CORONEL R/1 PAULO CESAR BESSA NEVES JÚNIOR
1. Introdução
Vivemos em um mundo marcado por transformações rápidas, em que a informação circula em velocidade e volume sem precedentes. Nesse ambiente dinâmico e incerto, exige-se do líder militar a capacidade de avaliar cenários complexos, tomar decisões fundamentadas e conduzir suas tropas com clareza de propósito.
Nesse contexto, foi realizada a palestra “Pensamento Crítico e Conhecimento Doutrinário: Ferramentas Essenciais para o Líder na Evolução da Doutrina Militar Terrestre”, durante o 1º Seminário do Pensamento Crítico do Centro de Estudos de Pessoal e Forte Duque de Caxias, em 20 de maio de 2025.
A mensagem central idealizada apresenta-se de forma simples, porém desafiadora: a integração entre o pensamento crítico e o conhecimento doutrinário constitui ferramenta indispensável ao exercício da liderança e para a contínua evolução da Doutrina Militar Terrestre (DMT).
2. O papel do pensamento crítico no líder militar
O pensamento crítico é a capacidade de analisar problemas de forma clara, objetiva e sistêmica, questionando soluções imediatistas e abrindo espaço para alternativas inovadoras.
O líder militar que cultiva essa competência demonstra:
– clareza na definição de problemas;
– questionamento saudável diante de soluções prontas;
– visão sistêmica para entender as interações do ambiente operacional; e
– adaptabilidade para enfrentar situações inesperadas.
A História Militar oferece exemplos marcantes do exercício do pensamento crítico aplicado à realidade. O Duque de Caxias, ao adaptar táticas às condições do terreno pantanoso durante a Guerra da Tríplice Aliança, demonstrou não apenas conhecimento técnico, mas sobretudo capacidade de análise e de adaptação estratégica.
Sua liderança combinava avaliação realista da situação, foco na logística e inovação tática, como a utilização de balões de observação para ampliar a consciência situacional do campo de batalha — iniciativa pioneira que conferiu às forças aliadas vantagem decisiva sobre o inimigo.
Já o Marechal Cândido Rondon ilustrou pensamento crítico ao enfrentar os desafios do contato com os povos indígenas durante a construção das linhas telegráficas, em especial no confronto com os bororos, em 1902.
Em vez de adotar a solução imediatista da repressão armada, identificou corretamente as causas do conflito — a ocupação territorial e o consequente medo — e definiu como princípio a máxima “morrer se preciso for, matar nunca”. Por meio da aproximação pacífica e da empatia cultural, transformou a resistência em cooperação, lançando as bases de uma política indigenista inovadora e sustentável.
Outro exemplo notável é o do Marechal Emílio Luís Mallet, que, na Batalha de Tuiuti, concebeu e executou o célebre Fosso de Mallet. Sua iniciativa representou a combinação de conhecimento doutrinário, inovação e pensamento crítico.
Ao antecipar os movimentos do inimigo e explorar o terreno pantanoso, integrou a engenharia militar ao plano tático, potencializando o emprego da artilharia e surpreendendo as forças paraguaias com uma solução engenhosa e eficaz.
Esses exemplos demonstram que o pensamento crítico é, acima de tudo, um catalisador da inovação militar. Ele permite ao líder ir além do senso comum, identificar problemas de forma precisa, propor soluções criativas fundamentadas em princípios éticos e doutrinários e, assim, transformar desafios em oportunidades de evolução para a Força Terrestre.
3. O conhecimento doutrinário como alicerce cognitivo
Se o pensamento crítico abre caminho para novas perspectivas, o conhecimento doutrinário oferece o alicerce cognitivo para que elas sejam aplicadas com segurança.
Se considerarmos que pensar criticamente é pensar com critério, é lícito inferir que a doutrina é um critério perene que o líder deve ter sempre em mente, assim como a ética profissional.
A Doutrina Militar Terrestre é um dos sistemas primários do Exército Brasileiro, conforme definido no EB20-MF-10.102 (3ª ed., 2022). Ela orienta a forma como a Força Terrestre se organiza, se equipa e combate. É a base que assegura coesão, eficácia e identidade institucional.
Em outras palavras, a doutrina é o “DNA” do Exército Brasileiro: sem ela, haveria fragmentação, improvisação e perda de eficácia.
O conhecimento doutrinário permite ao líder militar:
– avaliar contextos com maior precisão;
– identificar riscos e oportunidades de forma mais ágil; e
– aplicar soluções inovadoras com responsabilidade e segurança.
Assim, a doutrina não é uma camisa de força, mas uma referência que deve ser aplicada com flexibilidade e criatividade.
4. A convergência: doutrina e pensamento crítico
É no ponto de convergência entre o pensamento crítico e o conhecimento doutrinário que se encontra o caminho para a liderança eficaz.
O pensamento crítico evita que o líder se torne prisioneiro de procedimentos automáticos, ajudando-o a adaptar princípios doutrinários às circunstâncias reais. Ao mesmo tempo, a doutrina oferece o quadro de referência que impede que a criatividade se transforme em improvisação desordenada.
Em síntese:
– sem doutrina, não há base sólida para o julgamento crítico, uma vez que a doutrina é um critério constantemente presente nos planejamentos militares e tomadas de decisão;
– sem pensamento crítico, a doutrina corre o risco de se tornar rígida e ultrapassada; e
– juntos, doutrina e pensamento crítico fornecem ao líder a capacidade de propor soluções inovadoras sem perder a identidade institucional. Não obstante, entende-se que o pensamento crítico estimula e promove a evolução doutrinária.
5. Desafios para a evolução da doutrina
A evolução da Doutrina Militar Terrestre depende, cada vez mais, da formação e capacitação de líderes que saibam pensar criticamente e aplicar a doutrina de forma criativa. Para tanto, alguns desafios se impõem:
– formação continuada – desenvolver competências desde a formação básica até os cursos de altos estudos;
– tolerância ao erro – reconhecer que o aprendizado decorre, muitas vezes, de tentativas e ajustes; ouvir as críticas e utilizar o erro como catalisador da experiência;
– confiança mútua – elemento indispensável para delegar responsabilidades e estimular a iniciativa;
– uso consciente da informação – no ambiente atual, em que as mídias sociais amplificam conteúdos de forma instantânea, o líder deve estar preparado para discernir, filtrar e orientar. Dessa forma, aprimorando sua consciência situacional, tomará melhores decisões; e
– escuta ativa – o líder, em todos os escalões, deve ter em mente a necessidade de realmente ouvir seus comandados, de forma atenta e isenta de vieses cognitivos.
A Doutrina Militar Terrestre, nesse sentido, continua sendo um vetor essencial de adaptação, assegurando que a Força Terrestre evolua de forma coesa, sem perder seus fundamentos.
6. Conclusão
A arte da guerra não reside em seguir regras de maneira cega, mas em julgá-las à luz da situação. Uma boa doutrina fornece a base para esse julgamento; o pensamento crítico dá ao líder a capacidade de aplicá-la com inteligência e inovação.
Portanto, é fundamental a integração entre conhecimento doutrinário e pensamento crítico. Essa combinação fortalece a capacidade adaptativa da Força Terrestre, garante coesão institucional e permite enfrentar, com eficácia e responsabilidade, os desafios de um mundo em constante transformação.
Em última análise, tudo começa na doutrina, mas é pelo pensamento crítico que o líder militar se projeta para o futuro.
Assim como Caxias, Rondon e Mallet aplicaram o pensamento crítico para superar os desafios de seus tempos, os líderes de hoje são chamados a desenvolver essa mesma capacidade, de modo a manter a Força Terrestre preparada e coesa diante das complexidades do século XXI.
Sobre o autor:
CORONEL R/1 PAULO CESAR BESSA NEVES JÚNIOR
O Coronel R/1 Paulo Cesar Bessa Neves Júnior incorporou às fileiras do Exército Brasileiro em 1990, na Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx). Foi instrutor da Escola de Sargentos das Armas (ESA) no triênio 1998-2000 e da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO) em 2012. Realizou o Curso de Comando e Estado-Maior (CCEM) no biênio 2009–2010 e o Curso Internacional de Estudos Estratégicos (CIEE), em 2018, ambos na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME). No posto de oficial superior, desempenhou a função de assessor/instrutor no Comando Superior de Educação do Exército da Guatemala nos anos de 2013 e 2014, oportunidade em que contribuiu para o intercâmbio de conhecimentos e o fortalecimento da cooperação internacional em educação militar. Comandou a Escola de Instrução Especializada (EsIE) de 3 de fevereiro de 2017 a 30 de janeiro de 2019, período marcado por ações voltadas ao aperfeiçoamento do ensino técnico-profissional no Exército Brasileiro. Exerceu, ainda, funções estratégicas na Chefia de Operações Conjuntas (CHOC) e na Chefia de Educação e Cultura (CHEC) do Ministério da Defesa (MD) nos anos de 2022 e 2023. Foi transferido para a reserva remunerada em 1º de dezembro de 2023. Atualmente, atua como Prestador de Tarefa por Tempo Certo (PTTC) na Assessoria de Doutrina do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx), contribuindo para a evolução da Doutrina Militar Terrestre.





















