OESP – Os abusos do Ministério Público

EDITORIAL OESP

Os abusos do Ministério Público

Domingo 13 Maio 2018

 

Uma semana depois de o Ministério Público do Trabalho ter encaminhado uma “notificação recomendatória” à Embraer e à Boeing, pedindo a elas que informem as salvaguardas trabalhistas que incluirão no acordo comercial que estão negociando, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) lançou uma pesquisa para saber quais áreas, segundo a população, devem ser prioritárias na atuação dos promotores e procuradores de Justiça nos próximos dez anos.

Os dois fatos têm, como denominador comum, a recorrente discussão sobre os limites da atuação da corporação. Pela Constituição, o MP é uma “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Na prática, isso significa que o órgão tem as atribuições de exigir o cumprimento das leis, defender as garantias fundamentais, preservar os interesses da coletividade e proteger os interesses individuais – aqueles de que os cidadãos não podem abrir mão.

O problema, contudo, é que os promotores e procuradores interpretaram essas atribuições de forma extensiva, indo muito além do que o legislador constitucional pretendia, quando concedeu autonomia funcional e administrativa ao MP. Graças à esperteza hermenêutica, a corporação ampliou o alcance de suas prerrogativas, passando a agir como se tivesse competência para interferir de modo ilimitado nas relações econômicas entre empresas privadas, no livre jogo de mercado e no funcionamento das instituições políticas.

Não é de hoje que, arvorando-se em consciência moral da Nação, promotores e procuradores desenvolvem cruzadas contra o que julgam ir contra suas convicções moralistas, políticas e ideológicas, investigando, julgando e condenando à execração pública cidadãos e empresas, sem reunir provas que os tribunais consideram cabais. Também não é de hoje que, fundamentando suas iniciativas em princípios vagos ou indeterminados, como os da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho, a corporação imagina ter o poder de dirigir o País.

O ofício encaminhado pelo MPT à Embraer e à Boeing é um exemplo desse sentimento de onipotência. Além de exigir que as duas empresas mantenham “o patamar de empregos no Brasil” e apresentem relatórios sobre o risco de “possível transferência da cadeia produtiva para solo americano”, a notificação pede que elas levem em conta a posição dos sindicatos de metalúrgicos com relação ao negócio e as sugestões feitas em audiências públicas promovidas pela Comissão de Direitos Humanos do Senado. Apesar de alegar que só está agindo “preventivamente”, o MPT fixou o prazo de 15 dias para que as empresas informem como cumprirão as “recomendações”, sob pena de serem acionadas judicialmente.

A pesquisa lançada pelo CNMP para ouvir da população quais áreas os promotores e procuradores de Justiça deverão priorizar, sob o pretexto de reunir informações para a elaboração de um planejamento decenal estratégico do MP, vai na mesma linha de inconsequência. A pesquisa apresenta 11 áreas – como direitos humanos, combate à corrupção, infância e adolescência, segurança pública, educação e saúde – e pede aos consultados, que não têm formação jurídica e não conhecem a legislação civil, penal e processual, que definam as mais importantes, numa escala de 1 a 5. Nas chamadas questões abertas, a pesquisa indaga dos consultados quais são, a seu ver, as “oportunidades” (sic) para o MP nos próximos dez anos.

Se não fosse mal formulada e com respostas previsíveis, a pesquisa poderia servir ao CNMP para obrigar o MP a restringir sua atuação aos limites fixados pela Constituição. Mas, do modo como está sendo conduzida, permitindo manipulação do “clamor público”, ela pode legitimar a atuação “justiceira” de um órgão que expandiu suas atribuições e sua margem de arbítrio ao sabor das conveniências e da interpretação que cada promotor ou procurador faz da lei.

 

 

Artigo OESP

publicado no dia 11 Maio 2018

 

Não podemos dar bomba atômica para inimputáveis, doidivanas’, diz Gilmar sobre investigadores

Ministro Gilmar Mendes volta ao palanque do Plenário do Supremo para atacar delegados, procuradores e juízes, 'tróica de ignorantes'

O ministro Gilmar Mendes voltou a usar o palanque do Plenário do Supremo para deflagrar uma nova ofensiva contra delegados federais, procuradores e juízes. Nesta quinta-feira, 10, ao votar no julgamento em que a Corte, por 9 a 1, confirmou que foro privilegiado não alcança casos de improbidade administrativa, Gilmar citou dois episódios recentes que, em sua avaliação, revelam ‘um festival de abusos’ por parte dos investigadores – o suicídio do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier, e a Operação Carne Fraca.

 “(Cancellier) foi preso, humilhado. Proibido de ir para a Universidade, foi a um shopping em Floarianópolis e se matou. Nada se fala sobre o assunto, nenhuma providência se anuncia. É um constrangimento.”

 “E quem deu a ordem presidente?”, seguiu Gilmar, dirigindo-se à ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo. “Um juiz mandou prender (Cancellier). O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) deveria usar isso, presidente. Não para punir, mas para educar. Porque se trata de pessoas que estão mal preparadas para o exercício da função. Estão decretando prisão de maneira irresponsável.”

Gilmar entrou na Carne Fraca e, então, voltou-se para a procuradora-geral da República, Raquel Dodge.”Nós já tivemos um outro caso, que é mais chocante ainda, e também a Procuradoria deveria ser responsável, doutora Raquel. Mais chocante ainda. É o caso da Carne Fraca. Essa gente, pasmem, essa tal de Operação Carne Fraca foi anunciada como a maior operação da Polícia Federal em toda a história do Brasil. Mobilizou mil e duzentos agentes da Polícia Federal para investigar se o Brasil estava vendendo carne de papelão.”

Apontou para os investigadores. “Uma tróica de ignorantes, delegado, procurador e juiz, confundiam tudo. A partir da interceptação telefônica saíram a fazer juízos irresponsáveis. Causaram prejuízo de bilhões para o país, bilhões para o país. Até agora não ocorreu de ninguém pedir desculpas, mas essa gente deveria ser internada em algum lugar e se submeter a cursos forçados porque não tem qualificação alguma para entender absolutamente nada. Não entendem nada de nada. E tudo é tratado como se fosse normal.”

“Certamente vão entrar ainda com ação de improbidade. Veja o perigo de se dar poder a gente desqualificada e irresponsável. É um festival de abusos. E estou falando isso de memória, sem pesquisar. É um constrangimento imenso.”

“Quer dizer: qual é o país do mundo que tem no agronegócio um terço do PIB e que é capaz de fazer um gesto suicida como este? Sem nenhum controle, sem nenhum reparo, e não se tem notícia de nenhuma medida para dizer puxa vida, esses garotos deveriam passar por uma ‘reformatio’, nem sei se tão garotos assim.”

“Sem qualificação para a função. É caso de disponibilidade, é caso de revisão de práticas de procedimento, de novas normas de organização de procedimento.”

“Deu-se bomba atômica para analfabetos voluntariosos. É esse o quadro que nós temos que enfrentar presidente. De modo que me parece que o tema terá que ser rediscutido e vai ser rediscutido, é inevitável. Porque se quisermos manter o status de sétima, oitava, nona potência, temos que ter uma institucionalidade. Não podemos ser os aventureiros que nos revelamos ser.”

“Não podemos entregar bomba atômica para inimputáveis. Poder exige responsabilidade.”

“O caso da Carne Fraca tem que ser ensinado em todas as escolas de policiais, de delegados, de membros do Ministério Público. A análise da consequência do ato. Não tem noção de que ao anunciar uma medida como essa ele quebra a economia do Brasil.”

“Entrega-se um poder desse tamanho a um doidivanas. É um doidivanas. Sem qualquer possibilidade depois de reparo. E as pessoas continuam com medo dele porque ele continua a investigar e a ter um poder imenso.”

Em outro momento, o ministro citou um polêmico procurador da República, Luiz Francisco, criticado por supostamente promover acusações sem lastro probatório nos anos 1990.

“Certamente temos hoje, aos borbotões, não um Luiz Francisco, mas dez, vinte, cem Luiz Francisco, capazes de produzir esse tipo de tragédia. Combate à corrupção e às mazelas administrativas tem que ser feito com responsabilidade.”

“A própria Lei de Improbidade, com sua abertura, com a sua falta de tipificação, acaba por propiciar uma série imensa de abusos.”

“Acho que é fundamental, acho que todos nós devemos defender a necessidade de que toda essa legislação (contenha) medidas de contra cautela, a possibilidade de responsabilização pela propositura de ação inepta, por exemplo. É necessário um sistema de responsabilização do próprio agente. Em geral, nós não temos notícia disso.”

“E o empoderamento dessas instituições leva a que possam continuar perseguindo. O comentário geral, hoje, é que os gestores dos municípios brasileiros são os promotores. Porque fazem aquelas cartas de recomendação e, diante do não atendimento, propõem a ação de improbidade.”

“E eu já disse, também, que Deus nos livre, de membros do Judiciário e de membros do Ministério Público, como gestores. Se nós analisarmos o que se tem feito, a generosidade com que nós gastamos dinheiro, eu já disse, é possível que, se nós formos administrar o deserto do Saara, venha faltar areia daqui a pouco. Então, é preciso ter muito cuidado com falta de senso de realidade, falta de noção de responsabilidade.”

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