Combate ao crack anda a passos lentos

Cristina Tardáguila
Vera Araújo


Degradação. Usuários de crack usam a droga em calçada do Jacarezinho, no Rio: ministro da Saúde, Alexandre Padilha já afirmou que o problema se tornou uma "epidemia" nacional
Márcia Foletto/07-08-2012

Na última quarta-feira, depois de ver o filho de 15 anos quebrar o espelho de casa durante uma crise de abstinência de crack, a faxineira X., de 49 anos, moradora da Zona Oeste do Rio, tentou buscar ajuda por telefone. Ligou para a Clínica de Recuperação Michelle de Moraes, em Santa Cruz, mas ninguém atendeu. Discou para o Centro Estadual de Assistência sobre Drogas (Cead), em São Cristóvão, e o telefone tocou sem parar. Tentou o Instituto Philippe Pinel, em Botafogo, mas também não teve resposta. Discou ainda para a Secretaria de Saúde de Niterói e, por 25 minutos, conversou com uma psicóloga. Desabafou, mas desligou sem solução. Quase chorando, X. apelou para o 1746, número da prefeitura do Rio conhecido por sanar questões que vão do controle de roedores a entulho. Da atendente, X. recebeu um protocolo e uma promessa: em dois dias o município retornaria. O prazo já expirou.

A via-crúcis de X. ao telefone aconteceu depois de ter recorrido ao Conselho Tutelar, à Vara da Infância e Adolescência e até à igreja evangélica. Também já havia pedido ajuda ao Hospital Lourenço Jorge, na Barra, onde levou o filho, mas não encontrou amparo. Há cinco meses, X. luta para salvar o adolescente, mas a situação só faz piorar.

– Até água eu tenho que pôr na boca dele – conta. – Tenho que trocar o lençol e bater o colchão toda hora, pois ele cisma que tem pregos. Tenho vergonha de dizer, mas dá vontade de chegar para um juiz e falar: "Já que vocês não me ajudam, vou abandoná-lo".

A agonia de X. é comum. O crack avança pelo Brasil, e o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, fala em "epidemia" nacional. Em dezembro do ano passado, a presidente Dilma Rousseff lançou com status de prioridade um programa federal para fazer frente à questão. Com orçamento de R$ 4 bilhões divididos entre os ministérios da Saúde, Justiça, Educação e Desenvolvimento Social, o programa "Crack, é possível vencer" vai até 2014 e tem como metas aumentar a oferta de tratamento, enfrentar o tráfico e ampliar a prevenção.

Nos primeiros oito meses, no entanto, pouco foi feito no quesito tratamento. Nas duas últimas semanas, O GLOBO solicitou, mas não obteve do Ministério da Saúde o número de atendimentos feitos pelo programa. O ministério alega que a contagem será feita a cada 12 meses e que a primeira será em março de 2013. Enquanto isso, ressalva, o controle é feito por visitas dos gestores às cidades contempladas.

SÓ UM CENTRO INFANTO-JUVENIL pronto

A execução orçamentária também anda devagar. Documento da Secretaria de Comunicação da Presidência da República informa que, de dezembro a março, o Ministério da Saúde autorizou o repasse de R$ 41,5 milhões. Ao todo, até 2014, a pasta terá direito a R$ 2 bilhões. O ministério diz que de dezembro de 2011 a junho de 2012 "executou R$ 378,6 milhões", 19% do total.

A baixa adesão ao programa é outro ponto sensível. Só 12 estados aderiram ao programa. São Paulo, por exemplo, ainda não figura na lista oficial.

No que diz respeito às metas, o programa também avançou pouco. Dados do Ministério da Saúde apontam que, dos 3.600 mil leitos que seriam criados ou qualificados até 2014, só 79 funcionam. Das 188 unidades de acolhimento infanto-juvenil, só uma saiu do papel (em Vitória, no ES). Dos 323 consultórios de rua prometidos, só 74 abriram.

Entre as ações já realizadas, destaca-se, no entanto, o treinamento de mão de obra. Em todo o país, foram capacitados 13 mil auxiliares de enfermagem e 177 mil agentes comunitários de Saúde, além de 500 profissionais de nível superior e 30 mil alunos de graduação.

– O programa está indo muito bem, tomando como base que as metas são ambiciosas – defende Leon Garcia, coordenador adjunto de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do ministério: – Antes o problema das drogas era visto isoladamente. Hoje, estão envolvidos vários ministérios.

O município do Rio, onde X. vive, recebeu R$ 20 milhões do programa. Com a verba, a Secretaria Municipal de Saúde diz que 30 de seus 120 profissionais de Saúde mental foram treinados em 2011 e que outros 50 serão beneficiados até o final deste ano. Além disso, foram criados dois centros de atenção psicossocial, três consultórios de rua e duas emergências psiquiátricas – no hospital Lourenço Jorge e na Policlínica Rodolfo Rocco, em Del Castilho.

De acordo com a Secretaria de Saúde, X. não conseguiu ser atendida ao ligar para o Pinel porque a linha do instituto estava com defeito. Responsável pelo Cead e pela clínica de Santa Cruz, a Secretaria Estadual de Assistência Social diz que a falta de informação contribuiu para o não atendimento.

– Em caso de surto, deve-se recorrer à polícia ou ao Samu – diz Leonardo Pecoraro, do Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas.

Procurada, a Secretaria Municipal de Saúde de Niterói não explicou por que não pôde atender ao adolescente

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