Quais são as opções para uma intervenção militar na Síria?

Jonathan Marcus

Desde o início da crise na Síria, há um ano, a comunidade internacional se mostra pouco confortável com uma eventual intervenção militar no país, semelhante à realizada na Líbia.

Essa rejeição se baseia principalmente em dois fatores. Em primeiro lugar, o fato de que a situação no interior sírio é bastante diferente da observada entre os líbios: a oposição é muito mais dividida na Síria, as forças de segurança do regime são muito mais fortes, e as defesas aéreas são muito mais eficientes.
 

Em segundo lugar, existe a percepção de que a derrubada do presidente Bashar al-Assad poderia desencadear uma onda de instabilidade muito mais ampla no Oriente Médio.

Ao contrário da Líbia, a Síria é um ator central no mundo árabe – tanto política quanto geograficamente -, e o avanço do sectarismo e da instabilidade ali poderiam ameaçar tanto o Líbano quanto o Iraque.

Além disso, por conta do veto da Rússia e da China a uma resolução contra a Síria no Conselho de Segurança da ONU, a autorização para o uso da força fica muito distante.

Outro fator, para Joshua Landis, diretor do Centro de Estudos do Oriente Médio da Universidade de Oklahoma (EUA), é que, "apesar do crescente coro de políticos instando pela liderança americana (contra o regime sírio), o governo de Barack Obama está convencido de que Washington não tem de tomar a dianteira, mas sim seguir seus parceiros na região – Arábia Saudita e Turquia".

Para Landis, a questão central é simples: o governo Obama não vê razões fortes o suficiente para intervir. "Autoridades americanas são unânimes em argumentar que o regime Assad está fadado ao fracasso e só se manterá por um curto prazo de tempo, com ou sem o apoio americano à oposição síria", diz o analista.

Ainda assim, políticos republicanos dos EUA – como o senador John McCain – têm pressionado por ataques aéreos contra as forças de segurança do regime. Veja abaixo as opções de intervenção disponíveis e as dificuldades de cada uma delas:

Foco humanitário

O principal argumento de qualquer intervenção seria essencialmente humanitário, em resposta à crescente violência contra civis na Síria. Também poderiam existir esforços para ajudar os milhares de refugiados do conflito, muitos dos quais deslocados às fronteiras com a Turquia e o Líbano. Há medidas correlatas sendo discutidas:

– O chanceler francês, Alain Juppé, sugeriu no ano passado a criação de curtos corredores humanitários em território sírio, por onde passariam suprimentos;

– O chanceler turco, Ahmet Davutoglu, propôs a criação de "zonas seguras", também dentro do território sírio, para abrigar refugiados;

– O Ocidente também poderia ajudar a criar zonas de exclusão aérea no espaço aéreo sírio, para garantir a segurança das medidas acima, caso elas sejam adotadas. Nessas circunstâncias, o uso de aeronaves militares seria crucial, ainda que essas teriam de enfrentar o razoavelmente sofisticado sistema de defesa aéreo da Síria.

Foco militar

A ideia aqui seria acelerar o processo, já em curso, de fortalecer as forças de oposição sírias e aumentar a pressão sobre o regime. O objetivo final seria a derrubada do governo, ainda que dificilmente isso será dito claramente. Outra vez, diversas estratégias poderiam ser aplicadas:

Apoio logístico a grupos rebeldes armados: Isso já está sendo discutido em alto nível em Washington. A proposta seria prover suprimentos médicos e equipamentos não-letais, como rádios, para tornar os grupos opositores mais eficientes. Para alguns, isso pode acabar derivando no armamento dos rebeldes, como ocorreu na Líbia.

Interdição marítima: O objetivo seria limitar a entrada de armas e munições que abastecem o regime sírio. Mas, sem o apoio do Conselho de Segurança da ONU, a medida teria uma base de sustentação duvidosa.

Isso também significaria bater de frente com a Rússia, principal supridora de armas à Síria.

Armar os rebeldes: Catar e Arábia Saudita já expressaram apoio à entrega de armas à oposição síria. Simon Henderson, integrante do Washington Institute for Near East Policy, acredita que os dois países podem já estar enviando armas aos rebeldes, mas acrescenta que isso pode não ter um impacto muito grande.

"Os rebeldes sírios precisam ser muito mais organizados, para fazer melhor uso de equipamentos de comunicação, de comando e de controle", opina o analista.

Pressionar as Forças Armadas: Para Henderson, uma tática mais eficiente seria incentivar a deserção entre os militares sírios.

"Os EUA certamente podem identificar comandantes e se comunicar com eles (para pressioná-los)", diz. "Eles fizeram isso durante a invasão do Iraque." O perigo, acrescenta ele, é que a iniciativa leve à adoção de um regime militar na Síria.

Intervenção – o debate mais amplo

Apesar dos riscos, está em curso entre países árabes e ocidentais uma discussão sobre os méritos e as desvantagens de uma intervenção. A crise síria se tornou tão séria e com implicações tão profundas que ninguém quer descartar nenhuma opção. Muito, é claro, dependerá do desenrolar dos fatos.

Uma questão central em debate diz respeito ao suprimento de armas e seu impacto, caso a Síria consiga sair da crise atual.

"Há muitas divisões entre a oposição síria, mas todos os grupos militantes querem a derrubada do regime", diz Joshua Landis. "Essas divisões vão impedir que qualquer (futuro) governo sírio substitua as atuais Forças Armadas do país."

Então, será que o avanço da militarização do conflito poderia levar a uma guerra civil prolongada, caso o regime de Assad entre em colapso?

"Sim", opina Landis. "As divisões étnicas e sectárias são uma receita para uma prolongada disputa de poder, como já ocorre no Iraque, entre palestinos e israelenses e no Líbano."

Sendo assim, diz ele, a derrubada de Assad via intervenção internacional não daria nenhuma garantia de que os conflitos terminariam – pelo contrário, poderiam se agravar.

'Controle da militarização': Já Steven Heydemann, do United States Institute of Peace, opina que "o avanço da militarização da crise é inevitável".

"À medida que o regime usa mais força contra os civis, a oposição armada vai se expandir e ocupar um papel mais central", diz ele. O maior perigo, afirma, é que isso "dá poder e legitimidade à oposição armada enquanto contribuiu para a marginalização da oposição política, vista como ineficiente em defender os civis."

Para ele, a resposta seria uma "militarização controlada", com treinamento, equipamento e desenvolvimento de uma força opositora, de forma a evitar que "o descontrole tenha consequências destrutivas".

Política externa: Existe um crescente pessimismo a respeito do poder de influência dos atores externos, mas Joshua Landis acrescenta que as sanções econômicas impostas à Síria estão impactando o regime e levando à desvalorização da moeda do país.

"Isso estimulou algumas pessoas a deixar a Síria e outros, a pegar em armas. Não tardará até que a fome e a privação passem a ter um papel importante nos distúrbios", opina. Além disso, as sanções estão "enfraquecendo a habilidade do governo em garantir aos empresários que o regime os protegerá".

Ainda assim, não há respostas imediatas nem na frente econômica, nem na diplomática. E, independentemente da opção militar que eventualmente seja adotada, resta a certeza de que, sem uma política clara para o futuro sírio, a derrubada de Assad poderia levar o país ao caos e a mais violência.

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