Recriação da Guarda Nacional 192 anos após ser extinta

Arte Batalhão de Fuzileiros da Guarda Nacional

                                                                                     André Luís Woloszyn
Analista de Assuntos Estratégicos,
Membro do IGHMB e Acadêmico da AHMTB.

Ao retornar os debates acerca da recriação da Guarda Nacional pelo Governo Federal, julgo relevante apresentar um retrospecto histórico de sua instituição antecessora que possivelmente o senso comum desconheça e que neste ano completaria 192 anos, mas que efetivamente esteve presente na vida nacional por apenas 87 anos.

Vale destacar, que é consenso entre os historiadores que a Guarda Nacional teve um papel relevante e destacado na história militar brasileira, dentre estes, Barroso (2019) que afirma ter sido o ato mais notável da Regência. Isso porque tanto o período regencial como o segundo reinado foram, de maneira geral, épocas conturbadas social e politicamente, assoladas por revoltas populares, insurreições e insatisfações permanentes que ameaçavam a integridade do Império se estendendo pelos primeiros anos da república.

O que chama a atenção ao estudá-la detalhadamente é o fato de que tanto sua criação como extinção se deveram, exclusivamente, a um sentimento de desconfiança reinante no palácio imperial, fomentado por interesses diversos como veremos a seguir.

Com a abdicação de D. Pedro I, em 07 de abril de 1831, a instabilidade política e social se acentuou e havia temor, por parte das elites governantes, da possibilidade de um golpe contra a regência com o apoio de segmentos do Exército Imperial brasileiro. Por esta época, a força terrestre se posicionava a favor do retorno de D. Pedro I ao trono e diante deste contexto, sua fidelidade ao governo central passou a ser questionada pelas elites políticas, formada, em grande medida, por grandes proprietários de terras das províncias que, além de integrarem o Corpo de Guardas, formado pelos corpos de milícias e ordenanças, os dirigiam conforme seus interesses políticos e econômicos.

Criada por meio da Lei de 18 de agosto de 1831, quatro meses após a abdicação de D. Pedro I, a Guarda Nacional se constituía em uma força policial paramilitar de atuação repressiva, destinada a debelar motins, revoltas e insurreições, além da condição de tropa auxiliar do Exército que na época era denominada tropa de 1ª Linha.

O artigo 1º, da referida norma, atribuiu a Guarda Nacional a missão de defender a Constituição, a liberdade, independência e integridade do Império; manter a obediência e a tranquilidade pública e auxiliar o Exército de Linha na defesa das fronteiras e costas em grande parte desprotegidas.

Era subordinada aos Juízes de Paz, aos Juízes Criminais, aos Presidentes das Províncias e ao Ministro da Justiça, conforme preceituava o artigo 6º, assegurando a ordem e a tranquilidade pública em ações de polícia, como patrulhamento das ruas, escolta de presos, captura de escravos fugitivos, policiamento em eventos e festividades e combate ao tráfico ilegal de escravos em áreas distintas do litoral.

Em uma análise mais ampla, algumas questões relacionadas a criação e formação da Guarda Nacional se constituíram ao mesmo tempo em avanços e contradições para a época. A primeira, reside no fato de ser considerada uma instituição civil, embora com postos hierárquicos e organizada a semelhança do Exército, mas subordinada ao poder civil. A segunda, que levou a pesquisadora Jeanne Castro (1977) a classificar a Guarda Nacional como uma “milícia cidadã” foi o fato inédito de que a instituição não distinguia a cor da pele para ingresso em suas fileiras, isto em um regime que reconhecia a escravidão como legítima, afirmou ela. O terceiro ponto digno de nota, era a forma como ocorria a nomeação dos oficiais e praças de seus quadros, escolhidos por votação em assembleias presididas pelo Juiz de Paz, com escrutínio individual e secreto e apuração na mesma assembleia perante todos os presentes.

Ademais, seus efetivos em tempos de paz exerciam funções públicas e privadas, recebendo os respectivos salários na ideia, segundo a lição de Sodré (1979), de que demostrariam interesse em manter a ordem mesmo que na defesa de seus próprios interesses além de serem dispensados do recrutamento ao Exército.   

Eram convocados em patrulhas para atribuições rotineiras ou então mobilizados pelo Governo Central, em caso de guerras. A necessidade constante de convocação para auxiliar as tropas do Exército, sob o comando deste, acabou por conferir a Guarda Nacional, um caráter de instituição militar de larga experiência e aqui reside uma das contradições.

Há registros da presença desta em diferentes literaturas especializadas, notadamente, ao longo da obra “Caxias e a Unidade Nacional” da lavra do Coronel do Exército e renomado historiador, Cláudio Moreira Bento (2003). Nela, é descrita participações na Cabanagem, no Pará (1831-1840); Guerra dos Farrapos, na Província do Rio Grande do Sul (1835-1845); Balaiada, no Maranhão (1838-1941); Sabinada na Bahia (1837-1838); na Revolução Praieira, em Pernambuco (1848-1849); e na guerra externa contra Oribe e Rosas (1851-1852).

No ano de 1873, quando os conselheiros do reino perceberam a condição ameaçadora que algumas províncias manifestavam por meio de movimentos de independência e à medida que crescia e se expandia as ideias republicanas, resolveram desmobilizá-la gradativamente, uma vez que se constituíam em uma poderosa e experiente força paramilitar a serviço das províncias que já não se mostravam tão confiáveis, na visão destes. Independente desta condição e agora aquartelada, segundo Donato (1996) ainda seria convocada para combater, já no período republicano, os insurretos no movimento denominado, Revolta da Armada (1893-1894) e na guerra do Contestado (1912-1916), sua última missão de caráter militar.

A extinção efetivamente ocorreu, com a promulgação do Decreto nº 13.040, de 29 de maio de 1918, que criou o exército de 2ª linha, extinguindo as unidades, comandos e serviços da Guarda Nacional e incorporando parte de seu efetivo de oficiais e praças na reserva de 1ª Linha. Aos demais, determinou a condição de reserva, passível de convocação pelo Ministro da Guerra ou pelos comandantes das regiões militares.

Referências Bibliográficas

BRASIL IMPÉRIO. Lei de 18 de agosto de 1831. Cria as Guardas Nacionais e extingue os corpos de milícias, guardas municipais e ordenanças. Disponível emhttps://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-37497-18-agosto-1831-564307-publicacaooriginal-88297-pl.html. Acesso em: 25.01.2023.

BARROSO, Gustavo. História Militar do Brasil. Edições do Senado Federal, vol 192, Brasília/DF, 2019.

BENTO, Cláudio Moreira. Caxias e a Unidade Nacional. Genesis, Porto Alegre: 2003.

CASTRO, Jeanne Berrance de. A milícia cidadã: A Guarda Nacional de 1831 a 1850.  Companhia Editora Nacional: São Paulo, 1977.

DONATO, Hernâni. Dicionário das batalhas brasileiras. 2ª edição. IBRASA, 1996.

SODRÉ, Nelson Werneck. A História Militar do Brasil. Civilização Brasileira; Rio de Janeiro, 1979.

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