Acusações de espionagem constrangem governo alemão

Apesar de escolher cuidadosamente as palavras usadas em seus pronunciamentos, a chanceler federal alemã, Angela Merkel, encontra-se agora em uma saia justa devido a uma de suas mais contundentes afirmações feitas recentemente.

Logo após a revelação de que a Agência de Segurança Nacional (NSA) dos Estados Unidos teria grampeado seu telefone, Merkel declarou que "espionagem entre amigos é algo inaceitável". Agora, porém, seu governo é acusado de também ter espionado um aliado – exatamente os Estados Unidos – o que tornou a declaração da chanceler um grande constrangimento.

Ironicamente, políticos alemães haviam intensificado nas últimas semanas as críticas aos americanos pela espionagem a Merkel. Berlim chegou a expulsar o chefe da principal agência de inteligência americana (CIA) da Alemanha depois que as atividades de dois espiões americanos foram denunciadas.

Segundo a imprensa alemã, porém, o Departamento Federal de Informações (BND) escutou pelo menos uma conversa telefônica, em 2012, da então secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton. Berlim disse que a ligação foi grampeada "por acaso", dentro das ações para coleta de informações no Oriente Médio. No ano seguinte, porém, ao menos um telefonema do atual secretário, John Kerry, também foi interceptado.

Um funcionário do serviço americano de inteligência demonstrou ao tabloide alemão Bild certa desconfiança com relação à denúncia. "As conversas de um secretário de Estado são tão criptografadas quanto às do presidente americano", afirmou. Ele disse, no entanto, que existe a possibilidade de que a ligação tenha sido interceptada por meio de uma conexão não segura.

A questão que fica no ar agora é se o BND vem realizando espionagem sistemática no mesmo nível dos EUA e se grampeia políticos de países considerados aliados – o que pode acabar se tornando algo embaroçoso ao governo alemão.

Oposição condena

Já as reações da oposição ao governo Merkel diante das revelações da imprensa alemã foram rápidas. Konstantin von Notz, deputado do Partido Verde, acusou o governo de hipocrisia. Em entrevista à rádio Deutschlandfunk, ele disse que Berlim "reage de maneira extrema e aplica dois pesos e duas medidas" quando melhor lhe convém.

A coalizão de governo, por sua vez, rejeita algumas das acusações. Segundo Patrick Sensburg, integrante da CSU de Merkel e presidente do Comitê Parlamentar de Inquérito que investiga o caso NSA, a Alemanha não conduz qualquer espionagem direcionada a políticos estrangeiros.

Uma porta-voz do BND garantiu à agência de notícias Reuters que a Alemanha não grampeia telefones de países aliados e afirmou que os EUA não eram alvo da escuta. "Qualquer gravação feita acidentalmente é deletada imediatamente", afirmou.

Nos casos envolvendo Hillary e Kerry, no entanto, a espionagem parece ter sido uma ação acidental, mas a agência alemã foi acusada de não deletar as gravações, apesar de ter afirmado que o faria.

O governo alemão ainda confirmou indiretamente reportagens veiculadas na mídia de que BND vem espionando, há anos, a Turquia. Segundo matérias publicadas pela revista Der Spiegel e o diário Frankfurter Allgemeine Sonntagszeitung (FAS), a Turquia está entre os principais alvos do serviço de vigilância alemã.

Berlim defende a prática com veemência, afirmando que a Turquia não pode ser comparada aos EUA e a países europeus como França e Reino Unido.

Segundo fontes do governo declararam ao FAS, o que acontece na Turquia tem influência direta na segurança interna da Alemanha. E isso incluiria atividades do Partido dos Trabalhadores do Curdistão, de grupos turcos de esquerda e de direita, e de traficantes de drogas e de pessoas.

Turquia chama embaixador

De acordo com o vice-presidente da bancada da União Democrata Cristã (CDU), Andreas Schockenhoff, essas explicações justificariam a espionagem sobre a Turquia – país membro da Otan e candidato a integrar a União Europeia.

"Três milhões de turcos vivem na Alemanha", afirmou Schockenhoff ao FAS. "Algumas organizações turcas na Alemanha são classificadas como grupos terroristas e é natural que façamos de tudo para descobrir de que maneira essas organizações recebem apoio da Turquia", disse.

Rolf Mützenich, do Partido Social Democrata, enxerga a situação de maneira diferente. "Considero que membros da Otan são parceiros", afirmou também ao FAS, mostrando preocupação com o fato de que as revelações possam arranhar ainda mais as relações entre alemães e turcos.

A Turquia reagiu de maneira cautelosa para a imprensa. Mehmet Ali Sahin, vice-presidente do partido do governo AKP, explicou que as acusações serão examinadas de perto e precisam ser "levadas a sério". O governo turco convocou o embaixador alemão em Ancara a dar explicações.

Sensburg, da CDU, defendeu à rede de televisão ARD que as atividades de coletas de informações por meio de agências de inteligência são medidas sensatas em "zonas de crise" em "países classificados como vulneráveis".

Já Gregor Gysi, do partido A Esquerda, criticou a declaração do colega, afirmando ao canal de TV que, depois de um caso vir à tona, o governo "sempre encontra algum tipo de justificativa sobre o porquê precisa de algum tipo de informação".

"Critico bastante, por exemplo, a maneira com a qual a Turquia permite com que terroristas do Estado Islâmico atravessam seu território – mas isso não é motivo para que haja uma mútua espionagem", afirma Gysi. "Os serviços de inteligência no mundo atualmente estão loucos."

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