Dominó Árabe: Crise na Síria – origens, capítulos, impasses e destinos

Em março de 2011, a onda de protestos pelo mundo árabe já havia derrubado os longevos governos de Ben Ali, na Tunísia, e de Hosni Mubarak, no Egito. As revoltas abriram caminho para a formação de governos provisórios e, em seguida, a chegada de novos grupos políticos ao poder nestes países. Foi nesse momento que a Primavera Árabe – como se convencionou nomear este momento histórico – chegou à Síria, país-chave do equilíbrio geopolítico do Oriente Médio, localizado entre Turquia, Jordânia, Israel e Iraque.

Os protestos começaram à maneira dos tunisianos e egípcios: manifestações organizadas por ativistas, notadamente pela internet, convocando manifestações contra o regime do presidente Bashar al-Assad. Algumas passeatas conseguiram mesmo angariar dezenas de milhares de pessoas, e a força do movimento gerou reação. As poucos, os protestos começaram a enfrentar a repressão do governo, que impedia ou afugentava os manifestantes.

Foi assim que, em questão de algumas semanas, o palco de protestos se transmutava em um cenário de conflitos. Da parte dos manifestantes, a repressão era recebida com força e resistência. Pelo lado do governo, a persistência dos protestos e o enfrentamento com as forças de segurança eram vistos como obra de "terroristas". O objetivo da retórica: descaracterizar a causa dos protestos e justificar o uso da força.

A situação na Síria permaneceu uma questão predominantemente interna até que, em junho, deflagrou-se a crise dos refugiados. Buscando fugir da crescente repressão, milhares de sírios começaram a cruzar a fronteira com a Turquia, ao norte. A onda de refugiados (que se mantém, com alterações de fluxo, até hoje) começou a internacionalizar o debate sobre a Síria, mobilizando a Turquia (potência regional e diretamente afetada pelo episódio), e a Liga Árabe (principal representação política das nações árabes, que, em novembro, optou pela suspensão da Síria da organização).

Em meio ao recrudescimento do conflito e o aumento da pressão internacional, a oposição tomava forma. Primeiro foi criado o Conselho Nacional Sírio, principal representante dos oposicionistas em nível internacional. Na linha de enfrentamento direto, os desafiantes de Assad criaram um Exército Nacional Sírio, formado por desertores das Forças Armadas oficiais. Organizaram-se também os Comitês de Coordenação Locais, uma grande rede de contatos entre os oposicionistas, e o Observatório Sírio de Direitos Humanos, baseado em Londres.

À medida que o conflito entre situacionistas e oposicionistas se mantinha e não dava sinal de resolução, a diplomacia ocidental passou a trabalhar por medidas que ajudassem a pacificar o conflito e mediar uma resolução política. No Conselho de Segurança, Estados Unidos, França e Reino Unido defendiam medidas incisivas, todas questionadas e negadas por Rússia e China, geopoliticamente mais próximos à Síria. A violência prosseguia.

Assim, em fevereiro de 2012, quando se completavam os 30 anos do massacre de Hama – episódio mais sangrento da Síria contemporânea -, as forças de segurança de Damasco investiram contra a mesma cidade , deixando centenas de mortes em um dos episódios mais violentos do conflito. No mesmo dia, Rússia e China vetaram uma resolução no Conselho de Segurança que previa um plano orquestrado pela Liga Árabe de renúncia de Assad e transição pacífica na Síria.

O impasse imperou até março, quando Kofi Annan, ex-Secretário-Geral da ONU, foi escalado como enviado especial à Síria. Após visitas in loco e conversas com Assad, Annan agenciou um acordo de cessar-fogo na Síria, que passou a vigorar a partir de 12 de abril. Alguns dias depois, a ONU acertou o envio de observadores para vigiar a aplicação do plano. Desde então, a violência diminuiu consideravelmente, embora o acordo, que segue em vigor, nunca tenha sido plenamente cumprido.

Apesar de severas violações de ambos os lados ao cessar-fogo, a comunidade internacional finalmente tomou uma posição firme contra a constante violência após o massacre de Hula – bombardeio que deixou 108 mortos, incluindo ao menos 32 crianças -, em 25 de maio. No dia 27, o Conselho de Segurança da ONU condenou por unanimidade, nos "termos mais firmes", o episódio. A Rússia, país que historicamente se opõe a resoluções contra o regime de Assad, pela primeira vez aprovou um documento condenatório do organismo em relação à Síria, ainda que tenha ressalvado que a autoria do ato é desconhecida.

Mais de um ano depois, não há rumo claro no horizonte. Ao mesmo tempo em que os oposicionistas provam sua força resistindo à repressão do governo e arregimentando mobilização interna e internacional, a Damasco de Assad não dá sinais de enfraquecimento político. Até o momento, o governo não dá abertura para mudanças no poder, ao passo que a oposição, em sua maioria, não aceita negociar qualquer plano que não envolva a renúncia do presidente. Trata-se de uma disposição de ambas as partes que tende a manter o conflito – e que deve exigir maior ação da diplomacia internacional.

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