Não choro por ti, América Latina

Mauro Pereira

Nem tanto pelo resultado, pois ele representou a vontade da maioria e por isso tem que ser respeitado, mas sim pela similaridade do contexto político descaradamente assistencialista praticado por Lula e ratificado por Dilma Rousseff, a eleição que reelegeu a presidente argentina domingo último me leva a acreditar que a Era da Mediocridade se disseminou por toda a América Latina. Como aconteceu aqui no Brasil do lulalato, o viés social-populista prevaleceu e, embora distante, me pareceu que a maioria dos argentinos votou mais preocupada em preservar a mesada que recebe do governo e em garantir o acesso à carne de segunda pela metade do preço. Premidos pela necessidade, rezaram a oração do prato nosso de cada dia. Aliás, exatamente a mesma que a maioria dos brasileiros tem rezado nos últimos nove anos, fenômeno que vem se firmando perigosamente como doutrina em boa parte deste pedaço do continente americano que teima em continuar permeável à ação predatória de falsos profetas gestados na barriga do atraso e de messias salvacionistas paridos no ventre da submissão.

Não chores por mim, América Latina, porque eu não choro por ti. Não a desprezo nem sinto pena. Apenas vergonha. Ignorá-la, entretanto, por mais que eu queira, é impossível. És o que sempre fostes, um celeiro inesgotável de caudilhos. Uns, mitômanos irrecuperáveis, outros, sanguinários compulsivos, mas todos medíocres, sem exceção. Travestidos de redentores iluminados se fizeram proprietários da pobreza latina, mas cuidaram por primeiro de construir suas fortunas pessoais à custa da dor e do sofrimento dos pobres que supostamente seriam redimidos. Astutos, institucionalizaram a miséria como o método mais democrático para se perpetuarem no poder.

Cientes de que em uma sociedade medianamente evoluída seus argumentos não prosperariam, sempre apostaram as suas fichas no filão inesgotável da insensibilidade oficializando o pão e o vinho degradantes como principais métodos de convencimento e fórmula infalível do sucesso da sanha totalitária que os torna unos na ação, porém, pateticamente divisíveis na ganância. Acentua-se o triunfo da sordidez que, debochada, ridiculariza a vã democracia.

Cada um em seu tempo, tanto Vargas, como Fidel, Perón, Chavez, Lula, Morales, Cristina, entre tantos, descobriram que o estômago é o menor atalho para o poder. Reinaram, reinam e ainda reinarão absolutos por muito tempo em países solapados pela miséria crônica que avilta a dignidade ou naqueles devastados pela indigência intelectual que remete gerações inteiras às mais obscuras trevas da ignorância. A maioria dessas nações destaca-se pelas duas abjeções. Sempre souberam que sem a bandeira da fome que mata e sem o ópio da dependência que humilha e vicia jamais se firmariam como líderes. Seriam, no máximo, pálidos astros de quinta baixeza.

Um dia quem sabe brasileiros, cubanos, argentinos, venezuelanos e bolivianos despertem da letargia que os tem escravizado ao longo dos séculos e libertem-se do jugo desumano que os mantém atrelados a essa condição de rendição consentida. Livres, terão a oportunidade de demonstrar que são senhores absolutos dos seus destinos e suficientemente capazes de determinarem os caminhos mais seguros a serem percorridos e ajustarem a rota mais que perfeita na busca da edificação de uma sociedade socialmente justa, politicamente desenvolvida e democraticamente consolidada, abolindo definitivamente de seus cotidianos o horror representado pelo deserto cultural que os descaracteriza, pela fome que os submete e pela miséria que os flagela.

Quando esse dia chegar, certamente derramarei uma lágrima em homenagem à tua redenção, envilecida América dos latinos submissos. Até lá tens apenas o meu luto árido.

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