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Tremor em Itaipu

Publicado Correio Braziliense 23 de Maio  de 2011

Alberto Velloso

Geólogo, foi o criador do observatório sismológico da UnB

Em 28/2/1978, instalei a primeira estação sísmica em Itaipu, iniciando um programa de monitoramento sismográfico do grande lago que surgiria ao término da construção da usina hidrelétrica, em 1982. Monitorar grandes reservatórios de água é importante, pois alguns provocam tremores de terra, os chamados sismos induzidos por reservatórios (SIR). Trata-se de fenômeno raro, já que dos milhares de reservatórios mundiais poucos geraram sismos e apenas alguns alcançaram magnitudes fortes, suficientes para produzir danos nas barragens. O Brasil já contabilizou 16 casos de SIR, mas nenhum deles implicou problemas realmente significativos, apesar de o maior ter atingido magnitude 4.2.

Além da possibilidade dos sismos pairavam sobre Itaipu outras expectativas, porque as relações Brasil-Argentina não eram das melhores. Foi explorado que a usina representaria uma bomba aquática que, disparada, acidentalmente, ou não, inundaria os terrenos platinos rio abaixo. O fato é que nada de ruim aconteceu e, de 1978 até 1997, período em que estive à frente daquele projeto de monitoramento sismográfico, jamais registramos qualquer tremor local que pudesse afetar a grande barragem. Se as rochas por debaixo do lago continuam firmes e estáveis, o mesmo não ocorreu na superfície do terreno, já que, por pressão paraguaia, e sem qualquer compensação visível, foram alteradas cláusulas fundamentais de um tratado, presumidamente imutável até 2023, quando as dívidas contraídas para a edificação da usina estariam integralmente pagas.

A Usina de Itaipu foi idealizada na década de 1960, mas somente em 1973 um acordo binacional deu partida ao projeto para a construção da maior usina hidrelétrica, até então — ela só foi suplantada, em termos de potência instalada, por Três Gargantas, na China, 24 anos depois. No começo, Brasil e Paraguai só tinham a oferecer suas volumosas e iguais parcelas de águas do Rio Paraná, mas transformar aquela potencialidade em realidade hidrelétrica demandaria excepcional capacidade técnica e vultosos investimentos financeiros que, a bem da verdade, só um dos lados poderia bancar. Para estabelecer direitos e deveres, as partes criaram o Tratado de Itaipu que, entre outros assuntos, determinava que os dois países dividissem igualmente a produção da energia, mas o que não fosse consumido por um deles seria vendido ao outro. A maior parte do pagamento que o Brasil faz ao Paraguai é utilizada para o abatimento dos custos de construção da usina.

Pela necessidade de acompanhar seguidamente os estudos sismológicos, presenciei a evolução da construção da barragem, convivi com muitas pessoas na obra, percorri grandes trechos das duas margens do rio e lembro-me, no início, da surpreendente proibição de trafegar por estradas de terra paraguaias em épocas de chuva, para que não estragassem. Assim, posso testemunhar quanto progresso aquela região recebeu. Ademais, ao estabelecer uma empresa binacional para a construção da obra, abriu-se oportunidade ímpar de trabalho; para cada posto ocupado por um brasileiro deveria ter um correspondente paraguaio.

 O período de construção tornou-se uma escola de aprendizado para nossos vizinhos nas mais diferentes áreas da engenharia, da biologia, do direito, da economia, da diplomacia, e tal formação lhes facilitou manter o emprego de hoje, ou de conseguir novas posições em outras paragens. Mal se fala dessa incalculável contribuição brasileira e de quão diferente seria o Paraguai sem Itaipu. O maior bônus está por vir. Com o pagamento da dívida o Paraguai será co-proprietário de uma empresa que vale algumas dezenas de bilhões de dólares. O tratado é claro e objetivo. Por que contestá-lo buscando escusas por danos a reparar?

A sábia natureza nada fez, mas, ao concordar com alterações no tratado, nossos governantes provocaram um sismo peculiar, já que seus efeitos só poderão ser mais bem avaliados com o tempo. Foi anunciado que o montante a ser pago pelo Brasil triplicou e tal valor não é desprezível: US$ 1 milhão/dia, sem qualquer contrapartida. Como ajustar as finanças? Seremos penalizados com tarifas de energia mais altas? Ou tais recursos sairão de programas da saúde, da educação, ou da segurança, os três pilares mestres da nação que teimam em não aprumar, segundo os infindáveis exemplos mostrados pela mídia país afora. Afinal, foi justo com nossa sociedade promover tais benesses?

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