Sem barreiras, tráfico de cocaína invade a Venezuela

William Neuman

 

O governo venezuelano se gabou de sua eficiência contra os traficantes de drogas, mostrando barris de cocaína líquida e aviões de transporte de drogas apreendidos, pistas de pouso e laboratórios de cocaína destruídos.

Mas uma visita feita neste mês a uma remota região nas planícies do oeste da Venezuela, que guerrilheiros colombianos transformaram em um dos centros mais movimentados do mundo para a circulação de cocaína em trânsito para os Estados Unidos, mostrou que as alegações triunfantes do governo foram um tanto quanto exageradas.

Uma pista de pouso que o governo disse ter desativado durante um ataque do Exército recentemente parecia estar de volta à ativa. Os restos de dois aviões de pequeno porte incendiados pelos militares haviam sido removidos do local. Os traficantes, trabalhando juntamente com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que operam de uma maneira surpreendente do lado venezuelano da fronteira, pareciam ter recuperado a pista para prosseguir com seus voos secretos para transportar cocaína colombiana para os EUA.

Não havia nenhum sinal de que os soldados haviam aberto buracos na pista ou tomado qualquer outro tipo de medida para impedir que ela fosse usado novamente.

Durante anos, os EUA vêm trabalhando com governos amigáveis na Colômbia, México, Honduras, Guatemala e outros países da América Latina, gastando bilhões de dólares para interromper o fluxo de drogas para o norte. Mas devido a relações antagônicas com o presidente venezuelano, Hugo Chávez, o alcance dos agentes de drogas dos EUA não se estende para o país.

"Nosso espaço aéreo foi tomado", disse Luis Lippa, um ex-governador do Estado de Apure, que planeja disputar novamente como candidato da oposição nas eleições de dezembro. Referindo-se ao aumento do controle por parte de traficantes na região da fronteira, disse ele, "Nosso território nacional diminuiu."

Em setembro, o presidente americano, Barack Obama, assinou um memorando que designou a Venezuela, pela sétima vez, como um país que não conseguiu cumprir suas obrigações internacionais para combater o tráfico de drogas. Ele citou um relatório federal que concluiu que o país era "uma das rotas de tráfico preferenciais para se sair da América do Sul" e tinha um "ambiente em geral permissivo e corrupto."

A Venezuela disse que está presa entra a Colômbia, que produz as drogas, e os EUA, que as consomem, e que está fazendo tudo possível para reagir contra essa situação. Em maio, o governo anunciou que o número de voos ilícitos detectados haviam diminuído pela metade, embora tenha se recusado a fornecer dados para apoiar essa afirmação.
Mas os EUA disseram que os esforços da Venezuela são profundamente prejudicados pela corrupção, especialmente devido aos laços entre o governo local e as Farc, que controlam grande parte do tráfico de cocaína na região.

Desde 2008, o Departamento do Tesouro acusou pelo menos sete oficiais militares de alto escalão e atuais e antigos oficiais do governo de Chávez de às vezes ajudar as Farc, trocando armas por drogas. O ministro da Defesa venezuelano, Henry Rangel Silva, foi um dos oficiais mencionados pelo Departamento de Tesouro. A Venezuela rejeitou as acusações dizendo que fazem parte da intromissão imperialista exercida pelos americanos.
 

Passagem

O gabinete para Política Nacional de Controle de Drogas da Casa Branca estima que cerca de 24% da cocaína enviada para fora da América do Sul em 2010 passou pela Venezuela, respondendo por mais de 200 toneladas.

Mais da metade dessa quantia saiu dos aeroportos escondidos em Apure, disseram os analistas. Segundo eles, o papel da Venezuela como um ponto central de trânsito para carregamentos de drogas começou depois que Chávez suspendeu a cooperação com a Agência Antidrogas dos Estados Unidos (DEA, na sigla em inglês) em 2005, ao acusar seus agentes de espionagem.

Na mesma época, a Colômbia, com a ajuda dos EUA, começou a apertar o controle de seu espaço aéreo.

Como resultado disso, os traficantes atravessaram a fronteira para Apure, onde uma pista de pouso pode ser feita facilmente em poucas horas: basta arrastar um tronco atrás de uma caminhonete para alisar o chão.
 

Autoridades

Mas talvez o principal atrativo para os traficantes é que o poder do governo federal em grandes partes da região de Apure, o Estado mais pobre do país, é praticamente inexistente.

Um morador da região do Parque Nacional de Santos Luzardo, uma reserva repleta com vida selvagem, disse que no mês passado dois membros das Farc patrulharam a região em motocicletas, perguntando aos agricultores se eles haviam ouvido algum avião, aparentemente preocupados que os traficantes estavam usando uma pista de pouso nas proximidades sem pagar.

Os residentes também manifestaram medo e desconfiança das autoridades governamentais. A maioria disse que acreditava que as autoridades locais e soldados estavam agindo juntamente com os traficantes, e que repassar informações sobre as atividades dos traficantes resultaria em represália.

Moradores disseram ter aprendido a conviver com os traficantes da mesma forma que se acostumaram ao som de baixa freqüência do voo de aeronaves durante a noite. Mas muitos disseram que estavam com medo e se sentiam bastante intimidados.

"Todos nós sabíamos o que estava acontecendo, mas ninguém disse nada", contou um homem dos contrabandistas que costumavam utilizar a pista de pouso local. "O que nós podemos fazer a respeito disso? O governo é quem deveria estar fazendo algo. Eles deveriam estar patrulhando a região constantemente."

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