ONU em xeque

RODRIGO CRAVEIRO

Manter a paz internacional e a segurança; desenvolver relações amigáveis entre as nações; obter a cooperação internacional; e ser um centro harmonizador das ações dos países, na conquista desses fins comuns. As propostas e os princípios regem a Carta das Nações Unidas. O documento de 112 páginas e 19 capítulos, redigido em 26 de junho de 1945, deu forma à ONU.

Dias depois de comemorar 67 anos, a entidade — um colosso de agências, comitês e conselhos — se vê desmoralizada na Síria. O plano de Kofi Annan, enviado especial a Damasco, foi ignorado pelo regime de Bashar Al-Assad. No mês passado, tiros e pedradas atingiram o comboio de observadores internacionais, em Al-Haffeh (noroeste). As autoridades sírias menosprezaram um relatório sobre violações dos direitos humanos e até ameaçaram romper com a ONU. A crise na Síria segue o roteiro de outros conflitos: a estrutura do Conselho de Segurança, a máxima instância da organização, impede a tomada de decisões que contrariem os interesses de seus membros permanentes.

"O Conselho de Segurança da ONU está fracassado, é irrelevante, ou ambas as coisas. É pouco mais do que outro lugar onde as políticas das grandes potências jogam com poucas chances de alcançar um propósito superior", afirmou ao Correio o cientista político indiano Parag Khanna, especialista da New America Foundation e do European Council on Foreign Relations. De acordo com ele, o excesso de impasse no organismo resultou em ineficiência e falta de legitimidade. "O Conselho de Segurança da ONU fracassou nos testes de Darfur e da Síria", acrescentou o especialista, também autor de How to run the world (Como dirigir o mundo).

De acordo com Khanna, grande parte da ONU é puramente simbólica. "As agências que importam são aquelas funcionais, que lidam com a fome, com os refugiados e com outros desafios concretos. Em relação ao Conselho de Segurança, a estrutura antiquada se deve ao fato de que ele não foi expandido há três décadas", comentou. Thomas G. Weiss, professor de ciências políticas da Universidade da Cidade de Nova York, não pensa dessa forma.

Ele explica ao Correio que o Conselho de Segurança funciona exatamente do modo como está previsto pela Carta das Nações Unidas. "O Conselho só pode fazer o que os membros concordarem. A Rússia e a China se abstiveram em relação a uma intervenção militar na Líbia, mas não o farão, no caso da Síria. A questão real é se haverá mais ou menos conflitos sujeitos ao veto. A resposta para isso, como a maior parte das questões, é: "Depende"", declarou Weiss.

Ex-presidente do Conselho de Segurança, o venezuelano Diego Enrique Arria (leia a entrevista) admite que a ONU adota uma postura pavloviana (condicionada) em todas as crises. Segundo ele, a entidade perdeu a voz na manutenção da paz e na resolução de conflitos por motivos logísticos e históricos. "Cada vez mais, a ONU tem encontrado dificuldade em despachar forças de paz eficientes. Sua imagem tem se desgastado muito desde as guerras da Bósnia e de Ruanda", comentou.

Em abril de 1994, um militante da etnia hutu enviou um fax às Nações Unidas, por meio do qual detalhava os planos de genocídio contra os tutsis. Apesar de informações detalhadas sobre os autores e o local do massacre, os diplomatas não levaram a denúncia a sério. Um ano depois, os países-membros permanentes do conselho se calaram quando a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) lançou suas bombas sobre a ex-Iugoslávia.

Reforma
A estrutura "engessada" do Conselho de Segurança não deve sofrer transformações a curto prazo. "Apesar de o Brasil e outros países desejarem uma reforma, ela não ocorrerá logo. Mais nações, com ou sem veto, não significariam mais ação. Provavelmente, isso representaria até uma inação maior", alertou Weiss.

Ele cita que quaisquer acordos oriundos de um conselho reformado teriam mais legitimidade. No entanto, seriam raros e resultariam em ações pouco robustas. "A Nigéria e o Egito são dois candidatos a membros permanentes. Ao analisarem o contexto em ambos os países, poucos diplomatas se sentiriam confortáveis com eles agiram, e algumas vezes, a África do Sul parece cambaleante", disse Weiss.

Khanna também compartilha de uma visão pouco otimista. "Eu creio que a reforma seria boa, mas não suficiente, para realmente resolver as crises globais", alertou. Ele defende manter o foco no fortalecimento de organizações regionais como a União Africana, em vez de concentrar as atenções sobre o Conselho de Segurança. "É bom que potências emergentes, como o Brasil, tomem posição sobre o programa nuclear iraniano ou a segurança energética, mas isso não significa que devam ser um membro permanente do Conselho de Segurança da ONU", pontuou.

Sem sucesso
Kofi Annan desembarcou ontem em Damasco, na terceira visita à Síria desde que assumiu a missão. Na véspera, em entrevista ao jornal francês Le Monde, ele admitiu o fracasso das negociações. "Essa crise se prolonga há 16 meses, mas comecei a me envolver nela há três meses. Foram feitos muitos esforços para tentar resolver a situação de forma pacífica e política. É evidente que não tivemos êxito. E talvez não haja garantia alguma de que vamos ter", reconheceu o enviado especial da ONU, que deve se encontrar hoje com Bashar Al-Assad.

"O Conselho de Segurança da ONU está fracassado, é irrelevante, ou ambas as coisas"
Parag Khanna, cientista político indiano e autor de How to run the world (Como dirigir o mundo)

193
Número de países-membros da Organização das Nações Unidas

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