Angola vai às urnas em meio a tensões e sob olhares do Brasil

João Fellet

 

Epicentro dos interesses brasileiros na África, Angola terá nesta sexta-feira as primeiras eleições presidenciais desde o fim da guerra civil, em 2002, em meio a crescentes tensões e a tentativas da oposição de adiar o pleito.

Favorito na disputa, o presidente José Eduardo dos Santos, no poder desde 1979, tentará se eleger a um novo mandato de cinco anos. Seu partido, o MPLA (Movimento Popular para a Libertação de Angola), controla o governo desde a independência do país, em 1975.

Dos Santos reservou parte da agenda dos últimos dias para inaugurar obras pela capital angolana, Luanda, que concentra um quarto dos cerca de 20 milhões de habitantes do país. Nesta terça-feira, o novo parque na baía da cidade, um dos principais cartões postais do país, foi reaberto após quatro anos em obras.

A eleição angolana, a terceira na história do país, oporá nove partidos, que montaram listas fechadas de candidatos. O primeiro da lista do partido mais votado se tornará presidente, e a proporção dos votos determinará a composição da Assembleia Nacional.

Primeira eleição e guerra civil

Cabeça de lista do MPLA, Dos Santos terá a chance de ser eleito pela primeira vez, já que no único pleito presidencial prévio, em 1992, a disputa foi suspensa antes da conclusão.

Mas o principal partido da oposição, a Unita (União Nacional para a Independência Total de Angola), acusa o MPLA de planejar fraudar as eleições. O presidente da sigla, Isaías Samakuva, pediu que a votação seja adiada até que a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) garanta a lisura da votação.

A CNE, no entanto, rejeitou o pedido e afirmou que as queixas de Samakuva eram "infundadas". "Se acharem que não é necessário (adiar as eleições), então não podemos ser responsabilizados pelo que vier a acontecer", afirmou Samakuva, evocando lembranças da violência vivida por Angola nas últimas décadas.

Entre 1975 e 2002, a Unita e o MPLA protagonizaram uma guerra civil que, estima-se, deixou 500 mil mortos. Em 1992, os dois grupos dispuraram a primeira eleição presidencial da história angolana. José Eduardo dos Santos e Jonas Savimbi, então líder da Unita, foram ao segundo turno, mas a retomada da guerra às vésperas da votação interrompeu o processo eleitoral.

Com a morte de Savimbi em 2002, as duas siglas assinaram um acordo de paz e, em 2008, concorreram às eleições legislativas. Com intensa campanha pró-governo pelos órgãos de comunicação estatais, o MPLA obteve 82% dos votos. Já a Unita recebeu 10% e tentou anular o resultado, alegando fraude, mas acabou por reconhecer a vitória do partido do governo.

Interesses brasileiros

A eleição em Angola é acompanhada com interesse pelo governo brasileiro, que tem no país africano, segundo maior produtor de petróleo do continente, um dos seus maiores destinos de investimentos externos.

Desde 2006, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ofereceu a Angola US$ 3,2 bilhões (R$ 6,4 bilhões) em empréstimos para financiar obras ou serviços de empresas brasileiras no país africano.

O banco já aprovou outra linha de crédito no valor de US$ 2 bilhões para repasses a partir de 2013. No ano passado, entre todos os países, Angola só recebeu menos empréstimos do BNDES que a Argentina.

Os financiamentos – destinados sobretudo a grandes empreiteiras – ajudaram a inflar a comunidade brasileira em Angola, estimada em 25 mil pessoas por uma associação de empresários nacionais.

O grande número de brasileiros no país é outro motivo para a atenção do governo. No início do ano, a instabilidade criada por uma onda de protestos contra Dos Santos fez com que a embaixadora brasileira em Angola, Ana Cabral, telefonasse a compatriotas para recomendar que permanecessem em casa até que a poeira baixasse.

Organizadas pela internet por jovens em Luanda, as manifestações começaram em 2011 e foram duramente reprimidas. Não chegaram a juntar multidões – calcula-se que a maior tenha reunido no máximo 2 mil pessoas -, mas preocuparam autoridades e articularam muitos angolanos descontentes com o governo, que até então temiam criticá-lo.

"O sentimento de desencanto em relação ao MPLA é muito grande", diz o ex-militante do partido Justino Pinto de Andrade, professor da Universidade Católica de Angola.

Andrade pretendia concorrer às eleições, mas não conseguiu se credenciar no CNE – o órgão alegou falhas no processo de recolhimento de assinaturas, mas ele diz que o MPLA manobrou para tirá-lo da disputa.

"De 2008 até agora, o partido teve um comportamento bastante abusivo em relação aos direitos dos cidadãos, e esse descontentamento poderá manifestar-se nas urnas através de votos contra o MPLA ou de abstenções", ele diz.

Economia e favelas

O professor avalia, no entanto, que Dos Santos sairá vencedor. "A questão é a margem da vitória (…) Não acredito que o MPLA aceitará perder a maioria e a possibilidade de futuramente mexer na Constituição." Para isso, diz ele, o partido poderá valer-se de fraudes.

Já o partido governista rechaça as denúncias da oposição e exibe como credenciais para continuar no poder as várias obras públicas no país e o acelerado crescimento do PIB nos últimos dez anos.

Segundo a Economist Intelligence Unit, a economia de Angola poderá até 2016 ultrapassar a da África do Sul e disputar com a Nigéria (hoje segunda da lista) o posto de maior do continente.

A venda do petróleo angolano amparou a reconstrução, sobretudo por empreiteiras brasileiras, chinesas e portuguesas, de dezenas de estradas e pontes destruídas durante a guerra; ferrovias foram recuperadas e ampliadas; Luanda, que nas últimas décadas inchou e se deteriorou, tem inaugurado em ritmo acelerado conjuntos residenciais, lojas, vias expressas e prédios públicos.

Críticos dizem, porém, que as obras não melhoraram a vida da ampla maioria dos angolanos, que continua a morar em "musseques" (favelas) ou em pobres aldeias no campo. Eles denunciam ainda a corrupção no governo, que teria permitido a seus altos dirigentes juntar fortunas.

Campanha eleitoral

As relações entre Brasil e Angola se estreitaram durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que nos últimos cinco anos esteve três vezes no país africano – a última delas já como ex-presidente, em 2011.

O principal marqueteiro do PT, João Santana, está no comando da campanha do MPLA, contratação atribuída a uma indicação de Lula. Dilma Rousseff também visitou Angola no ano passado.

Embora não se posicione quanto à eleição, o governo brasileiro avalia que a realização do pleito indica importantes avanços políticos no país.

Questionado no início do mês sobre os temores de fraudes na votação, o assessor da Presidência Marco Aurélio Garcia disse que "há poucos países no mundo hoje onde eleições não sejam postas sob suspeita, sobretudo pelos que perdem".

Para o MPLA, a numerosa militância do partido – a sigla diz ter 5 milhões de membros – dispensa qualquer necessidade de recorrer a meios ilegais para obter a vitória.

Em discurso na última quarta-feira, o presidente angolano exaltou a agremiação: "Somos o maior partido político de Angola e talvez mesmo da África".

Como de costume, ele encerrou a fala com palavras de ordem usadas desde o tempo da guerra: "Viva o MPLA! Viva o MPLA! Viva o MPLA! De Cabinda ao Cunene um só povo, uma só nação! A luta continua!"

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