Espectro da guerra civil volta a rondar o Iraque

Não passou muito tempo desde que as tropas americanas se retiraram do Iraque no dia 18 de dezembro para que o espectro da guerra civil voltasse a espantar os iraquianos. No dia 22, uma série de atentados a bomba, com o estilo da Al Qaeda, deixou dezenas de mortos, enquanto que o primeiro-ministro xiita, Nuri al-Maliki dava mais passos na execução de seu projeto de poder pessoal, ordenando a prisão de um dos líderes sunitas, o vice-presidente Tariq al-Hashemi.

Começa a se configurar de novo um cenário trágico. Após mais de 8 anos de ocupação, centenas de milhares de mortos e mais de US$ 1 trilhão de gastos do governo americano, o Iraque ainda é um país instável, embora existam chances de evitar o caos se as regras de um complexo acordo político nascido das urnas for respeitado.

Os grandes vencedores das eleições de 2010 foram Maliki, da coalizão Estado de Direito Nacional, reunindo partidos xiitas e laicos, que ficou praticamente empatado com o Iraqia, um leque de grupos sunitas e seculares. A participação em massa dos sunitas na votação foi um dos sinais de que a democracia poderia vingar em terras iraquianas. Eles foram desalojados do poder com Saddam Hussein e perseguidos pelas milícias xiitas, mas sem sua participação (algo como um terço dos 32,8 milhões de habitantes) o Iraque não deixaria para trás o espectro da desagregação.

Sob o comando de Ayad Allawi, o Iraqia foi o mais votado, com 91 deputados, mas sua vitória foi contestada por Maliki, cuja legenda elegeu 89 deputados. Em longo processo de barganha política, que durou até dezembro, sagrou-se primeiro-ministro em dezembro, com apoio da Aliança Nacional Iraquiana, basicamente xiita, com 70 deputados.

Pelo acordo, o curdo Jalal Talabani permaneceu na Presidência, e um sunita passou a ocupar o comando do Congresso. O ministério das Finanças também foi entregue a um sunita, mas Maliki não abriu mão e garantiu para si as cruciais pastas da Defesa e do Interior, responsáveis pela segurança. Allawi ganhou um cargo decorativo de presidente de um conselho para políticas estratégicas. Sem os americanos no país, Maliki parece agora querer assenhorar-se do poder e não perdeu tempo.

As acusações de que Hashemi foi o mandante de atentados foram feitas sob medida para criar um conflito com os sunitas, já que na coalizão que sustenta Maliki e no Exército estão milhares de pessoas que pertenceram a milícias xiitas e participaram de atos violentos. Uma ordem de prisão foi expedida contra Hashemi, que refugiou-se no Curdistão iraquiano e negou sua participação em atentados terroristas. Ele apontou a crescente influência do Irã sobre o governo como um dos fatores determinantes para a deterioração do clima político.

A insatisfação entre os sunitas é crescente dada a centralização do poder promovida por Maliki. No cargo desde 2005, ele parece estar fazendo a sua aposta de maior risco. Se alijar os sunitas do poder com a provocação do pedido de prisão do vice-presidente da República, seu governo não apenas alienará e enfurecerá os seus rivais diretos, mas incitará a desconfiança dos curdos. Prepara-se o clima para a guerra civil, cujo desfecho mais provável é uma ditadura sob o comando de Maliki. Milhares de milicianos xiitas ingressaram nas forças militares iraquianas e é possível que Maliki agora conte com a vantagem das armas para consolidar seu poder pessoal.

As chances de driblar um conflito dessas proporções repousam em parte nos defeitos de Maliki. Ele não é exatamente bem visto nem mesmo entre os xiitas da Aliança Nacional Iraquiana e os curdos não morrem de simpatias por ele. Ainda que suas jogadas não passem de lances desastrados sem grandes consequências, ilustram à perfeição o perigoso quadro de instabilidade política que estava apenas camuflado pela presença das tropas americanas.

A ditadura sanguinária de Hussein, um sunita, a guerra civil subsequente à sua derrubada e a vasta destruição material não permitem otimismo sobre a disposição para a moderação dos políticos xiitas nessa fase extremamente difícil de transição. Se as condições políticas para a estabilização pioraram, as econômicas, também determinantes, seguiram rumo contrário. O Iraque deverá crescer 10,9% este ano, um bom ritmo para que se possa reconstruir a devastada infraestrutura do país. Para isso, porém, o país precisa de paz e democracia.

Compartilhar:

Leia também

Inscreva-se na nossa newsletter