Bolívia nega salvo-conduto a senador

Fabio Murakawa e Sergio Leo


A Bolívia negou o salvo-conduto para que o senador de oposição Roger Pinto, abrigado há mais de 50 dias na Embaixada do Brasil em La Paz, deixe o país, asseguram duas fontes do governo brasileiro familiarizadas com o tema. Segundo uma outra autoridade do Brasil, a possível permanência do político boliviano por tempo indefinido na embaixada constrange o governo e pode impedir uma visita da presidente Dilma Rousseff à Bolívia, no segundo semestre. A viagem, para uma cerimônia de inauguração com o presidente Evo Morales, ainda não tem data marcada.

A negativa boliviana chegou ao governo brasileiro na semana passada. Roger Pinto chegou à embaixada no dia 28 de maio, dizendo-se vítima de perseguição política, com o pedido de asilo político à presidente Dilma Rousseff. Com uma ordem de prisão decretada contra si, ele aguarda desde então a autorização do governo boliviano para sair do país sem ser detido. Sua permanência já é vista como entrave a futuras visitas oficiais de autoridades brasileiras a La Paz, além de Dilma.

Na semana passada, o ainda não empossado novo embaixador da Bolívia no Brasil, Jerjes Justiniano, disse à mídia local que o chanceler David Choquehuanca já respondeu ao governo brasileiro sobre a situação do senador Pinto. "Vamos fazer valer os direitos que nos dá a lei. Nesse marco, seguramente está dada a resposta do Estado boliviano ao Brasil", afirmou Justiniano, segundo o jornal "La Razón". "Não conheço o texto, o conteúdo, não sei quais são as bases e fundamentos da resposta", acrescentou.

Procurada pelo Valor na semana passada, a chancelaria boliviana confirmou a declaração de Justiniano, mas se negou a comentar o conteúdo da resposta dada às autoridades brasileiras. Também procurada, a Presidência boliviana não respondeu.

"A Bolívia já decidiu e nos comunicou que o salvo-conduto não será dado", confirmou uma graduada fonte de Brasília, familiarizada com o país vizinho. Absorvida na crise com o Paraguai, suspenso do Mercosul, e na entrada da Venezuela no bloco, a presidente Dilma não incluiu ainda a Bolívia entre os temas que a têm ocupado nos últimos dias. Durante a Rio+20, ao se encontrar com Morales, o asilo do senador boliviano não foi nem lembrado, por ela ou por ele.

O governo brasileiro argumenta ter dado direito de asilo ao senador por "razões humanitárias", dentro da tradição diplomática da região. A maior parte das acusações contra ele, argumenta-se em Brasília, se deve a ações realizadas durante o mandato, o que justificaria a proteção da embaixada, embora o Brasil não pretenda avaliar o mérito, nem da acusação, nem das justificativas de Pinto.

O Itamaraty tenta evitar que o tema se transforme em disputa de Estado entre os dois governos e busca uma solução rápida para o caso. O asilo foi concedido, e defendido nas conversas com o governo Morales, sob alegação de que seria danoso à imagem dos dois países expulsar o senador da embaixada e correr o risco de algum acidente com ele, dado o clima de radicalização política no país. O senador chegou à embaixada pedindo "refúgio", figura diplomática que não cabia em seu caso, segundo lhe explicaram os diplomatas. Foi o Brasil quem sugeriu o asilo como fórmula de permanência do político na representação brasileira em La paz.

Roger Pinto ocupa há quase dois meses uma sala sem banheiro na embaixada. Ele diz ser alvo de mais de 20 processos judiciais em seu país e alega "perseguição política". O senador afirma que os processos foram motivados por denúncias que fez contra membros do governo Evo Morales por corrupção e envolvimento com o narcotráfico, razão pela qual decidiu pedir asilo ao Brasil.

"O asilo concedido pelo Brasil é uma humilhação para Morales", disse outra fonte do governo brasileiro. "Isso afeta diretamente a estratégia central do governo boliviano, que é de intimidação judicial [contra políticos opositores]".

A situação do senador boliviano descontenta o governo brasileiro, embora oficialmente o Itamaraty negue atrito com a diplomacia de Evo Morales.

Na avaliação de um experiente diplomata em atividade, o Itamaraty perdeu a chance de pressionar La Paz, ao conceder, rapidamente, o "agrément" (a autorização diplomática) para que Justiniano assuma o posto de embaixador no país. "O Brasil poderia ter adiado o agrément para o embaixador até que a situação do senador se resolvesse", disse a fonte. "Alguém tem que falar grosso com a Bolívia; não tem como dizer que está tudo bem."

O imbróglio envolvendo o senador boliviano coincide com uma extensa agenda bilateral negativa. Um dos problemas a resolver é a questão dos "chutos", os mais de 400 carros reconhecidamente roubados no Brasil que estão em pátios da polícia boliviana. Eles ainda não foram devolvidos por questões burocráticas, mas há a expectativa, por parte dos diplomatas, de que o governo boliviano resolva o principal problema: a logística para retirar os carros do país sem enfrentar manifestações e bloqueios de rota por parte de manifestantes contrários à apreensão dos automóveis.

Outro problema é a queixa de empresas do Brasil, que se dizem vítimas de perseguição na Bolívia, com quebras de contrato para obras e processos criminais contra seus executivos – situação que teria piorado após a concessão de asilo ao senador Roger Pinto. Há autoridades no Brasil que avalizam essas queixas.

Em ambos os casos, há insatisfação tanto com o tratamento dado pelo governo Morales como com a reação do Brasil, que evita intervir sob o argumento de que questões comerciais pontuais, entre empresas e governos, não devem ter interferência do Estado. E há, entre autoridades brasileiras, quem acredite que o governo "deveria mostrar um pouco de irritação".

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