Flávio Fabri – A necessidade de um LEOKA nacional diante de estatísticas inúteis

A necessidade de um LEOKA nacional diante de estatísticas inúteis

 

Flávio César Montebello Fabri – Policial Militar

(Reserva PMESP)

 

   Rotineiramente a mídia leiga expõe estatísticas cuja validade prática pode ser questionável. Não somente questionável como por vezes ofensiva e sem qualquer recomendação útil para a área de Segurança Pública. Analisar ocorrências policiais tendo como base reportagens é simplesmente superficial, pelo fato destas não mostrarem totalmente a realidade do momento, o que ensejou o fato em si, a rotina do agente da lei e as condições ao qual estava submetido, tão como nuances por vezes omitidas por ideologia. Também, por vezes, o posicionamento é dado por pessoas que não são profissionais da área de segurança pública. Assim sendo, sempre a análise será parcial. Seria a mesma coisa que falar (ou melhor, “criticar”, verbo muito utilizado por “especialistas”) sobre engajamento armado sem nunca ter participado de uma ação.

Ou falar sobre vitimização dos agentes da lei sem nunca ter pisado no “chão de fábrica” desta área e ter ido “a campo” (tenho absoluta certeza que no Estado de São Paulo, qualquer um dos agentes operacionais do Departamento PM Vítima da Polícia Militar tão como os parceiros da Polícia Civil, traduzindo, pessoas que efetivamente “pulam muros perseguindo criminosos”, tem muito mais a acrescentar sobre o tema que qualquer teórico ou mesmo outros profissionais de segurança cuja expertise não é a área operacional). Falar sobre vitimização policial estando somente (enfatizo) em um gabinete, escritório, ambiente acadêmico ou sala de aula é o mesmo que tentar aprender (ou ensinar) natação somente lendo um livro, sem ir à piscina.

 

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Exatamente o que acrescenta na melhora da prestação de serviço público estatísticas como essas?

Alguma recomendação de melhora?

Alguma recomendação de como tornar mais seguro e eficiente o serviço policial? Alguma recomendação em como tornar mais atrativo o serviço policial?

(fonte da imagem: https://noticias.uol.com.br/cotidiano)

 

   Afinal, o que é LEOKA?

  

LEOKA, Law Enforcement Officers Killed And Assaulted (disponível em: https://ucr.fbi.gov/leoka) é um relatório produzido anualmente pelo FBI (Federal Bureau of Investigation). O documento analisa os casos em que policiais foram mortos, as circunstâncias em que ocorreram os eventos, síntese, período (dia ou noite), ambiente (externo ou não), recomendações etc. Na verdade o termo relatório seria simplista demais. Talvez o mais correto fosse mencioná-lo como “programa”.

Disponível para consulta, o LEOKA é uma ferramenta extremamente útil, elaborada por profissionais, que possibilita desde a melhora em treinamentos, investimentos materiais, tão como análise fidedigna do fato em si que ocasionou o óbito de um policial. Dados que jamais poderiam ser compilados somente tendo como base a mídia leiga. (fonte:https://ucr.fbi.gov/leoka/2018)

 

Esse relatório já produziu anteriormente recomendações úteis (fato raríssimo de ser encontrado nos estudos expostos na mídia leiga, focada majoritariamente na crítica, sem qualquer sugestão), melhorias no treinamento, informações que propiciaram que a indústria iniciasse a produção de itens que tornaram o serviço policial mais eficiente e seguro, percepção de realidade operacional, entre diversos outros pontos positivos. Não se trata somente de uma estatística vazia ou um estudo que não resulta em qualquer recomendação prática. A finalidade se torna básica e importante: salvar vidas.

  

Há uma propositura no Estado de São Paulo que solicita a criação de um Relatório Anual de Vitimização dos Agentes de Segurança Pública (Projeto de Lei 1017/2019). A proposta deste relatório, também, não é somente a mera estatística, mas a análise dos eventos em que agentes aplicadores da lei foram vitimados tão como as circunstâncias anteriores ao fato, como por exemplo, se o policial encontrava-se em atividades como escala extra, Atividade Delegada (atuação nas horas de folga, para se complementar a renda, a serviço de prefeituras), DEJEM (escalas em que o policial, no seu período de folga, atua no serviço policial militar, mediante remuneração), enfim, atividades que impactam no seu repouso, com a conseqüente diminuição de percepção de risco. Assim, começa-se a pautar o fator “fadiga”, normalmente esquecido em relação ao ser humano policial, e seus impactos.

  

O Projeto de Lei 1017/2019 está disponível para consulta no site da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo: https://www.al.sp.gov.br/propositura/?id=1000285060.

  

Ao invés de “análises” como a maioria dos PMs de SP é branca e não possui curso superior de graduação (como a citada no site UOL), sem qualquer recomendação, seria imensamente mais útil uma proposta como a do  Relatório Anual de Vitimização dos Agentes de Segurança Pública (melhor ainda se o relatório abranger o âmbito nacional). Talvez, quem sabe, “especialistas” da mídia se preocupem também sobre a quantidade de policiais com Síndrome de Burnout (entre outras) e tragam boas recomendações a entes políticos (como, somente uma sugestão, a da Exma Sra Ministra Damares Alves, que enfatizou que “os maiores salários do Brasil deveriam ser para professores e policiais”), provendo também que tenham repouso e convívio familiar, assim como condição financeira, após décadas de árduo trabalho arriscado (sem, contudo, serem empregados em outras ações para complementar a renda). DefesaNet já propiciou artigo sobre a temática. (http://www.defesanet.com.br/pm/noticia/33717/Vitimizacao-Policial-–-Uma-realidade-a-ser-discutida/).

 

Foto: Sargento PM Taís Valéria F. Melloni, morta por criminosos em fuga no dia 03 de setembro de 2019. Encontrava-se em uma atividade chamada DEJEM (Diária Especial por Jornada Extraordinária de Trabalho Policial Militar), ou seja, atuando no seu horário de folga para complementar seu soldo. Além de Policial Militar, era psicóloga e auxiliava muitos policiais e famílias que perderam seus entes (policiais militares) em serviço. (fonte: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/09/04/pm-morta-apos-ser-atropelada-era-psicologa-e-ajudava-familias-que-perderam-policiais.ghtml).

 

Estudos como o do Tenente Coronel (Psicólogo) Fernando Carvalho Derenusson (PMERJ) mostram que houveram milhares de policiais que sofreram problemas psicológicos no Rio de Janeiro (no período de 2013 a 2016, um total de 9.058 afastamentos iniciais, sendo  2.751 “baixados” pela psiquiatria). Somente no ano de 2016, houve 1.398 “licenças” psiquiátricas, aproximadamente 20.000 atendimentos para um total de 2.296 pacientes (46% de policiais da ativa).  

Dentro do universo de sua pesquisa, feita entre policiais que estavam sendo atendidos, se verifica que majoritariamente são oriundos de UPPs ou de Batalhões de Polícia, ou seja, de policiais operacionais. 40% das baixas psicológicas (entre o universo de estudo) são de policiais com cinco ou menos anos de serviço. Se somados aos policiais com dez anos de serviço (ou menos), se obtêm um total de 58% das baixas psicológicas. Verifica-se que ocupando uma das primeiras posições entre os fatores laborais na vitimização psicológica está a fadiga e a carga de trabalho. A pesquisa, tão como outros dados importantes, compilados por profissionais compromissados e técnicos, se encontram disponíveis no site oficial da PMERJ (https://pmerj.rj.gov.br/).

  

Raros são os especialistas externos ao serviço policial que tornaram públicas estatísticas que provessem melhoras do ponto de vista operacional ou humano. Pouco se pontua a respeito da extrema carga de trabalho do policial e suas seqüelas. Idem em relação à condição física e mental com que ao término de seu período ativo o policial ingressará na sua aposentadoria. Já é fato, por exemplo, que há ênfase para pagamento de “bônus” para os policiais da ativa, no Estado de São Paulo. Como não se trata de “salário”, tal recurso financeiro não é destinado àqueles que se tornaram veteranos. Assim, naquela que é uma das profissões mais estressantes do mundo, justamente quando após se empenhar por décadas no serviço, há decréscimo na condição financeira do policial. Muito possivelmente quando ele mais necessite.

  

Faço votos que pesquisas onde se tenha como menção “de capa” a “cor da pele dos policiais” dêem lugar a análises (e recomendações práticas) sobre a melhora na prestação de serviço de segurança pública, treinamento etc, tão como sobre o ser humano policial, sua vitimização, stress ao qual é submetido, recomendações a entes estatais a respeito de um mínimo de qualidade de vida pós serviço, entre outros. Como ser humano que o policial é independente da cor da pele (conforme destaque do site citado).

 

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