A Defesa Nacional e a inviolabilidade do território

Cel Daniel Mendes Aguiar Santos

Em janeiro de 2022, aqui no EBlog, publiquei o artigo intitulado A Guerra do Futuro e a contenção do “dragão”, apresentando o recrudescimento da competição global entre os Estados Unidos da América (EUA) e a China, destacando que a Estratégia Nacional de Segurança Americana já identificava a China, a Rússia, a Coreia do Norte e o Irã como adversários potenciais, contrários ao ideário democrático. A seguir, em fevereiro, Kiev foi alvo de bombardeios e as regiões do Leste e do Sul da Ucrânia foram tomadas pelo Exército Russo. Desde então, o mundo tem assistido a uma crescente fricção, com destaque para a Guerra da Ucrânia e para as tensões em Taiwan.

Neste contexto, sob o prisma das Ciências Militares, o fenômeno da guerra tende a se materializar segundo duas hipóteses: entre forças assimétricas, caso do conflito atual entre Rússia e Ucrânia; ou entre forças equipolentes, caso de um conflito hipotético entre os EUA e a China. Em ambos os casos, uma força atacante (detentora da iniciativa) e uma força defensora (detentora do terreno) vão buscar alianças e modelar os elementos força, tempo e espaço, no nível da estratégia (o que fazer) e no nível da tática (o como fazer).

Percebendo uma equipolência, cada vez mais próxima, por parte dos seus adversários, os EUA identificaram a necessidade de estar prontos para a condução de Large Scale Combat Operations. Em particular, o sistema defensivo de Anti-Access/Area Denial (A2/AD) da China, no Oceano Pacífico, levaram os EUA a delinear um conceito operacional capaz de viabilizar a condução de Joint Forcible Entry Operations, considerando a hipótese de uma ação preventiva, preemptiva ou contraofensiva, em face de uma tentativa/invasão de Taiwan, por parte da China. Assim, a abordagem das Multi-Domain Operations propõe analisar o ambiente operacional em três dimensões (física, informacional e humana) e em cinco domínios (terrestre, aéreo, marítimo, espacial e cibernético). Neste contexto, as Forças Armadas americanas passaram a enfocar a interdependência entre os domínios para submeter um adversário equipolente e, para tanto, priorizam a convergência das operações, em prol da obtenção de “janelas de oportunidade/superioridade”, a fim de destruir, deslocar, desintegrar e isolar o oponente.

Fruto desta conjuntura mundial, a importância da Defesa Nacional resplandece para todas as nações, como instrumento de garantia da soberania e dos interesses nacionais.

No caso do Brasil, de antemão, é necessário observar o entorno estratégico, com atenção à América do Sul e ao Atlântico Sul, que traz consigo peculiaridades, como: a instabilidade na Venezuela e a consequente crise de refugiados; a ação do Exército de Libertação Nacional (ELN) e dos cartéis do narcotráfico estacionados na Colômbia; a presença/atuação de grupos militares privados; a presença militar francesa no seu departamento ultramarino; as possessões insulares do Reino Unido; a prospecção chinesa para instalação de bases navais; e o término do Tratado da Antártida (2041). Avançando, cabe identificar que o Estado Brasileiro é exigido na garantia da inviolabilidade dos 8.514.876 Km² do território, tendo 7.367 Km de litoral e 16.886 Km de fronteira terrestre, bem como na preservação de mais de 200 milhões de habitantes. Ademais, torna-se crucial a proteção de ativos nacionais estratégicos (figura 1), como:

(1) o acervo mineral da Amazônia Azul, que engloba o mar territorial, a zona econômica exclusiva e o limite da plataforma continental, com atenção aos campos petrolíferos, essenciais à segurança energética;

(2) o sistema portuário nacional, responsável pela projeção de embarcações no domínio marítimo, em especial, no Atlântico Sul;

(3) o conjunto de polos petroquímicos, cruciais para o fornecimento de insumos utilizados pelas diversas cadeias produtivas do país;

(4) a Base de Lançamentos de Foguetes (Alcântara/MA), de alta relevância para a prospecção do domínio espacial;

(5) a foz do Rio Amazonas, ponto de grande valor geoestratégico para o acesso à Região Amazônica, tanto no domínio marítimo, quanto terrestre;

(6) o acervo mineral e vegetal da Amazônia Legal, que concentra uma pletora de jazidas e reservas de interesse nacional;

(7) o aporte hídrico do Aquífero Alter do Chão (Amazônia) e do Aquífero Guarani (Centro-Sul), cruciais à segurança hídrica no futuro;

(8) a Capital Federal (Brasília/DF), que concentra as estruturas e os sistemas de gerenciamento do Poder Nacional;

(9) as reservas de nióbio, metal extremamente resistente e utilizado em processos metalúrgicos complexos, com destaque para Araxá/MG;

(10) o complexo agropecuário, essencial à segurança alimentar, com destaque para MG, SP, PR, MS e MT;

(11) o complexo industrial, incluindo a Base Industrial de Defesa, crucial para sustentar a diversidade da produção nacional, nucleado nas Regiões SE e S;

(12) os ativos nucleares, incluindo as Usinas Angra 1 e 2 e a Indústria Nuclear Brasileira (Resende/RJ), essenciais na diversificação da matriz energética e à Indústria de Defesa;

(13) a Usina Hidroelétrica Itaipu Binacional (Foz do Iguaçu/PR), primordial à segurança energética; e

(14) o acesso à Antártida, via Atlântico Sul, rota de navegação mais próxima ao continente, considerando o término do Tratado da Antártida (2041) e, a partir daí, a provável “corrida” para o continente gelado.

Para gerir tamanha responsabilidade, é mister pensar a Defesa Nacional, refletindo acerca da qualidade do “seguro” que o país entende ser necessário para preservar a soberania e os interesses nacionais. Sob a lente do Poder Nacional, a construção do nosso “seguro” dar-se-á pela integração das expressões política, econômica, psicossocial, militar e científico-tecnológica. Para isso, é essencial a integração de civis e militares, caso do legado da Professora Therezinha de Castro e do General Meira Mattos, que contribuíram com visões estratégicas autóctones. Em particular, Therezinha de Castro, indicava a importância do Atlântico Sul, incluindo a tese de projeção na Antártica, para a Defesa Nacional. Por sua vez, Meira Mattos evidenciava a necessidade de ocupar, aproveitar e integrar a Região Amazônica ao restante do país, além de indicar o “alargamento do perímetro de segurança”, na América do Sul e no Atlântico Sul, como aspecto crítico para a Defesa Nacional.

Avançando, em 1999, com a criação do Ministério da Defesa, a expressão militar passou a ser unificada em prol das operações conjuntas. Desde então, os progressos têm sido continuados, com destaque para adoção do Planejamento Baseado em Capacidades (PBC), metodologia utilizada para modelar as capacidades conjuntas necessárias à Defesa. Neste sentido, os Projetos Estratégicos das Forças Armadas (Fragata Tamandaré, PROSUB, Guarani, SISFRON, KC-390, F-39/Gripen, dentre outros) tornaram-se os vetores de instrumentalização de tais capacidades. Em especial, fruto dos atuais saltos tecnológicos, mais do que nunca, a sustentação orçamentária e a estabilidade contratual tornam-se condicionantes para a obtenção e a operacionalização oportuna das capacidades conjuntas.

Logo, inseridos em um mundo complexo, volatilizado pelos conflitos na Eurásia e pelas tensões no Leste Asiático, somos instigados a revisitar o pensamento do General Meira Mattos acerca do “alargamento do perímetro de segurança”, observando o perímetro de um “triângulo de defesa” (Norte, Leste e Oeste), potencial à configuração de uma estrutura de antiacesso e negação de área, onde haja convergência das capacidades conjuntas (figura 2). Neste contexto, o novo conceito operacional do EB, Operações de Convergência 2040, já indica o emprego da Força Terrestre em prol da sinergia das capacidades conjuntas, maximizando a superioridade no enfrentamento. Finalmente, é mister reafirmar a importância da Defesa Nacional, como condicionante para o desenvolvimento do país e, assim, perseverar nas ações e estudos em prol da garantia da inviolabilidade do nosso território.

Figura 2 – Áreas de Conflito/Tensão e “Triângulo de Defesa”

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Referências:

BRASIL. Exército Brasileiro. Manual de Fundamentos Conceito Operacional do Exército Brasileiro – Operações de Convergência 2040 (EB20-MF-07.001), 1ª edição, 2023 (Aprovado pela Portaria nº 971-EME, de 10 de fevereiro de 2023).

BRASIL. Exército Brasileiro. Diretriz para a Experimentação Doutrinária das Capacidades Estratégicas Relacionadas às Operações de Convergência (EB70-D-10.027), 1ª edição, 2023 (Aprovada pela Portaria nº 330-COTER/C Ex, de 12 de setembro de 2023).

BRASIL. Gabinete de Segurança Institucional. Plano Nacional de Segurança de Infraestruturas Críticas (Aprovado pelo Decreto nº 11.200, de 15 de setembro de 2022)

BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Portal de Mapas. Disponível em: https://portaldemapas.ibge.gov.br/portal.php#homepage

CASTRO, Therezinha de. Atlântico Sul: Geopolítica e Geoestratégia. Leitura Selecionada, v. 808, n. 02. Rio de Janeiro: Escola Superior de Guerra, 2002.

DEFENSE NEWS. Asia Pacific. Powers jockey for Pacific Island Chain influence. By Christopher Cavas. Feb 1, 2016. Disponível em: https://www.defensenews.com/global/asia-pacific/2016/02/01/powers-jockey-for-pacific-island-chain-influence/

MATTOS, Carlos de Meira. Brasil. Geopolítica e Destino. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1975.

SANTOS, D. M. A. A Guerra do Futuro e a contenção do dragão. EBlog do Exército Brasileiro. 26 Jan 2022. Disponível em: https://eblog.eb.mil.br/index.php/menu-easyblog/a-guerra-do-futuro-e-a-contencao-do-dragao.html

USA. Department of the Army. Field Manual 3-0 (FM 3-0). Operations. Washington, DC, 01 October 2022.

VENTURI, Luis Antonio Bittar. Recursos naturais do Brasil. Editora Appris. 2021. 325 p. ISBN 9786558209959.

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Sobre o autor:

O Coronel Daniel Aguiar é Oficial da Arma de Cavalaria, formado na Turma de 1999 da AMAN, tendo realizado o Curso de Altos Estudos Militares no biênio 2016-2017. Comandou o 13º RC Mec, Pirassununga/SP (2022-2023); o Curso de Cavalaria da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, Rio de Janeiro/RJ (2021); e o 10º Esqd C Mec, Recife/PE (2014-2015). Em especial, foi o Comandante a FT Subunidade Mecanizada, integrada à 10ª Brigada de Infantaria Motorizada, no VI Contingente da Operação São Francisco, no Complexo da Maré/RJ (2016). Foi instrutor da Escola de Comando e Estado-Maior, da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais e da Escola de Sargentos das Armas. Ademais, é Doutor em Ciências Militares pelo Instituto Meira Mattos (ECEME) com a tese intitulada “Conflito e Proteção de Civis na África: o caso da Estratégia da ONU para o uso da força e para a segurança humana no Sudão do Sul”. Ainda, realizou o Curso de Comando e Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas da República da Coreia, tendo o Trabalho de Conclusão de Curso intitulado como: “A Guerra do Futuro e a Estratégia Militar para Península Coreana”.

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