Liderança militar em diferentes níveis: uma visão

General de Divisão R1 Joarez Alves Pereira Junior

Diferentes especialistas apresentam níveis de liderança de diversificadas maneiras e oferecem nomenclaturas e definições próprias, conforme a linha de pesquisa, a experiência e a percepção de cada um.

É comum, independentemente do estudo de cada autor, que, em cada campo profissional de atuação, existam líderes juniores e líderes sêniores, conforme o conhecimento, a experiência e a maturidade vão sendo adquiridos ao longo da vida.

O Manual de Liderança Militar do Exército Brasileiro define a liderança para ser exercida em três níveis de comando: pequenos escalões, organizacional/tático e estratégico. Essa nomenclatura dos níveis de comando definidos pelo manual tem orientado os graus de liderança assumidos pelo Exército com terminologia semelhante.

O presente artigo propõe apresentar uma visão do autor sobre o escalonamento da liderança militar em quatro níveis, conforme a trajetória profissional dos líderes militares.

LÍDER NÍVEL 1 – LÍDER DE PEQUENA FRAÇÃO

O exercício dessa liderança inicia-se com a chegada do profissional à tropa para o efetivo exercício do comando de uma pequena fração, do grupo de combate ao pelotão. Essa liderança é exercida sobre um grupo relativamente pequeno de liderados.

Nessa etapa, a liderança direta é praticada em exaustão: o líder se faz presente junto ao seu grupo, conduzindo pessoalmente as ações e falando diretamente aos liderados. É a expressão máxima do “fazer junto”, orientando e corrigindo as ações. A tropa, em um jargão muito utilizado nos quartéis, é o espelho do líder, ou seja, reproduz tudo aquilo que for mostrado pelo líder. Nesse caso, mais do que nunca, ele será o exemplo a ser seguido na condução das ações.

Nessa fase, o conhecimento técnico tem peso diferenciado. O líder deverá ser o expert em capacitar a sua tropa para a execução das tarefas. Desenvolverá habilidades e transmitirá conhecimentos a seus liderados. É preciso saber transmitir a mensagem em uma linguagem que seja compreendida pelos liderados, lembrando que, muitas vezes, a linguagem corporal fala mais alto do que as palavras. O exemplo, reconhecidamente, arrasta.

Esse líder júnior cumprirá as missões recebidas, coordenando a execução das ações pela sua fração e transmitindo suas ordens, com clareza, para a realização da tarefa específica de cada membro da equipe.

O líder de pequena fração deverá desenvolver a capacidade de compreender a intenção do comando superior para que, na ausência de definições pormenorizadas ou na eventualidade da ocorrência de fato novo, no restrito espaço de sua autonomia e iniciativa, possa definir ordens coerentes com a determinação e o direcionamento de seu escalão superior.

Apesar da pouca idade, deverá possuir valores e virtudes positivos consolidados que orientarão sua postura diante dos liderados e que servirão de exemplo a ser seguido. Esses mesmos valores e virtudes serão uma das bases para a conquista da confiança de seus subordinados que, somente dessa forma, o reconhecerão como líder.

LÍDER NÍVEL 2 – LÍDER INTERMEDIÁRIO

O líder intermediário, na hierarquia militar, abrange desde os capitães e sargentos com curso de aperfeiçoamento até os comandantes de unidades, para os oficiais, e os subtenentes, para os praças.

É a fase em que a liderança passa a ser exercida não só de maneira direta, mas também indireta, muitas vezes por intermédio dos líderes de pequena fração. Nesse contexto, o líder intermediário terá grande influência sobre os líderes de nível 1, os quais se espelharão em suas ações e atitudes.

É a etapa na qual o líder exerce, cada vez mais, o papel de orientador e de coaching, moldando e ajudando a consolidar o exercício da liderança de primeiro nível.

O líder intermediário ainda privilegia o “estar presente” e, sempre que possível, o “fazer junto”, mas, em grande parte das ações, exercerá a liderança direta sobre os líderes de nível 1 e a liderança indireta sobre os demais integrantes da sua organização, que passa a ser mais complexa e com maior número de integrantes.

Passada a etapa dos arrojos e ímpetos da juventude, os valores e os comportamentos já consolidados deverão ser praticados sem desvios e serão referenciais de conduta tanto para os mais novos quanto para todo o conjunto de liderados. Como dirige e influencia um grupo bem maior, a coerência entre palavras e ações estará em observação por um público mais amplo, sendo essa coerência fundamento básico para o pleno exercício da liderança.

A exigência da capacitação técnica passa a ter um viés diferente daquele do líder de pequena fração. O conhecimento passa a ser mais amplo e menos específico nas peculiaridades técnicas de execução das pequenas ações. A experiência e a vivência profissionais aumentam consideravelmente, e essa maturidade profissional somada à sua experiência de vida ajudam a adquirir uma visão mais acurada para orientar as decisões a serem tomadas.

O líder intermediário irá exercer com mais intensidade outra atribuição fundamental no exercício da liderança: a aplicação da justiça. Terá autoridade já elevada para punir e recompensar, indo além, assumindo a responsabilidade de corrigir possíveis distorções na aplicação da justiça pelos líderes menos experientes e mais impulsivos.

Na medida em que exerce a liderança sobre um grupo maior de pessoas, passa também a ser observado por esse grupo mais expressivo. Sua capacidade de comunicação deverá ser ampliada, e terá de praticar a habilidade de se comunicar nos dois sentidos: com os subordinados e com os líderes superiores. A diversidade dos grupos com os quais interage exigirá flexibilidade e riqueza de argumentos na maneira de expor suas ideias e ordens para que possam ser compreendidas por todos.

LÍDER NÍVEL 3 – LÍDER SUPERIOR

Mais uma vez, como referência na carreira militar, esse nível de liderança engloba os coronéis mais antigos, normalmente possuidores dos cursos de altos estudos, e os generais nos primeiros postos de brigada e divisão. São os profissionais que exercem os cargos de Chefia de Estados-Maiores, de Comandantes de Brigadas e Divisões de Exército e de Chefes de Diretorias, dentre outros cargos relevantes.

Nesse patamar, a liderança é exercida, na maioria das vezes, de forma indireta, liderando líderes e, por intermédio desses, exercendo a liderança sobre um grupo bastante amplo. Ainda assim, firmado nas bases de sustentação da liderança militar, procura, sempre que possível, se fazer presente junto a seus liderados e a eles se dirigir diretamente.

Nessa etapa da carreira e da vida, possui valores e comportamentos plenamente consolidados que, além de servir de modelo e inspiração, continuarão sendo aspectos fundamentais para a conquista da confiança e do respeito.

O conhecimento técnico detalhado é muito menos importante do que a capacidade ampla para a tomada de decisões, uma atribuição frequente nesse nível de liderança. Normalmente apoia-se no estudo e na opinião de especialistas, mas a responsabilidade pelas consequências das decisões tomadas é muito maior, haja vista a alta posição que ocupa na Instituição.

Esses líderes são possuidores de vasta experiência profissional, que, associada à experiência de vida e a momentos de reflexão, permite-lhes possuir uma visão diferenciada para oferecer os melhores caminhos a serem seguidos por seus liderados.

Ao atingir esse nível de liderança, passam a ser, também, observadores privilegiados de toda a estrutura organizacional, tendo contato próximo com o mais elevado escalão decisório da Instituição. São líderes de plena confiança desse Alto Comando, bem como seus assessores imediatos, que deverão desenvolver visão estratégica que orientará os desígnios de toda a organização.

LÍDER NÍVEL 4 – LÍDER MOR

O líder mor é aquele que atinge o mais alto posto na hierarquia militar e irá integrar o Alto Comando do Exército. Exercerá os cargos mais elevados como Comandante Militar de Área, Chefe de Departamento, Chefe do Estado-Maior do Exército e, até mesmo, Comandante da Força, exercendo a liderança suprema da Instituição.

Esses líderes serão os decisores dos destinos da Força Terrestre. Exercem a liderança indireta, e suas decisões têm peso diferenciado pois irão influenciar praticamente todos os integrantes da Instituição Militar, ou seja, todo o grupo de liderados.

A confiança conquistada por esses líderes, ao longo de suas vidas profissionais, será o fator determinante para o efetivo comprometimento de todos os subordinados e dos líderes sob seu comando para o cumprimento fiel e entusiasmado das ordens emitidas. Qualquer desvio de atitude, contrário aos valores esperados, terá reflexo amplo e devastador e será determinante para a perda da liderança, embora possa continuar como chefe.

Mais do que em qualquer fase da carreira, ou nível de liderança já exercida, a capacidade de tomar as decisões mais apropriadas é o ponto focal. O conhecimento técnico será oferecido por um grupo qualificado de assessores, porém a visão diferenciada, fruto da vasta experiência profissional e pessoal, deverá conduzir à decisão mais acertada.

Nesse nível de liderança, terá acesso amplo às informações disponíveis. Irá, além de exercer a liderança coaching, modelando a liderança de níveis mais baixos, interferir no processo de seleção meritocrática dos líderes superiores da Instituição que terão acesso ao generalato. Ou seja, será o responsável por ajudar a moldar o grupo do qual emergirão os futuros líderes da Força Terrestre.

Nesse patamar de liderança, deverá possuir uma visão que vai além da estratégica, que poderíamos chamar de visão política no sentido de que a política define a estratégia, interagindo com o mais alto escalão decisório da Nação. É o líder capaz de implementar não somente melhorias, mas as transformações mais profundas nos processos desenvolvidos pela organização como um todo.

Coerente com essa visão de 4 níveis de liderança militar, é preciso que o Exército Brasileiro, em cada fase da carreira profissional, ofereça a oportunidade para a continuada capacitação de seus quadros para o exercício da liderança. A liderança é um dos fatores mais relevantes para a motivação do soldado para o combate e para o sucesso da Força Terrestre nas operações, o que, em última instância, justifica a existência das Forças Armadas para a garantia da soberania nacional.

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Sobre o autor

General de Divisão R1 Joarez Alves Pereira Junior – Formado na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) em 1982. Cursou a Escola de Comando e Estado-Maior (ECEME) em 1997/98. No exterior realizou o Curso Básico de Inteligência, no Forte Huachuca; o Curso da Escola de Guerra, no War College; e o Curso de Política e Estratégia da National Defense University; todos nos Estados Unidos da América.

Foi instrutor da AMAN e da ECEME e comandou a Escola de Administração do Exército e Colégio Militar de Salvador. Exerceu a função de Adjunto do Adido do Exército junto à Embaixada do Brasil em Washington. Comandou a 3ª Brigada de Cavalaria Mecanizada, em Bagé-RS e a 6ª Região Militar, em Salvador-BA.

Foi Subchefe do Estado-Maior do Exército para Assuntos Internacionais. Exerceu, como última função no serviço ativo, a Vice Chefia do Departamento de Educação e Cultura do Exército. Atualmente é o Coordenador Executivo do Grupo de Trabalho que irá realizar o planejamento para a implantação de uma Nova Escola de Formação e Graduação de Sargentos de Carreira do Exército Brasileiro.

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