O dia em que o exército suíço “invadiu” Liechtenstein

Em uma noite escura de março, há quase 16 anos, 170 recrutas do exército suíço – com trajes camuflados e armados, embora sem munição – entraram no território do Principado de Liechtenstein. Foi a primeira vez que o exército suíço pôs os pés fora do país desde uma breve ocupação da França após a queda de Napoleão, em 1815.

Evidentemente, a invasão de março de 2007 não foi planejada pelo alto escalão do exército suíço para conquistar o pequeno principado ao leste da Confederação. A invasão realizada pelo exército suíço foi – como se houvesse necessidade de dizer – um lapso, um erro.

O Principado de Liechtenstein tem pouco menos de 40.000 habitantes e não conta com um exército há mais de 150 anos. Os 41 quilômetros de fronteira que o país divide com a Confederação, quase todos eles atravessados pelo Reno (com exceção de cerca de dez quilômetros de altas montanhas e menos de dois quilômetros de falsa planície, que serão muito importantes na nossa história), não são sequer habitados. Assim, é fácil entender que entrar em seu território não é nada complicado, mesmo e principalmente se for feito de forma involuntária.

Mas uma coisa é certa: nenhum exército – nem mesmo o da neutra Suíça – pode entrar em território estrangeiro por qualquer razão que seja.

No final, foi a Suíça que informou Liechtenstein sobre o inconveniente na fronteira. O comandante da escola de recrutas de infantaria de montanha pediu desculpas pessoalmente ao prefeito de Balzers, a comuna do principado na qual seus soldados haviam “transbordado”. As autoridades de Liechtenstein, por sua vez, não tinham tomado conhecimento de nada e nenhum dos habitantes havia notado a presença dos soldados suíços.

Uma noite em 2007

Mas voltemos àquela noite quase 16 anos atrás. Era a noite entre o dia 1º e 2 de março de 2007. Por volta de meia noite, os recrutas estavam realizando uma marcha noturna que consistia em atravessar a comuna de Fläsch no cantão dos Grisões, um vilarejo ao leste do Reno que faz fronteira com a comuna de Balzers, em Liechtenstein.

Como já mencionado, trata-se de uma marcha noturna, que é muito comum durante a escola de recrutas. Mas essa é uma noite particularmente escura: o céu está coberto por nuvens negras e pesadas que não permitem que a lua e as estrelas iluminem a marcha dos soldados. Depois, começa a chover. O tempo ruim reduz consideravelmente a visibilidade. Os soldados estão usando trajes camuflados, que não são muito práticos e prejudicam sua mobilidade. Mesmo assim, eles marcham com vigor por um caminho montanhoso, uma das muitas trilhas para caminhadas que parecem todas um pouco iguais. O vilarejo de Fläsch se encontra logo abaixo dos soldados, como indicado no mapa da rota, mas as luzes distantes do povoado são enfraquecidas pela chuva torrencial. Não é fácil se orientar.

O capitão, à frente dos 170 recrutas, continua mostrando com confiança o caminho aos seus soldados. Ele talvez esteja perdido, mas não o demonstra. Em uma encruzilhada, sem se dar conta, ele toma o caminho errado. Eles deveriam ter virado à esquerda, mas viram à direita, pegando uma estrada que os leva diretamente ao Principado de Liechtenstein. Ninguém percebe o erro. A marcha continua e os soldados penetram em território estrangeiro por muitos quilômetros a mais. A primeira luz do amanhecer surpreende os recrutas suíços logo acima do vilarejo de Balzers. O Reno corre na direção errada e o capitão, mas não só ele, percebe o erro: sem dúvida alguma, eles estavam marchando sobre o solo do principado. Embora estivessem exaustos devido à marcha noturna, os recrutas seguem seu capitão quase correndo em direção ao cantão vizinho de Grisões.

Outros casos

O erro, como mencionado, não foi notado por ninguém. De volta ao quartel, o capitão imediatamente relatou o ocorrido ao comandante da escola de recrutas, que informou o alto escalão do exército suíço, que por sua vez comunicou o incidente ao Conselho Federal, que pediu desculpas ao principado.

Essa não foi a primeira vez que o exército suíço se aventurou em território estrangeiro. Como disse o porta-voz do exército na época, todos os anos há um ou dois casos de membros do exército suíço que, por engano, acabam se encontrando em território estrangeiro. A maioria dos casos aconteceu no Jura e no cantão de Schaffhausen (cujas fronteiras são particularmente tortuosas). As consequências poderiam ter sido muito mais graves nesses casos, uma vez que os países invadidos foram a França e a Alemanha: países que, ao contrário de Liechtenstein, possuem um exército, e um exército bem armado.

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