Francisco Gomes Neto diz ter recebido forte apoio de clientes e conta com a cooperação entre EUA e Brasil para evitar tarifa de 50%, argumentando que empresa sustenta 12.500 empregos nos Estados Unidos. Francisco Gomes Neto conversou com Scott Bessent, Howard Lutnick, Sean Duffy e dirigente do USTR — Foto: Carol Carquejeiro/Valor
Maria Cristina Fernandes
São Paulo
Valor
28 Julho 2025
Nota DefesaNet
Artigo publicado em Português CEO da Embraer conta com lobby de fornecedores dos EUA
Artigo em Inglês Embraer CEO counting on lobby from U.S. suppliers
Francisco Gomes Neto, presidente da Embraer desde 2019, almejava o melhor ano da história da empresa quando o anúncio repentino de uma tarifa elevada nos EUA interrompeu seus planos. Desde 9 de julho, ele vem realizando um lobby de alto nível nos EUA que causaria inveja a qualquer negociador brasileiro. Em Washington, ele se encontrou com o Secretário de Comércio, Howard Lutnick, o Secretário do Tesouro, Scott Bessent, o Secretário de Transportes, Sean Duffy, e um assessor sênior do Representante Comercial dos EUA, Jamieson Greer.
Ele explicou que, dos 3.000 empregos diretos que a Embraer mantém fora do Brasil — onde emprega 20.000 pessoas —, 2.500 estão nos Estados Unidos, onde seus fornecedores sustentam outros 10.000. Segundo o Sr. Gomes Neto, autoridades americanas reconheceram a força de sua argumentação e sinalizaram que há espaço para negociação. Ele também encontrou apoio entre clientes como a American Airlines, cujo CEO, Robert Isom, fez um apelo público ao governo americano.
Gomes Neto admite que a aeronave militar KC-390 pode ser vista como uma ameaça pela Lockheed Martin, mas afirma que a Embraer está disposta a construir uma fábrica nos EUA caso os EUA se comprometam com a compra. O Fórum de CEOs Brasil-EUA, do qual a Embraer é membro, solicitou o adiamento do prazo tarifário de 1º de agosto, mas Lutnick rejeitou a ideia. “Virei CTO — Chief Tariff Officer“, brincou Gomes Neto. Abaixo, um trecho de sua entrevista ao Valor Econômico na sexta-feira:
Valor : O que mudou depois de 9 de julho? (Nota DefesaNet Carta do Presidente Trump ao Presidente Lula)
Francisco Gomes Neto : Até o dia 9, estávamos trabalhando para reduzir a tarifa de 10% a zero. A aviação opera com alíquota zero desde 1979. Mesmo 10% já acrescentava uma complexidade significativa. Quando o governo anunciou 50%, foi uma grande surpresa.
Valor : Qual é a presença da Embraer nos EUA e como ela interage com o Congresso e o Executivo americanos? Quantos empregos a Embraer gera nos EUA?
A Embraer tem 2.500 funcionários diretos altamente qualificados, e nossos fornecedores dão suporte a mais 10.000. Compramos motores de aeronaves, válvulas complexas, montamos aviões e mantemos uma unidade de manutenção nos EUA.
Valor : Como esses empregos são distribuídos?
Pagamos impostos em mais de 30 estados. A Flórida é nossa principal base — estamos lá há 45 anos. Mas também atuamos no Tennessee, Arizona, Ohio, Geórgia e outros. Temos centros de serviço autorizados em todo o país.
Valor : A Embraer já entrou em contato com delegações parlamentares desses estados?
Não estamos tão focados no Congresso. Nossos contatos são principalmente com autoridades ministeriais diretamente envolvidas nas tarifas. Temos enfatizado a importância da Embraer para o mercado americano.
Valor : Qual é a participação de mercado da Embraer nos EUA?
Nossos jatos comerciais são os únicos aprovados para operações regionais. Eles transportam 80 passageiros. A Boeing opera apenas aeronaves maiores, então não competimos. Transportamos 5 milhões de passageiros por mês. Em Reagan, em Washington, D.C., ou La Guardia, em Nova York, um terço dos voos são em jatos da Embraer.
Valor : Quem são seus principais concorrentes no espaço regional?
Temos mais de 80% do mercado regional nos EUA. Com essa tarifa, fica impossível renovar a frota.
Valor : Em que nível você está negociando com o USTR?
Reuni-me com o Secretário de Comércio Lutnick, o Secretário do Tesouro Bessent, o Secretário de Transportes Duffy e um alto funcionário do USTR.
Valor : O que eles disseram?
Conversamos sobre a Embraer. Compartilhei dados sobre aviação regional e empregos. Também mostrei o quanto compramos dos EUA. Planejamos comprar US$ 21 milhões em equipamentos dos EUA nos próximos cinco anos, para aeronaves vendidas para a Europa e a Ásia. A Embraer gera um superávit substancial para os EUA.
Valor : Quanto?
US$ 8 Bilhões em cinco anos.
Valor : Eles responderam positivamente?
Eles disseram que é importante, que gostam da Embraer e dos nossos aviões e esperam uma resolução.
Valor : Como o governo brasileiro está respondendo?
Nosso engajamento com o governo brasileiro tem sido muito ativo. Globalmente, todos os acordos comerciais dos EUA levaram a aviação de volta a tarifas zero. O acordo com o Japão fez isso. A UE também está caminhando para isso [a União Europeia concordou com uma tarifa padrão de 15% ontem].
Valor : Sempre foi assim?
Há 45 anos, o setor aeroespacial trabalha com alíquota zero. É uma indústria globalizada. Compramos dos EUA, Europa, Coreia do Sul e Japão. Isso proporciona aos EUA um dos seus maiores superávits comerciais. Clientes e fornecedores como a American Airlines e a General Electric apoiam a Embraer perante o governo americano.
Valor : Como está o desempenho do KC-390 nos mercados da OTAN e qual é a resposta dos EUA?
Portugal marcou a primeira versão da OTAN do KC. Depois veio a Holanda. Atingimos 50 encomendas no exterior — principalmente na Europa, incluindo a Coreia do Sul. Estamos buscando oportunidades na Índia e nos EUA. Um acordo nos EUA exigiria montagem local, abrindo caminho para mais investimentos. Isso poderia gerar outra onda de investimentos. Esse produto está indo muito bem.
Valor : Há resistência da Lockheed Martin nos EUA para proteger seu mercado?
É claro que os concorrentes não querem que a gente venda. Nosso avião compete diretamente com o Hércules C-130. O nosso é maior, tem motor a jato, é mais rápido, transporta mais e é mais novo — lançado em 2019, em comparação com a década de 1950 para o C-130. Dito isso, a Lockheed é uma concorrente importante e respeitada. Nunca é fácil, mas estamos acostumados a enfrentar concorrentes maiores.
Valor : O KC usa fornecedores dos EUA para exportações?
Mais da metade do custo vem de peças fabricadas nos EUA. Nossos fornecedores estão cientes e nos apoiam.
Valor : Qual é o seu plano de investimento nos EUA?
Planejamos investir US$ 500 milhões em cinco anos. Se fecharmos o contrato para o KC-390, isso geraria mais US$ 500 milhões para uma nova planta e 2.000 empregos diretos. Hoje, geramos 12.500 empregos. Até 2030, esse número poderá ser de mais 500 empregos diretos e 5.000 de fornecedores. O KC adicionaria mais 2.000 diretamente — sem contar os indiretos.
Valor : Qual é a sua opinião sobre o real motivo por trás da tarifa?
É para reduzir o déficit comercial dos EUA — cerca de US$ 200 trilhões, principalmente com a China e a Europa. Então, eles distribuíram tarifas para todos em abril. Aqueles com déficits baixos, como o Brasil, começaram com 10% — agora aumentaram para 50%.
Valor: Por que o Brasil passou de 10% para 50%?
Por tudo o que estamos vendo.
Valor : Você quer dizer fatores políticos?
Sim. O déficit comercial não é um argumento sólido. Só sei o que vejo na mídia. Minhas conversas nos EUA são puramente sobre a Embraer. Ninguém toca em política. Isso não faz parte da pauta.
Valor : No Brasil, só a Azul opera jatos da Embraer. O BNDES apoia o leasing doméstico?
O BNDES é um parceiro forte globalmente. Há muito tempo trabalhamos para persuadir as companhias aéreas brasileiras. Acreditamos que nossas aeronaves são ideais para conectar cidades pequenas e médias, assim como fazemos em outros lugares. Acreditamos que há espaço para crescer, mas nada localmente depende do banco. Se necessário, sabemos que o BNDES intervirá.
Valor : A Embraer participará da missão do vice-presidente Geraldo Alckmin ao México?
Participamos da maioria das viagens presidenciais ao exterior. É uma chance de nos conectarmos com mercados e governos. Alguns países têm companhias aéreas estatais ou acordos militares que exigem vínculos governamentais. Acabamos de vender 20 aviões para a Mexicana de Aviación. O México também é um potencial comprador do KC-390, então, sim, estaremos lá.
Valor : O senhor falou com o presidente Lula?
Não diretamente. Tenho mantido contato constante com o vice-presidente Alckmin, que é engajado, bem informado e envolvido — ele e toda a sua equipe.
Valor : A questão se politizou?
Sou engenheiro. Concentro-me no que posso controlar — o lado econômico e o técnico. Deixo a política para quem entende melhor. Concentro-me em mostrar a importância da Embraer para o Brasil. O governo nos trata bem. Acredito que eles querem ajudar.
Valor: Seu apelo contra a retaliação repercutiu?
As pessoas citam parte do que eu disse. Eu quis dizer: sem retaliação até que as negociações se esgotem. Retaliação é uma ferramenta de negociação. Há muito espaço para diálogo. Um impasse é perda para todos. Ambos os países perdem. Veja o acordo com o Reino Unido: a British Airways comprará 32 Boeing 787s no valor de US$ 12,7 bilhões. Só a Embraer comprará US$ 21 bilhões dos EUA em cinco anos. Adicione mais algumas grandes empresas e há um enorme espaço para expandir o comércio bilateral.
Valor : Grandes investidores brasileiros nos EUA estão trabalhando em uma proposta conjunta?
Conversei com outros líderes empresariais com planos de investir e crescer. Repassamos isso ao governo como subsídio para uma proposta.
Valor : Quais empresas estão envolvidas?
Faz parte do Fórum de CEOs Brasil-EUA. Inclui Suzano, Weg, JBS, Stefanini, Citrosuco — empresas com importantes mercados nos EUA e interesse comum em impulsionar o comércio.
Valor: Qual é a sua agenda para os próximos dias?
Eu venho dizendo que meu cargo agora é CTO — Diretor de Tarifas. É só isso que eu tenho feito.
Valor : Isso te mantém acordado à noite?
Eu nunca durmo bem, de qualquer forma — mas não por causa disso. Tivemos um trimestre espetacular. Ainda esperamos que este seja o melhor ano da Embraer.





















