Ludmila Lins Grilo – O ativismo judicial contra o Brasil

Ludmila Lins Grilo

Juíza de Direito do Tribunal de Justiça de Minas Gerais

 

Em meio ao ensurdecedor burburinho das eleições, uma decisão judicial – que em tempos de paz causaria acalorados debates – parece passar batida pela atenção do grande público, protegida pelo natural desinteresse por tudo o quanto não se trate de política. Essa distração talvez perdure por mais alguns dias, ou semanas, até que o povo se acostume com o resultado do pleito presidencial de 2018.

Em recente decisão monocrática com efeitos erga omnes, o Ministro Ricardo Lewandowski ratificou decisão proferida anteriormente no HC 143.641, liberando, com uma só “canetada”, todas as condenadas por tráfico de drogas em segunda instância que estejam grávidas ou tenham filhos de até 12 anos. O argumento se funda essencialmente na lamentável vala comum do Direito hodierno, a dita “dignidade da pessoa humana”, princípio genérico que tem servido como fundamento a toda sorte de absurdidades que sustentam o chamado laxismo penal: a frouxidão exacerbada concedida à criminalidade pelas leis e pelos Tribunais.

Nessa mesma sintonia, temos a hedionda agenda em prol do desencarceramento, também salientada na decisão, política esta que se estabelece sob falsas premissas e mediante manipulação de estatísticas para que se pense, erroneamente, que o Brasil é um país que “prende demais”. Não prende.

Em números absolutos, é evidente que o Brasil aparece nos primeiros lugares no quesito encarceramento, até porque, tendo a 5.ª maior população do mundo, terá também que, proporcionalmente, apresentar uma das maiores massas carcerárias do mundo. Isso é de uma obviedade monumental.

Uma forma correta de se avaliar a questão é contabilizar o número de presos por cem mil habitantes – critério que faz com que o Brasil se apresente apenas na longínqua 60.ª posição no ranking mundial, conforme sério estudo comparativo entre os números do Infopen e CNMP – já com os ajustes necessários a evitar a manipulação das informações – devidamente explicitado no artigo “O mito do encarceramento em massa”, do Promotor de Justiça Bruno Carpes. Cenário muitíssimo diferente do que tentam pintar por aí.

A recente decisão desencarceradora do STF que beneficia as mulheres que preenchem aqueles requisitos surfa a onda libertadora laxista, beneficiando criminosas em detrimento de toda a sociedade que se verá, mais uma vez, curvada e prostrada diante de mais um golpe bem dado na pacificação social tão desejada por todos – cidadãos cumpridores de lei, cansados e desgastados com tanta insegurança, deveres a cumprir e nenhuma contrapartida governamental.

Juridicamente, o método utilizado para aplicar efeito universal “erga omnes” a uma decisão que só deveria valer para para o caso em concreto tem, no Direito Constitucional, o pomposo nome de “abstrativização do controle difuso”. Quem poderia ser contra algo com um nome tão bonito?

Pois a tal “abstrativização do controle difuso” – instituto tratado com ares de grande respeitabilidade por qualquer livro de Direito Constitucional – até mesmo aqueles destinados a concursos públicos! – nada mais é do que a subtração, pelo Poder Judiciário, do poder de legislar conferido ao Congresso Nacional. Uma espécie de cartada de mestre do chamado ativismo judicial.

O julgador, em vez de julgar o caso concreto, fazendo com que a decisão valha apenas para aquele processo específico, “abstrativiza” a decisão, dando a ela “efeito erga omnes”, deixando de lado, portanto, o poder de julgar para fazer com que sua decisão tenha verdadeiro efeito de lei, aplicável a todos em território nacional.

A “abstrativização do controle difuso” é uma verdadeira aberração jurídica, tratada irresponsável e irrefletidamente pelos professores de Direito Constitucional, que se limitam a consumir o teor dos livros ideologizados que lhes são apresentados e replicá-los sem qualquer análise crítica, disseminando a ignorância e perpetuando-a entre os alunos, que por sua vez se tornarão professores e continuarão a replicar infinitamente essa hediondez doutrinária sem qualquer reflexão acerca de suas consequências.

Nada disso é novidade. A tomada indevida do poder legislativo pelo judiciário tem sustentáculo doutrinário no filósofo americano Ronald Dworkin, que forneceu bases filosóficas para o domínio fácil e rápido do poder por meia dúzia de burocratas irresignados com as dificuldades impostas pelo sistema republicano para a imposição imediata de suas vontades. Ele talvez apenas só não tenha sido tão explícito.

Em “O Império do Direito”, Dworkin sustenta claramente que a função principal de um juiz não é aplicar a norma, mas sim, interpretá-la, utilizando-se dos princípios abstratos e genéricos que pairam sobre a lei – este terrível fator dificultador de imposição das preferências pessoais de poderosos iluminados.

É uma espécie de visão desconstrucionista do Direito, na esteira ideológica foucaultiana, parecendo fazer crer que, se toda lei requer interpretação, nenhuma delas faria sentido em si mesma.

A própria descrição que Roger Scruton faz de Dworkin em “Pensadores da Nova Esquerda” já nos dá a dica de como seria mesmo seu pensamento filosófico: “Dworkin é um intelectual da “Costa Leste”; suas causas são causas do establishment desobediência civil, discriminação positiva, liberdade sexual; seus modos são os do establishment fogos de artifício intelectuais, sabedoria afetada, deboche cosmopolita da consciência comum em seus modos ordinários e estabelecidos, uma presunção de que seu oponente deve sempre carregar o ônus da prova”.

Olavo de Carvalho descreve Dworkin de forma mais incisiva e explícita, aduzindo que um “traço constante e fixo da personalidade desse cidadão é a crença inabalável na sua própria superioridade ante qualquer adversário ou concorrente que tenha a ousadia de comparar-se com ele”, ressaltando que, segundo Dworkin, o juiz não deve satisfação às leis, mas sim, aos princípios – e que estes sempre coincidem com os valores do politicamente correto.

A tomada de posse do país por meio do aparelhamento do Judiciário é estratégia mil vezes mais simples do que a revolução cultural prevista por Gramsci: não requer mobilização de massas, grandes organizações e nenhum tipo de sofisticação intelectual. Basta o domínio da Suprema Corte.

Faz-se necessário, portanto, que tudo isso seja exposto de forma clara, para que todos entendam as manobras jurídicas de assunção ilegítima do poder por entes não credenciados para tal. Que o novo Congresso Nacional, a tomar posse em 2019, não permita a perpetuação da subtração indevida de seu legítimo poder de legislar.

 

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