O debate sobre a eventual entrega de caças JAS 39 Gripen à Força Aérea da Ucrânia ganhou força nos últimos meses, após declarações de oficiais ucranianos de que a aeronave sueca figura entre as plataformas “esperadas” como reforço à frota de combate. Ainda que a Suécia tenha confirmado o envio de peças e componentes de manutenção para os modelos C/D, não há, até o momento, decisão política sobre a transferência de aeronaves completas para Kiev.
Essa indefinição reflete não apenas questões militares, mas sobretudo fatores geopolíticos e industriais que cercam o futuro do Gripen.
O contexto geopolítico
A hesitação sueca em liberar caças Gripen para a Ucrânia está ligada a duas dimensões principais:
- Coordenação da OTAN e aliados
O bloco ocidental definiu prioridade ao fornecimento de caças F-16 para a Ucrânia, avaliados como solução mais imediata em termos de padronização, manutenção e cadeia logística. Introduzir o Gripen neste momento significaria diversificar ainda mais a frota, aumentando os custos operacionais e a necessidade de treinamento de pilotos e equipes técnicas. - Cálculo político sueco
A Suécia, recém-integrada à OTAN, avalia os impactos de se comprometer em uma entrega estratégica de alto nível. Qualquer movimento nesse sentido é interpretado em Moscou como escalada direta, o que exige prudência. Além disso, trata-se de uma decisão que envolve não apenas Estocolmo, mas também consultas a Washington e Bruxelas, dentro do alinhamento ocidental.
O impacto no mercado do Gripen
Mesmo sem concretizar a entrega, a exposição midiática do Gripen no cenário ucraniano já gera efeitos sobre a imagem da aeronave:
- Vitamina para o marketing da Saab
O simples fato de o Gripen ser cogitado como solução para um dos teatros de guerra mais desafiadores da atualidade projeta a aeronave como alternativa viável ao F-16. Isso fortalece o discurso da Saab de que o Gripen é um caça de “alto desempenho com baixo custo operacional”. - Concorrência direta com o F-16
Se os EUA posicionam o F-16 como “espinha dorsal” de diversas forças aéreas da OTAN e aliados, a Suécia poderia utilizar uma eventual entrega de Gripens para a Ucrânia como vitrine em mercados emergentes. América Latina, Sudeste Asiático e até países do leste europeu seriam alvos naturais desse reposicionamento. - Risco de desgaste da imagem
Caso a negociação com Kiev não avance e a Ucrânia receba apenas F-16, o Gripen pode ser percebido como “alternativa secundária”, um fator que pode limitar sua penetração em novos mercados — especialmente diante da pressão dos EUA no setor de defesa.

Perspectivas estratégicas
Do ponto de vista militar, a introdução do Gripen na Ucrânia representaria ganho imediato em capacidade de combate ar-ar e ar-solo, especialmente pela versatilidade da plataforma em operar em pistas curtas e com apoio logístico reduzido. Essas características combinam bem com a realidade ucraniana de dispersão de meios e constante ameaça de ataques aéreos russos.
Entretanto, a realidade geopolítica sugere que os Gripens dificilmente chegarão antes que a frota de F-16 esteja consolidada no país. Nesse sentido, a Saab poderá adotar uma estratégia de “timing pós-conflito”, oferecendo o Gripen como vetor de substituição ou complemento em uma futura reestruturação da Força Aérea Ucraniana.
A possibilidade de envio dos caças Gripen para a Ucrânia deve ser analisada menos como uma decisão operacional imediata e mais como peça de um xadrez geopolítico.
Para a Suécia e para a Saab, trata-se de equilibrar riscos de retaliação diplomática da Rússia, alinhamento com os parceiros da OTAN e a oportunidade de projetar o Gripen em escala global. Para Kiev, seria a chance de diversificar sua frota e obter uma aeronave projetada para operar em ambientes de ameaça avançada.
No mercado internacional, o caso ucraniano já serve como teste indireto de reputação: se o Gripen for incorporado, terá uma vitrine de combate real que pode ampliar suas vendas. Se ficar de fora, o risco é reforçar a dominância norte-americana com o F-16 — mantendo a dependência doutrinária e tecnológica do Ocidente em relação a Washington.
Gripen, F-16 e o F-35: comparação estratégica e impacto no mercado após o episódio ucraniano

A menção do JAS 39 Gripen como possível vetor para a Ucrânia reacendeu um debate que combina aspectos operacionais, diplomáticos e comerciais. Mesmo sem entregas formais, a simples presença do Gripen na agenda política funciona como um case-study para avaliar vantagens e riscos diante da concorrência americana — em especial o F-16 e, em longo prazo, o F-35.
Um comparativo objetivo e uma análise do impacto no mercado global.
Quadro comparativo — Gripen (E/C/D) vs F-16 (Block moderno)
| Critério | Gripen (JAS 39 — C/D/E) | F-16 (Block 50/70 etc.) | Implicações práticas |
|---|---|---|---|
| Custo por hora de voo (estimado) | Mais baixo — estudos e relatórios apontam cifras significativamente menores (ordem de grandeza: alguns milhares de USD/h). | Maior que o Gripen; estimativas variadas, mas frequentemente citadas em patamares superiores (alguns milhares a dezenas de milhares, dependendo da fonte/versionamento). | O custo por hora afeta prontidão e a capacidade de sustentar surtos operacionais em longo prazo — vantagem logística para países com orçamentos apertados. |
| Complexidade de manutenção | Projeto pensado para baixo custo de sustentação e alta disponibilidade; logística simplificada para operadores menores. | Mais maduro, com vasta cadeia de manutenção global, mas com procedimentos e peças que podem ser mais custosos e complexos dependendo do bloco. | Gripen: menor logística inicial; F-16: maior ecossistema de suporte (vantagem quando aliado aos EUA). |
| Treinamento / Integração | Rápida curva de adestramento relativo; sistemas modernos nas versões E/F porém requer integração de sensores e logística de software. | Extensa base de treinadores e currículos — padrão NATO/ocidental para muitos países; vantagem em interoperabilidade. | F-16 facilita integração com parceiros que já usam a plataforma; Gripen exige menos recursos para tornar aeronaves operacionais. |
| Capacidade de combate | Competitiva em BVR, ar-solo e operação dispersa; Gripen E traz sensores modernos e boa relação custo-efetividade. | Muito capaz, com legado comprovado; modernizações (Block 70/72) mantêm o F-16 relevante em múltiplas missões. | Em cenário de alta intensidade, números e integração (AWACS, reabastecimento, mísseis) pesam mais que o tipo isolado. |
| Disponibilidade de mercado / Exportações | Limitada por produção e política de exportação; porém competitiva para países que buscam custo-benefício (ex.: vendas recentes/negociações). | Ampla base instalada e forte presença de mercado graças ao apoio industrial e político dos EUA; facilidade de financiamento e offset. | Países com dependência política/industrial dos EUA tendem a preferir F-16; outros buscam Gripen como alternativa mais barata e menos restritiva. |
Análise: impactos geopolíticos e comerciais do caso ucraniano
1. Vitrine operacional vs. risco diplomático
Se o Gripen efetivamente fosse empregado na Ucrânia, teria uma vitrine operacional de alto impacto — similar ao que a Rússia espera evitar quando pressiona países fornecedores. Todavia, a decisão de doar caças envolve risco geopolítico direto (retaliações, escalada) e isso limita movimentos públicos de países como a Suécia.
A consequência imediata é que a Saab ganha visibilidade sem necessariamente converter isso em contratos rápidos — o que favorece interesse político/comercial, mas também coloca o Gripen sob o escrutínio estratégico de Moscou e Washington.
2. Efeito sobre vendas: oportunidade e limitação
- Oportunidade: Para países com orçamento limitado ou que buscam diversificação (por exemplo, mercados da Ásia-Pacífico, África e América Latina), o Gripen se reafirma como opção custo-efetiva. A venda à Tailândia anunciada em 2025 demonstra que existe demanda por alternativas ao pacote americano.
- Limitação: A tendência de muitos compradores em mirar plataformas de 5ª geração (F-35) ou consolidar ecossistemas já comandados pelos EUA pode reduzir o total addressable market do Gripen em alguns segmentos. Além disso, se a Suécia recuar politicamente, operadores potenciais podem interpretar isso como incerteza contratual.
3. Concorrência direta com o F-16 — e com o F-35 indiretamente
No curto e médio prazo, o Gripen compete principalmente com o F-16 modernizado: ambos oferecem soluções multirole com custo e performance distintos. O F-16 vence em ecossistema e interoperabilidade; o Gripen em custo por hora e facilidade de sustentação.
No entanto, o avanço das aquisições de F-35 por países menores, quando financiamentos e política permitirem, apresenta uma ameaça estrutural: a adoção de um caça stealth de 5ª geração pode tornar irrelevantes algumas vantagens custo/benefício do Gripen em mercados que priorizem capacidade furtiva e sensores de última geração.
O F-35 entrando no mercado — análise de impacto

A força do F-35
O F-35 é hoje a peça central de uma estratégia industrial e geopolítica dos EUA: programa multinacional, cadeia industrial extensa, e forte pacote de financiamento e offset para clientes. O F-35 traz capacidades stealth, fusão de sensores e interoperabilidade que muitos países consideram um salto qualitativo.
Programas e relatórios recentes confirmam que o F-35 continua a dominar encomendas internacionais, apesar de problemas de entrega e custo.
Riscos e pontos fracos do F-35
- Custo total de propriedade: muito superior ao de caças 4ª geração; o custo por hora e manutenção é substancialmente maior, colocando barreiras para países com orçamentos operacionais limitados.
- Problemas de produção e prazos: relatórios (GAO e imprensa) apontam atrasos e riscos de cronograma e custo que afetam confiança de clientes. Isso abre janelas para concorrentes.
Efeito sobre o mercado do Gripen
- Segmentação do mercado: O F-35 tenderá a ser escolhido por países que priorizam capacidade furtiva e integração plena com EUA/aliados. O Gripen tem espaço contínuo em mercados que priorizam custo, rapidez de implantação e independência relativa de fornecedores.
- Oportunidade tática: atrasos e custos do F-35, além de restrições de exportação (por motivos geopolíticos ou industriais), permitem que a Saab promova o Gripen como alternativa pragmática no médio prazo — especialmente para operadores que precisam de capacidade moderna sem a cadeia de sustentação complexa do JSF.
Conclusões e recomendações estratégicas (para a Saab / para compradores)
- Para a Saab: transformar a exposição política (caso ucraniano) em vantagem comercial — acelerar propostas com pacotes de sustentação atraentes (trainers, MRO local, offsets industriais) e destacar custo total de propriedade. Aproveitar janelas que surgem com atrasos do F-35.
- Para compradores potenciais: avaliar além do preço unitário — comparar custo por hora, tempo até plena operacionalidade e dependência política/industrial. Para muitos países, um mix (Gripen + aviões de superioridade aérea comprados separadamente) pode ser mais realista que o salto direto ao F-35
- No contexto ucraniano: a utilização do Gripen teria efeitos simbólicos e práticos — mas as restrições políticas e a priorização do F-16 indicam que, na prática, o impacto imediato nas vendas do Gripen será mais reputacional do que contratual. Caso o Gripen seja adotado no futuro, isso pode ser transformador para a percepção do produto.





















