1914-18: a ‘guerra total’ que mobilizou a Europa

Soldados e civis, homens, mulheres, crianças, sindicalistas, artistas e cientistas deixaram de lado suas diferenças políticas para garantir a unidade nacional e a militarização da economia. Assim foi a Primeira Guerra Mundial, que mobilizou as nações europeias na chamada “guerra total”, sem precedentes na História.

"Nada poderá romper a união sagrada da Pátria francesa frente ao inimigo", proclama o então presidente francês, Raymond Poincaré, em 4 de agosto de 1914. "Não conheço mais partidos, só conheço alemães", disse o Kaiser Guilherme II, enquanto na Grã-Bretanha falava-se em "party truce", ou trégua partidária.

Na França, o fervor nacional foi particularmente poderoso no início da guerra, e até pacifistas como os socialistas Marcel Sembat e Jules Guesde apoiaram o governo. Em todos os países, foram votados orçamentos de guerra sem dificuldades, e as escassas vozes pacifistas eram inaudíveis. Esse quadro se manteve assim até pelo menos 1917, quando o desgaste de um sangrento conflito sem fim e o exemplo da Revolução Russa começaram a alimentar greves e motins, abalando as unidades nacionais.

Todos os beligerantes – principalmente França e Alemanha – mobilizaram suas energias no esforço de guerra.

– Mobilização total para o armamento –

As economias se organizam para responder às necessidades das Forças Armadas, em uma adaptação que é acompanhada do reforço considerável do papel do Estado e, às vezes, no caso dos impérios centrais, do controle militar sobre os recursos disponíveis. Tudo passa a ser organizado para garantir a produção de armamentos e de munições.

Para o historiador francês Jean-Yves Le Naour, o conflito foi "a primeira guerra industrial". O Estado, afirma Le Naour, "assume o domínio da produção, ao distribuir os pedidos e as exportações, controlando as margens de lucro das empresas e a comercialização dos bens de consumo corrente". A mobilização da economia traz como consequência sua racionalização e o "taylorismo", com o surgimento das linhas de montagem nas fábricas.

Na Alemanha, a militarização é ainda mais significativa. "Todo o povo alemão deve estar a serviço da pátria", proclama o marechal Hindenburg, que lança, em 1916, uma “requisição total” da mão de obra disponível. Já na França, nessa época um país ainda essencialmente agrícola, o conflito explode no período das colheitas. Os homens partem para a frente de batalha e as mulheres ganham importância, garantindo sozinhas o trabalho no campo.

 

– Mulheres na linha de frente –

As mulheres devem substituir "no campo aqueles que estão na frente (de batalha)". E o país também necessitará delas na indústria, nos cargos administrativos e nas escolas. Surge a figura da operária encarregada de fabricar munições – sempre recebendo um pagamento inferior ao dos homens. Ocorre uma feminização da mão de obra, e se começa a ver mulheres de cabelo curto, de calça comprida e fumando. "Deixei um cordeiro e, quando voltei, era uma leoa", teria dito um soldado, ao retornar da guerra.

A mobilização patriótica não poupa nem mesmo as crianças. Nesse período, "os deveres escolares", conta o historiador francês André Loez, "consistem em redigir elogios para os soldados, ou calcular a produção de morteiros". Os temas de redação podiam ser sobre a "bandeira ferida", ou "uma carta a um soldado na frente", exemplifica Jean-Yves Le Naour.

A propaganda e a censura militar estão onipresentes. O comando alemão dirige a "instrução patriótica" das tropas, enquanto os aliados tentam seduzir e angariar o apoio das diferentes nacionalidades do Império Austro-Húngaro. Em todos os países, uma enorme produção de imagens – cartazes, charges e cartões postais – lembra a população, o tempo todo, da valentia dos soldados, das atrocidades cometidas pelo inimigo e do dever de se participar do esforço de guerra.

Intelectuais mobilizados

Apenas alguns poucos se rebelam contra essa mobilização geral, entre eles o jornal satírico francês "Le Canard Enchaîné", fundado em 1915, que critica a manipulação nacionalista. Nem mesmo os sindicalistas, os intelectuais e os cientistas escapam dessa febre que toma conta da Europa.

O filósofo francês Henri Bergson apresenta a guerra como uma luta "da civilização contra a barbárie". Algum tempo depois, 93 intelectuais alemães rebatem a declaração de Bergson para defender a posição de seu país, com um apelo ao "mundo civilizado".

Químicos, físicos, biólogos e médicos colocam suas competências a serviço do governo, seja para a fabricação de novas armas, seja para a produção dos meios de se proteger delas.

Do lado sindical, a luta de classes é sacrificada pela guerra – pelo menos no início do conflito. "Foi na qualidade de cidadãos-soldado, e não como produtores, que os trabalhadores participaram da guerra", esclarece o historiador irlandês John Horne. Na França, por exemplo, a Confederação Geral do Trabalho (CGT) convoca ao combate "contra os imperadores de Alemanha e Áustria-Hungria, contra a ordem da Prússia e dos grandes senhores austríacos, que, por ódio da democracia, quiseram a guerra".

Os católicos franceses cerraram fileiras em nome da defesa da Pátria, atrás da República "ateia" que até há pouco atacavam. Na Alemanha, a religião também se soma à causa nacional, e os soldados levam a frase "Gott mit uns" (Deus conosco, em português) na fivela de seus cintos.

O Vaticano tenta impedir a matança daqueles que acreditam em um mesmo Deus, mas o apelo pela paz feito por Bento XV, em dezembro de 1914, cai no vazio. O furor das armas acabará por varrer o continente.

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