Tenente Raquel Timponi
Bombas de gás, spray de pimenta, tiros, gritaria. O cenário, em um primeiro momento assustador, mostra a rotina vivida por muitos profissionais da comunicação na cobertura do fato. Em exercícios simulados e aulas práticas e teóricas, um curso anual do Centro Conjunto de Operações de Paz no Brasil (CCOPAB) pretende preparar jornalistas para atuação em áreas de conflito.
Com duração de uma semana, a sétima edição do curso ocorreu em junho deste ano, na unidade do Exército batizada de Sérgio Vieira de Mello, no Rio de Janeiro. O curso das Forças Armadas, sob responsabilidade do Exército Brasileiro, tem como objetivo realizar a preparação de profissionais da mídia para exercerem coberturas jornalísticas em zonas de conflito internacionais e em ambientes hostis.
A ênfase do treinamento é nos procedimentos de segurança pessoal, além do relacionamento dos jornalistas com as forças militares e demais organizações atuantes em terrenos de conflito. Como funciona o curso Com foco no público civil, em média 40 vagas anuais são oferecidas para jornalistas realizarem um estágio teórico-prático.
Na parte teórica, os profissionais da notícia participam de palestras e depoimentos de atuações em áreas de conflito. Temas como comunicação e negociação em conflitos, avaliação do cenário, análise e progressão em áreas de riscos, efeitos químicos de bombas de gás lacrimogêneo, equipamentos e máscaras, impacto de calibres de armas, ação em campos minados são alguns dos aprendizados.
Já a parte prática do curso realiza exercício de inserção dos jornalistas em um cenário de guerra – em um país fictício, onde está ocorrendo uma missão de paz da ONU, sendo dada aos alunos a missão de progredir, em grupo. Em situações adversas na área de risco, os profissionais do jornalismo devem produzir um jornal com notícias sobre a guerra, simulando sua rotina profissional.
Segundo avalia o coordenador do curso, Major de Engenharia Anderson Félix Geraldo, ocorre um ingresso gradual dos jornalistas na avaliação das áreas de risco. “Antes do curso, os jornalistas entram em comunidades, sem avaliar as possíveis consequências, expondo-se a perigos, em nome da notícia. Após o treinamento, passam a refletir mais, analisar os riscos e agir com mais segurança”, conta.
O experiente jornalista Ari Peixoto, atualmente repórter especial da Editoria Rio, da TV Globo, foi um dos profissionais a realizar o curso do CCOPAB, em 2015. Atuou como correspondente internacional na Argentina (de 2007 a 2009) e no Oriente Médio. Em Israel (2009-2011) cobriu diversas manifestações populares.
Este ano, tendo participado como palestrante da edição do CCOPAB de 2017, avaliou a importância do curso de formação de jornalistas para atuação em áreas de conflito. “Antes do curso, aprendi por tentativa e erro. No Egito, durante a Primavera Árabe, para fixar minha imagem no vídeo, gravei uma passagem da matéria nos ombros de um manifestante no meio da Praça de Tahir, no Centro de Cairo”, conta.
Já em outros momentos, se viu em situações em que agiu com atenção. “Em Israel, na cidade árabe Ramallah estava ocorrendo um conflito entre a polícia e os manifestantes populares. Eu e o cinegrafista nos vimos cercados, de um lado, por uma chuva de pedras lançada pelos manifestantes, e, do outro, ‘bailarinas’ eram atiradas pelo governo”, conta.
Segundo explica o jornalista, são espécies de projéteis de traçado irregular que batem no chão e quicam em diversas direções. “O cinegrafista teve que parar de gravar para buscarmos proteção”, lembra.
Proteção da vida: uma política diferente do impulso e emoção pela notícia
Alunos têm instruções práticas durante o curso/CCOPAB
A experiência do curso fez o repórter ficar mais atento aos diversos atores de um ambiente. “Hoje, em qualquer parte do mundo, em regiões de conflito de guerra ou não, faço uma varredura do ambiente, em análise do cenário.
Não importa se é uma manifestação pacífica, pois ela pode começar pacífica e acabar em violência. É preciso observar movimentos de pessoas infiltradas nas manifestações com o objetivo de violência. Aprendi também que a precaução e o medo nos deixam alerta”, explica o jornalista Ari Peixoto.
Outra profissional que realizou o curso do CCOPAB na edição de 2016 é Anna Cristina Campos. Atualmente freelancer, Anna Cristina acredita que as técnicas aprendidas no curso possam ser aplicadas na atividade diária dos jornalistas que trabalham em áreas de conflito urbano. “Lendo o título ‘Jornalistas em áreas de conflito’, imaginamos logo guerra, situações extremas.
Mas é possível adaptar as técnicas na realidade do jornalista do Brasil. Como nem sempre estamos envolvidos em questão de guerra, conseguimos colocar os procedimentos em prática na nossa rotina de trabalho, mesmo em pequenas coberturas de conflitos.
Aqui no estado do Pará temos problemas com conflitos agrários extremamente sérios, que envolvem tiroteio entre a polícia e as pessoas do campo”, explica.
A repórter conta como em 2015, antes de realizar o curso, esteve próxima de ser refém de um grupo de sem-terras em Belém (PA), quando se propôs a fazer uma cobertura jornalística para uma emissora de TV local, sem aguardar apoio policial. “Fui até o acampamento dos sem-terra para conseguir uma entrevista com um líder do movimento.
Pelo fato de vários veículos terem a rejeição de movimentos sociais, quando olharam meu microfone, começaram a me cercar e a perguntar o que estava fazendo ali, com autorização de quem. Me senti acuada. Aos poucos fui conversando, explicando que estava ali para ouvir o lado deles e dar voz a eles. Após vinte minutos, consegui falar com uma liderança e gravar.
A argumentação e negociação foram elementos importantes para me defender. Após o curso, percebi que jamais poderia fazer uma cobertura sozinha, sem uma equipe e sem proteção. Deveria esperar a autoridade policial para negociar e somente depois tentar conseguir uma entrevista”, finaliza.
Rayan Cardoso, atual repórter da TV Record SP, realizou o curso em 2015 por indicação de um colega, em razão de atuar em coberturas jornalísticas de operações policiais contra traficantes em favelas. O jornalista, que trabalhou em programas como “Balanço Geral”, e “Cidade Alerta”, no RJ, após a experiência do curso, também aplicou os conhecimentos adquiridos na rotina de trabalho.
“Em uma cobertura jornalística de uma operação policial conjunta na Baixada Fluminense – realizada pela Polícia Rodoviária Federal, Polícia Militar, Polícia Civil do Rio de Janeiro, em retaliação à morte de um policial de UPP por um traficante – a equipe de jornalismo da TV Record foi escalada para cobrir a ação.
A polícia já tinha entrado na região do Complexo do Alemão e começou o tiroteio. Lembrei das técnicas passadas durante o curso de como progredir em território hostil para diminuir a possibilidade de impacto, e de correr atrás do agente de segurança (cercado por um policial na linha de frente e protegido por outro na retaguarda).
Após a realização do curso, a didática utilizada com atividades simuladas me fez lembrar, em momento posterior, o passo a passo a ser seguido em uma situação de conflito, mesmo em zonas urbanas no país”, revelou Rayan.
Atitudes a serem tomadas ao adentrar-se em um ambiente hostil foram destacadas pelo repórter. “O jornalista de notícias policiais trabalha como em um campo minado. De forma inesperada pode aparecer um conflito. A atitude a ser tomada é ter calma e analisar a situação e, durante um tiroteio repentino, procurar abrigo e sair da linha de tiro”, explica.
O cinegrafista de programas de jornalismo de ação da TV Record, Alexandre Gonçalves, conseguiu aplicar o aprendizado do curso em uma reportagem que atuou como herói. “Uma casa estava pegando fogo e fomos escalados para fazer a cobertura jornalística. A mídia chegou antes dos bombeiros.
Chegamos para gravar, mas não entramos, porque o fogo já estava muito forte. Percebemos que tinha uma pessoa dentro da casa que chegou até a queimar a mão. Do lado de fora, acabei orientando o rapaz, atuando como socorrista, ao lembrar das técnicas aprendidas no curso”, contou o repórter cinematográfico da TV Record.