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Plano Colômbia não interrompeu narcotráfico mas ‘enfraqueceu as Farc’

Leandra Felipe


Embora o aparelhamento das forças de segurança colombianas não tenha conseguido interromper o tráfico para os Estados Unidos, onde 95% da cocaína consumida ainda tem origem no país sul-americano, segundo o Departamento de Defesa, a ação pode ter ajudado a minar as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e o ELN (Exército de Libertação Nacional).

"Não concordo com a ideia de que combater a insurgência de esquerda tenha sido a principal meta do Plano Colômbia. Mas ele serviu a isso, na medida em que usou ataques aéreos massivos e equipou o Exército, atingindo fortemente muitas frentes e bases da guerrilha", disse Jorge Restrepo, professor e diretor do Centro de Estudos para a Análise de Conflitos (CERAC).

No final da década de 1990, a guerrilha colombiana teve um crescimento significativo e se envolveu com o narcotráfico como forma de autofinanciamento.

Para alguns analistas, deter as guerrilhas sempre foi um dos objetivos de "fundo" do Plano Colômbia. Para o sociólogo Ricardo Vargas, o esforço e o dinheiro investidos no combate ao narcotráfico no país tiveram como maior objetivo enfraquecer as Farc.

Vargas afirma que boa parte dos mais de US$ 7 milhões (R$ 12,8 milhões) investidos pelos EUA no plano foi utilizada para financiar a compra de equipamentos para o Exército, como aeronaves e armamentos.

"Para combater as Farc, o Plano Colômbia serviu muito bem", disse Vargas. Segundo o sociólogo, a Força Aérea colombiana recebeu aeronaves modernas e grandes plantações de coca foram eliminadas por erradicadores manuais e por fumigação. Além disso, os grandes cartéis que trabalhavam em parceria com as Farc ou que eram controlados pela guerrilha foram desmantelados.

Segundo Vargas, o enfraquecimento da guerrilha e a propaganda sobre o avanço contra o narcotráfico, mudaram também a percepção de segurança da sociedade.

"A segurança em algumas regiões aumentou. Mas, na zona rural, a instabilidade continua. A coca continua sendo produzida e a guerrilha continua aliada aos traficantes, aos grupos paramilitares e a gangues criminosas comuns, que estão se multiplicando. Isso tudo é um sinal de que algo não saiu como o planejado", afirma Restrepo.

Resultados

Um dos resultados mais alardeados por americanos e colombianos é a redução de quase 50% na área plantada de coca na Colômbia.

Apesar dos altos investimentos americanos, a mais vistosa ação antidrogas no continente não conseguiu interromper o tráfico de narcóticos para os Estados Unidos, onde 95% da cocaína consumida ainda tem origem no país sul-americano.

A informação faz parte de um relatório do Departamento de Defesa americano sobre a estratégia internacional de combate aos narcóticos dos EUA, dois anos depois do término oficial do Plano Colômbia.

O debate sobre o que o plano de cooperação realmente alcançou ganha força neste momento por causa do interesse demonstrado por presidentes de vários países em discutir alternativas para combater os problemas relacionados às drogas durante a Cúpula das Américas em Cartagena.

Na onda de debates que antecedem a reunião dos países membros da Organização dos Estados Americanos (OEA), o próprio presidente colombiano, Juan Manuel Santos, questionou os êxitos do Plano Colômbia.

Para o presidente colombiano, o plano foi um sucesso sob o ponto de vista de alguns dos resultados. Além da redução do cultivo da coca, grandes cartéis da droga foram desmantelados e líderes importantes morreram ou foram presos.

Em declarações recentes à imprensa, Santos ressaltou o que chamou de "contradição interna".

"Quanto mais bem sucedidos somos (no combate às drogas), mais sobe o preço da cocaína em Los Angeles ou em Chicago. E o consumo não está baixando, só crescendo", disse.

Produtividade x distribuição

Segundo analistas ouvidos pela BBC Brasil, mesmo os resultados utilizados para comprovar o sucesso do Plano Colômbia devem ser avaliados com cuidado.

A redução do cultivo da coca, por exemplo, não representaria uma mudança tão positiva, já que os produtores investiram em plantas resistentes e conseguiram espécies de alta produtividade.

"Hoje se utiliza plantas de coca até três vezes mais produtivas que antes. Por isso, em uma área plantada muito menor, pode-se obter quantidades maiores de matéria-prima, em metade do espaço usado anteriormente", disse o professor Jorge Restrepo.

Restrepo diz ainda que as grandes apreensões e o desmantelamento dos cartéis na Colômbia não alcançaram a redução esperada no consumo de droga nos Estados Unidos e na Europa.

"Quando se vê a quantidade consumida nestes países, é impossível não perceber a discrepância entre os números apresentados no combate ao narcotráfico nos países emissores da América Latina e na outra ponta, onde está o maior consumo", reflete.

Um dos motivos que ajudaram a manter a oferta, diz, foi a mudança no processo de produção e distribuição da droga, que acabou se espalhando pela América Central e o México.

"Com a descentralização dos centros produtores, espalhados por diversas regiões e por vários países, ficou mais difícil combater o sistema, cada vez mais internacionalizado."

Outro motivo, na opinião do pesquisador, tem raízes no envolvimento com o narcotráfico. De acordo com Restrepo, um "gargalo" importante no combate ao narcotráfico é a corrupção presente em várias instâncias do poder público.

"Não há como negar que há servidores e políticos colombianos que servem ao narcotráfico, permitindo que o sistema funcione, mesmo com todo o aparato formado para combatê-lo", afirma.

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