nessas comunidades não admiram o controle das facções criminosas e milícias. A bem da verdade os moradores das comunidades têm medo do que possa vir a acontecer com elas e suas famílias, caso se manifestem contra o crime.

São no mínimo irresponsáveis as matérias da grande imprensa classificando a Operação Exceptis, da Polícia Civil do Rio de Janeiro, como uma chacina, massacre e como uma operação de insucesso no âmbito da segurança pública carioca. Ora, talvez os “especialistas” e as redações dos jornais esqueceram de uma palavra, a qual grifarei em negrito, a LEGALIDADE. Não sei se de propósito ou por esquecimento, as matérias foram elaboradas sem levar em consideração o Art 23 do Código Penal o qual extrai-se.
 

Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:
I- Em estado de necessidade;
II- Em legitima defesa; e
III- Em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito.

 
O Código Penal através dos Art 24 e 25, fala também sobre a legítima defesa e o estado de necessidade.

 

Art.24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo, sacrifício, nas circunstancias, não era razoável exigir.
Art.25. Entende se em legitima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem
.


Em relação ao estrito cumprimento do dever legal, o agente público no desenvolvimento de suas atividades, precisa agir interferindo no âmbito privado dos cidadãos, para assegurar o cumprimento da lei. Em todos os casos citados, a utilização da força é justificada na medida em que é usada para com a finalidade de proteger o próprio agente ou um terceiro. Por fim, ocódigo penal militar fala através do artigo 234, a respeito do emprego da força.
 

Art. 234. O emprego da força só é permitido quando indispensável, no caso de desobediência, resistência ou tentativa de fuga. Se houver resistência da parte de terceiros poderão ser usados os meios necessários para vencê-la ou para defesa do executor e seus auxiliares, inclusive a prisão do ofensor. De tudo se lavrará auto sobescrito pelo executor e por duas testemunhas.
§2° O recurso ao uso de armas só se justifica quando absolutamente necessário para vencer a resistência ou proteger a incolumidade do executor da prisão ou de auxiliar se
u.


A Operação Exceptis tinha como objetivo cumprir 21 mandados de prisão contra investigados por aliciar crianças e adolescentes para o tráfico de drogas no Jacarezinho, região cujo narcotráfico é dominado pelo Comando Vermelho, e onde vivem cerca de 36.000 habitantes. Dos 21 investigados, três foram mortos e outros três presos. Foram apreendidos seis fuzis, 16 pistolas, uma submetralhadora, 12 granadas e uma escopeta calibre 12, além de 28 mortos, dentre os quais um policial civil que cumpria o estrito cumprimento do dever legal.

Do balanço dos números da Operação Exceptis pode-se dizer que ela foi realizada com planejamento de inteligência, dentro da legalidade, com consentimento de autoridades da justiça e auferiu uma grande apreensão de armas munições e drogas, além da prisão de criminosos, ou seja, um sucesso. Quanto ao número de mortos, lamenta-se a perda prematura do Policial Civil André Leonardo de Mello Frias, pois segundo a Polícia Civil do Rio de Janeiro os demais mortos pertenciam a facção criminosa, resistiram a presença da polícia na comunidade por meio de tiros e dessa forma assumiram o risco de perder a vida.

Há muito o que mudar acerca da interpretação da grande parte da imprensa em relação a operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro, pois os focos são voláteis e as opiniões também. Causou estranheza a reprodução em grande parte de jornais e sites de manifestações de moradores da comunidade do Jacarezinho após a Operação Exceptis. Estranheza devido à ausência de comentário, por parte da imprensa, de aglomerações e ausência de máscara em plena pandemia. Estranheza pela ausência de questionamento, por parte da imprensa, das manifestações estarem em sua grande maioria mulheres e crianças.
 

 
   

É sabido que o cenário do Jacarezinho não pode ser ignorado e uma avaliação do fato deve ser investigado para ações futuras. É covarde, por parte dos formadores de opinião, achar que não há um terror imposto pelo crime organizado. É leviano e ingênuo achar que os traficantes reagem de forma bondosa ao ver policiais entrando nas comunidades. Cabe ressaltar que as armas utilizadas pelas facções criminosas e milícias do Rio de janeiro são armas utilizadas em conflitos internacionais de guerra e não pode ser descartada a hipótese que a segurança pública carioca vive uma guerra urbana.

Sabe-se que as comunidades onde residem os menos favorecidos precisam de políticas públicas, presença do Estado, geração de renda e a extirpação do crime organizado daquelas localidades, o que geraria a paz e ordem social. Sabe-se que essa expectativa é uma realidade distante, mas que não pode ser esquecida. Sabe-se também que a polícia carece de mais treinamentos, mais investimentos em material e em pessoal, mas que mesmo nessas condições cumpre a missão constitucional a ela atribuída. Fechando a tríade envolvida na Operação Exceptis, a imprensa por sua vez, como parte integrante da sociedade e que sofre das mesmas mazelas impostas pelo crime a toda a sociedade, deveria pensar mais no “ser” do que no “ter”, pois o papel da imprensa é fundamental e fomenta no senso comum a ideia do todo. A imparcialidade e a descrição de fatos concretos deveriam ser princípios de publicação, pois uma capa de jornal com o título “chacina no Jacarezinho” já é uma acusação e um julgamento aos olhos da grande massa da sociedade.

Por fim, o consenso comum para todos é que a criminalidade deve ser combatida e para isso faz-se necessário e urgente parar de ignorar as proporções de violência que o crime organizado espalha, bem como a romantização frankfutiana de discursos alheios a Lei.

 


[1] O termo dano colateral, recentemente popularizado pela mídia, é, de acordo com Bauman (2013), geralmente empregado no universo militar em tempos de guerra. Tal termo define uma ação ou situação cujo resultado   difere   do   pretendido, com   efeitos imprevisíveis   e   adversos, que   atingem   alvos   civis de   forma acidental. Disponível em https://revistas.ucpel.edu.br/rsd/article/view/1534/1007
 
[3]Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma unidade de medida utilizada para aferir o grau de desenvolvimento de uma determinada sociedade nos quesitos de educação, saúde e renda.

 

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