Brasil alerta Kiev que viagem de Amorim não pode ser ‘propaganda de guerra’

Jamil Chade – UOL

O governo brasileiro avisou às autoridades ucranianas que não quer que a viagem para Kiev de Celso Amorim, assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seja transformada em parte da “propaganda de guerra” do governo de Volodymyr Zelensky.

Amorim está em Londres acompanhando Lula na coroação do rei Charles e a expectativa do governo é de que, na próxima semana, o embaixador possa ir até a capital ucraniana. Os detalhes logísticos da viagem ainda estão sendo fechado e não há ainda uma confirmação da data exata do desembarque do brasileiro.

Conforme o UOL revelou, os ucranianos indicaram que querem levar Amorim a alguns dos locais onde tropas russas cometeram crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Um dos possíveis locais de visita seria a cidade de Bucha, considerado até mesmo pela comissão de inquérito da ONU como cenário de crimes cometidos por tropas russas.

A meta de Kiev é de que Amorim “veja com seus próprios olhos” e que as “dores, emoções e interesses” dos ucranianos sejam levadas em consideração no posicionamento do governo brasileiro.

Para os ucranianos, o objetivo da visita de Amorim será ainda a de estabelecer diálogo. Kiev não disfarça que vê com frustração o fato de que um país que quer mediar a guerra – o Brasil – converse de forma apenas esparsa com um dos lados do conflito.

Na avaliação dos diplomatas ucranianos, não há como mediar ou se credenciar para tal tarefa sem esse contato. O objetivo, portanto, é convencer os brasileiros que Kiev quer ser ouvida e que falar de paz não pode acontecer de forma abstrata.

No esforço de mostrar equilíbrio e de ouvir todas as partes envolvidas no conflito, Lula e Zelensky conversaram pelo telefone. Mas o governo foi criticado por enviar apenas uma delegação para Moscou e não fazer uma parada em Kiev.

Lula, assim, determinou que Amorim também deveria visitar os ucranianos. Mas o alerta claro do governo brasileiro às autoridades de Kiev é de que Brasília não apreciaria se a viagem fosse transformada numa chancela da posição ucraniana e nem que as imagens servissem como parte da propaganda de guerra.

O temor do governo brasileiro é de que isso mine os canais abertos com os russos, além de sua posição nos Brics e como um eventual facilitador de um processo de paz.

Inconsistências

Apesar da tentativa do governo brasileiro de insistir que está disposto a facilitar um caminho para a paz, o posicionamento de Lula continua a gerar um mal-estar no governo ucraniano. Sua postura de procurar a paz é considerada.

Mas membros da cúpula do governo vêm insistindo, até mesmo aos diplomatas brasileiros em Kiev, sobre a insatisfação criada por algumas das declarações de Lula e o que alguns chamam de inconsistências na postura do Brasil na guerra.

Kiev ainda classifica de “criativas” algumas das propostas de Lula e algumas delas geraram, como a ideia de abrir mão da Crimeia, indignação. O mal-estar chegou a ser dito aos diplomatas brasileiros na Europa.

De acordo com membros do governo, houve uma pressão por parte dos ucranianos para reduzir o dialogo com o Brasil, diante do posicionamento de Lula. Mas a escolha por parte de Kiev foi a de intensificar a busca por contatos e adotar uma “paciência estratégica” e “restaurar relação com Brasil”.

Paz distante

Por enquanto, Kiev não vê chances de que uma negociação de paz possa ocorrer. O principal motivo seria a falta de sinais por parte de Moscou sobre qualquer possibilidade de um diálogo. O governo ucraniano ainda deixa claro que os ataques durante a semana passada com mísseis russos, mostram que não há disposição do Kremlin para um acordo.

O governo ucraniano ainda insiste que, num eventual acordo de paz, a base deve ser a resolução da ONU, aprovada inclusive com voto do Brasil. Nela, é exigido a retirada imediata das tropas russas.

Para Kiev, porém, seria “muito cedo” ainda para falar em um cessar-fogo. Para analistas, porém, o único motivo não seria o comportamento da Rússia. Os ucranianos estariam prestes a lançar uma operação militar para tentar reconquistar parte do território invadido e, portanto, uma negociação não estaria nos planos neste momento, nem para Kiev e nem para a OTAN. Hoje, um quinto do território ucraniano está sob controle russo.

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