Análise – Nação do Exagero

Por Micah Zenko – Texto do Foreign Policy
 
Tradução, Adaptação e edição – Nicholle Murmel

 
A prática habitual de inflar ameaças como forma de catalizar a atenção do público para novos inimigos dentro dos debates da política externa americana já se tornou tão comum que agora passa despercebida, não importa o quão absurda.
 
No ultimo dia 13 de novembro, durante reunião do House Armed Services Committee, a deputada Loretta Sanchez perguntou ao secretário de Defesa, Chuck Hagel, por que os Estados Unidos seriam capazes de treinar forças de segurança iraquianas desta vez, quando fizeram um trabalho longe de razoável com tropas afegãs e iraquinas no passado recente. Hagel não respondeu a pergunta diretamente, mas nos deu algo que pode ser visto como uma declaração assombrosa:
 
 “Vamos começar com o ISIL (Estado Islâmico do Iraque e do Levante), e a ameaça que o ISIL representa. Eu já declarei diante deste comitê, já declarei em outros lugares e acredito nisso absolutamente. Nunca vimos uma ameaça como o ISIL antes. O perigo abrangente que o ele representa – a sofisticação, os armamentos, o conhecimento estratégico, o financiamento, a ideologia – é tudo novo. O perigo é significativamente maior do que jamais vimos, não apenas no Iraque, mas em todo o Oriente Médio”.
 
Hagel cumpre um número tremendo de funções e sustenta muitas responsabilidades como chefe do Pentágono, o que pode explicar essa caracterização extrema. Porém, o próprio secretário admitiu prontamente semana passada, ele já havia usado linguagem semelhante para descrever o grupo terrorista em outras ocasiões. Por exemplo, em agosto o secretário de Defesa definiu o Estado Islâmico (EI) como “uma ameaça iminente a todo e qualquer interesse nosso, seja no Iraque ou em qualquer outro lugar… Isso vai além de qualquer outra coisa que já tenhamos visto. Então precisamos nos preparar para tudo”.
 
Além do mais, para apresentar seu ponto de vista de forma mais sólida, Hagel também erra não mão ao descrever outros perigos, declarando que “ameaças cibernéticas, as quais são relativamente recentes… são tão reais e letais quanto qualquer outra coisa com a qual já lidamos” – Para fins de exemplo, estima-se que 37.992 pessoas tenham morrido em conflitos armados no ano passado, contra zero em ataques cibernéticos.
 
Sendo assim, a descrição que o secretário faz do ISIS tem que ser vista com algum cetisismo. Uma vez que, de acordo com a lei, ele exerce “autoridade, direção e controle sobre o Departamento de Defesa”, é preocupante que ele tenha e expresse esse tipo de opinião.
 
Agentes do governo frequentemente caracterizam de forma errada e inflacionam os perigos aos Estados Unidos para catalizar a opinião pública e garantir que o Congresso concorde com a intervenção militar do momento. Ainda assim, nem o público nem os membros do Capitólio deviam aceitar esse tipo de retórica, porque ela dá margem para interpretações erradas e é simplesmente falsa do ponto de vista dos fatos.
 
Claro que os EUA vêm enfrentando um número de ameaças muito mais sofisticadas, bem armadas, bem financiadas e maiores – a União Soviética, por exemplo, foi uma superpotência gigante. Mas também é completamente incorreto propor que o Estado Islâmico é um perigo iminente para cada interesse americano, ou mesmo para o país em si. Conforme vários agentes de inteligência já declararam: “não temos informação credível de que [o Estado Islâmico] planeje atacar o território dos Estados Unidos”.
 
Pensei muito em por que autoridades do governo exageram com tanta frequencia ao descreverem os perigos contra a nação, e na discrepância em relação à realidade. Não tenho uma boa resposta, porque é impossível ler mentes ou entender as motivações em escala micro dessas autoridades. Porém, a explicação prática é simples: raramente esses agentes são confrontados ou responsabilizados por seus companheiros, pelos membros do Congresso ou pela mídia por seus discursos constantemente errôneos. Mesmo durante a audiência do Comitê no último dia 13, a deputada Sanchez respondeu ao secretário Hagel em tom de desculpas: “Mas Sr. Secretário, eu não –- Eu compreendo a ameaça do ISIL”.
 
Outro aspecto que permite que a supervalorização de supostos perigos não seja questionada é a falta de contextuaçização histórica ou referência às muitas outras ameaças ainda maiores que os EUA já enfrentaram. É como se todos os adversários e guerras anteriores – que foram centenas de vários tamanhos e durações desde 1798 – fossem esquecidos. Assim, cada novo desafio se torna o maior jamais enfrentado, e nos discursos e comentários de analistas civis e militares o mundo se torna cada vez mais ameaçador. Estranhamente, ninguém nunca pergunta por que todas as outras táticas de política externa dos EUA ao redor do mundo resultaram nessa existência supostamente mais e mais perigosa.
 
No ultimo Veterans Day (11NOV14), Hagel, ele mesmo veterando da Guerra do Vietnã, fez alguma sobservações interssantes quando esteve no Vietnam Veterans Memorial. Após enfatizar a necessidade vital de lembrar e honrar aqueles que deram suas vidas a serviço do país, o secretário de Defesa lembrou aos presentes a importância “de sermos honestos ao contar a História”, e de “sempre questionarmos nossas políticas que enviam cidadãos à guerra, porque as políticas de nossa nação devem sempre valer a pena”.
 
O conselho de Hagel é corajoso e deve ser matido em mente sempre, tendo em vista as várias guerras que os Estados unidos travaram sob premissas questionáveis, pela falta de entendimento de outras culturas e das motivações dos inimigos, e pela incapacidade de aprender com os próprios erros. O primeiro passo para evitar esses desdobramentos onerosos e catastróficos novamente é enxergar o inimigo mais recente da América de forma mais precisa e honesta. Se as autoridades do governo são autorizadas por padrão a adotarem um discurso absoluto e reducionista para descrever o Estado Islâmico, então cabe a nós defender toda e qualquer resposta política além da guerra. É o mínimo que devemos aos nossos futuros veteranos.

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