Ação da Otan não tem sido decisiva na Líbia, dizem analistas

Os bombardeios ocidentais na Líbia já entraram na sua sexta semana, mas até agora – apesar de algumas ações chamativas da Otan – há poucos sinais de que eles possam provocar uma alteração militar que leve ao fim da guerra civil no país. E, além disso, nada indica que existam divisões significativas dentro do regime de Muammar Kadafi, o que também poderia apressar uma solução política para o conflito.

A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que assumiu há um mês o comando da campanha militar aérea, substituindo uma coalizão formada por França, Grã-Bretanha e Estados Unidos, pode apresentar alguns êxitos na proteção das populações civis no leste da Líbia, como nas cidades de Benghazi e Ajdabiyah. Mas o cerco do governo a Misrata (oeste) continua, e o comandante da operação da Otan, general Charles Bouchard, admitiu na terça-feira que a aliança ainda não eliminou a ameaça aos civis representada pelas forças de Kadafi.

Algumas notícias da última semana poderiam indicar o início do fim do impasse militar: a Otan ampliou seus bombardeios de modo a atingir também o complexo ocupado por Kadafi em Trípoli; os EUA anunciaram a mobilização de aviões teleguiados; e as forças do governo se retiraram do centro de Misrata.

Mas analistas dizem que esses movimentos, em parte, refletem uma realidade prática  que a campanha aérea inicial esgotou seus objetivos claros e puramente militares, que são fáceis de acertar sem pôr em perigo os civis, além da necessidade dos governos ocidentais de preservarem o apoio à sua iniciativa, mostrando que suas ações estão tendo resultados.

"Militarmente, o fato é que a situação não é muito diferente do que era no início da guerra", disse o analista estratégico francês François Heisbourg. "Kadafi está essencialmente no controle do mesmo território que estava no início da guerra, então ele dificilmente deixará o poder prontamente como parte de um acordo negociado. Assim, do ponto de vista da coalizão, não é um grande resultado."

Shashank Joshi, do Real Instituto de Serviços Unidos, de Londres, disse que Gaddafi demonstrou ser mais adaptável e flexível do que as potências ocidentais previam. "Suas forças têm se adaptado muito bem", disse Joshi.

Escalada política, não militar
Se por um lado ocorreu uma escalada dos objetivos políticos da missão ocidental – como reflete a declaração feita neste mês pelos líderes da França, Grã-Bretanha e Estados Unidos prometendo continuar a campanha militar até Gaddafi deixar o poder -, por outro houve menos sinais de aprofundamento do esforço militar, segundo Joshi.

"As pessoas estão sintetizando o bombardeio ao complexo de Kadafi e a introdução de aviões teleguiados e de conselheiros militares para dizer que se trata de uma escalada. Isso tudo é um mero acréscimo, e não vai fazer a diferença por si só." "É na verdade uma nova maneira de compensar a diminuição dos ataques aéreos", acrescentou ele, referindo-se ao declínio na atividade aérea desde que a Otan assumiu a operação e os Estados Unidos rejeitaram uma participação mais evidente na linha de frente.

Tomas Valasek, da entidade Centro para Reforma Europeia, disse que, apesar das negativas da Otan, aparentemente as principais potências da aliança – França, Grã-Bretanha e Estados Unidos – estão buscando uma maneira de contornar o "dilema Kadafi", atacando-o diretamente. "O mandato oficial da Otan não envolve a remoção de Kadafi do poder, então os comandantes vão negar isso e dizer que eles estão indo atrás de postos de comunicação e similares, mas para mim isso cheira que eles estão indo atrás de Kadafi pessoalmente."

"Isso significaria uma discrepância entre o que a Otan diz coletivamente que deseja fazer, e aquilo que os franceses, os britânicos e os americanos dizem. Isso vai ser um assunto difícil internamente, e parece fadado a criar tensões dentro da Otan", afirmou ele. Nick Witney, do Conselho Europeu de Relações Exteriores, disse que os líderes franceses, britânicos e norte-americanos pressionaram a si próprios ao declararem que sua missão é mudar o regime.

"Infelizmente isso é algo que não pode ser atingido por um bombardeio", disse ele. "Não deve haver nenhuma pressão temporal em particular a respeito disso, mas é preciso aceitar um objetivo bélico de cessar-fogo, retirada e negociações. É um erro misturar ação militar com mudança de regime."

Líbia: de protestos contra Kadafi a guerra civil e intervenção internacional
Motivados pela onda de protestos que levaram à queda os longevos presidentes da Tunísia e do Egito, os líbios começaram a sair às ruas das principais cidades do país em meados de fevereiro para contestar o líder Muammar Kadafi, no comando do país desde a revolução de 1969. Mais de um mês depois, no entanto, os protestos evoluíram para uma guerra civil que cindiu a Líbia em batalhas pelo controle de cidades estratégicas.

A violência dos confrontos entre as forças de Kadafi e a resistência rebelde, durante os quais milhares morreram e multidões fugiram do país, gerou a reação da comunidade internacional. Após medidas mais simbólicas que efetivas, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a instauração de uma zona de exclusão aérea no país. Menos de 48 horas depois, no dia 21 de março, começou a ofensiva da coalizão, com ataques de França, Reino Unido e Estados Unidos.

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