
COBERTURA ESPECIAL - Fogo-Fire-Feuer-Feu - Pensamento
Fogo-Fire-Feuer-Feu: Sínodo da Amazônia- Bispos dizem ser criminalizados 'como inimigos da pátria'
Carta encomendada pelo cardeal Dom Cláudio Hummes rebate acusações do governo de Jair Bolsonaro
Felipe Frazão
Enviado especial a Belém, O Estado de S.Paulo
BELÉM - A Igreja Católica afirmou nesta sexta-feira, 30, lamentar que os bispos envolvidos no Sínodo da Amazônia sejam “criminalizados" e tratados como "inimigos da pátria". Eles decidiram escrever uma carta para rebater acusações do governo Jair Bolsonaro e de alas conservadoras do clero, que veem na pauta do Sínodo ameaças à soberania nacional.
“Lamentamos imensamente que hoje, em vez de serem apoiadas e incentivadas, nossas lideranças são criminalizadas como inimigos da pátria”, protestaram na carta, publicada após três dias de reuniões a portas fechadas na capital do Pará. Cerca de 120 religiosos católicos participaram do encontro de estudos preparatórios da assembleia de bispos marcada para outubro, em Roma.
A carta foi encomendada pelo cardeal d. Cláudio Hummes, nomeado pelo papa Francisco como relator do Sínodo e porta-voz do pontífice para o tema, para desfazer o que os bispos consideram visões distorcidas sobre as intenções do Vaticano. Na única entrevista que deu após sua nomeação, d. Cláudio disse que o papa quer "pressionar" os governos locais a agir, entre eles o Estado brasileiro, e defende a participação de outros países também afetados pelas queimadas "criminosamente provocadas", nas palavras da Igreja.
Bolsonaro já se demostrou refratário à ideia. Além da desconfiança da ala militar quanto aos objetivos do Vaticano, ele não aceitou todas as ofertas de ajuda - financeira ou material - que chegaram ao País por vias diplomáticas, entre elas US$ 20 milhões articulados pela França.
O presidente mandou a Polícia Federal investigar a autoria dos incêndios, depois de lançar, sem provas, suspeitas sobre o envolvimento de organizações não-governamentais. A apuração foi determinada depois de reportagens apontarem que houve incêndios provocados por pelo menos um movimento organizado de fazendeiros, anunciado no Pará como "dia do fogo" e não debelado a tempo pelo poder público.
A carta final do encontro dos bispos da Amazônia reitera que o Vaticano defende a soberania brasileira sobre seu território amazônico. "A soberania brasileira sobre essa parte da Amazônia é para nós inquestionável. Entendemos, no entanto, e apoiamos a preocupação do mundo inteiro a respeito deste macro-bioma que desempenha uma importantíssima função reguladora do clima planetário. Todas as nações são chamadas a colaborar com os países amazônicos e com as organizações locais que se empenham na preservação da Amazônia, porque desta macrorregião depende a sobrevivência dos povos e do ecossistema em outras partes do Brasil e do continente."
No texto, eles registram a presença secular dos católicos na Amazônia e as contribuições dos religiosos para o estabelecimento da sociedade na região. “Quantas escolas, hospitais, oficinas, obras sociais se construíram e foram mantidas durante séculos em todos os rincões da Amazônia. Vilas e cidades se edificaram a partir das ‘missões’ da nossa Igreja. Quanto sangue, suor e lágrimas foram derramados na defesa dos direitos humanos e da dignidade, especialmente dos mais pobres e excluídos da sociedade, dos povos originários e do meio ambiente tão ameaçados”, anotaram os participantes do encontro dos bispos da Amazônia.
Pressão política
O “currículo” da Igreja na Região Norte virou um argumento dos bispos para justificar a participação deles num movimento de pressão política para mobilizar o governo a intervir na crise ambiental da floresta, agravada pelos recentes incêndios florestais. O arcebispo metropolitano de Belém, d. Alberto Taveira Corrêa, diz que a Igreja é a instituição, dentre todas na sociedade, que tem mais conhecimento dos problemas amazônicos, um recado indireto aos militares que questionaram a preparação do Sínodo.
"Junto com o papa Francisco, defendemos de modo intransigente a Amazônia e exigimos medidas urgentes dos governos frente à agressão violenta e irracional à natureza, à destruição inescrupulosa da floresta que mata a flora e a fauna milenares com incêndios criminosamente provocados", afirmam bispos, padres, religiosos e leigos no documento.
A redação da carta foi coordenada pelo bispo emérito do Xingu (PA), d. Erwin Krautler. O documento relata que os bispos estão angustiados com a degradação ambiental e horrorizados com a violência na Amazônia. E afirma que foram eles quem solicitaram ao papa uma assembleia especial dedicada à floresta tropical.
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Leia abaixo a íntegra da Carta do Encontro de Estudo do Instrumento de Trabalho do Sínodo da Amazônia
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL
Carta do Encontro de Estudo do Instrumento de Trabalho do Sínodo da Amazônia
Reunidos em Belém do Pará, com o objetivo de estudar o Instrumento de Trabalho do Sínodo da Amazônia, nós, bispos, padres, religiosas e religiosos, leigas e leigos das Igrejas amazônicas, como também irmãs e irmãos que compartilham a caminhada ecumênica, queremos manifestar nossas preocupações com a “Casa Comum” e uma missão evangelizadora encarnada, samaritana e ecológica. |