A Operação MERIDIANO à luz da Logística


A Operação MERIDIANO à luz da Logística

                                                                                                                      Luciano Hickert [1]
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O Ministério da Defesa conduziu no ano de 2021 um grande exercício  para as forças armadas brasileiras, com o objetivo de adestrar as diversas funções de combate, em especial o comando e controle. Esse exercício possibilitou colocar em prática diversos sistemas da Força Terrestre (FTer), utilizados de forma mais completa no nível Divisão de Exército (DE). Dentre as funções que operaram de um modo mais complexo no nível Grande Comando Operacional (G Cmdo Op) foi a função logística.
           
A Operação MERIDIANO IBAGÉ foi conduzida pelo Comando Militar do Sul, com a participação de suas três Divisões: 3ª DE, a 5ª DE e a 6ª DE. O exercício de dupla ação tinha o país de Norte (Azul) retomando o território conquistado pelo país de Sul (Laranja), conduzindo uma ofensiva contra as posições de retardamento e defensivas. O exercício contava com participação de tropas simbolizando as ações, com elementos aeromóveis, aeroterrestres, de inteligência e de diversas outras especialidades.
           
A 6ª Divisão de Exército (4a DE no exercício), no período de 09 a 13 Nov 21, ficou responsável pela condução da defensiva, como parte do Exército Laranja. Para tanto, contava com duas Bda C Mec (sendo uma figurada), uma Bda Bld (figurada) e uma Bda Inf Mtz e outros meios divisionários, que receberam a missão de cobrir a concentração do restante das tropas do país, numa frente de cerca de 400 km. Diante da inferioridade de meios disponíveis, caberia à 4ª DE Laranja a troca de espaço por tempo e a garantia da manutenção de áreas chaves, simbolizadas pelas cidades de Uruguaiana, Alegrete, Santana do Livramento e Bagé. Assim, coube à logística planejar e operar o apoio para uma operação defensiva.
     

O apoio logístico, nas operações defensivas, requerem maior centralização dos recursos, com a descentralização seletiva de meios aos elementos de emprego em primeiro escalão. A maior estabilidade das ações proporciona mais tempo para a organização do apoio logístico e maior permanência das instalações logísticas em uma mesma posição. Todavia, os prazos para o desdobramento das estruturas logísticas estão condicionados às ações do inimigo, o que aumenta a necessidade de medidas ativas e passivas de proteção dos recursos logísticos (BRASIL, 2019).

           
Uma das capacidades militares que foram colocadas à prova pelo exercício foi o sistema logístico militar terrestre do país Laranja, que utilizava a mesma doutrina brasileira, dentro do contexto de apoio para as diversas funções de combate. A 4ª DE deveria  estimar a previsão, a provisão e a manutenção das diferentes Grande Unidades sob seu controle, o que permitiria o levantamento de diferentes questionamentos a cerca da validade da doutrina atual.


           

Uma das primeiras discussões deveu-se às distancias da Base Logística Terrestre (BLT) para as Base Logíticas das Brigadas (BLB), e à necessidade de ajustar o carácter defensivo das operações com a segurança e continuidade do apoio para as unidades empregadas em primeiro escalão. Mesmo centralizando a BLT, foi necessário recuar as BLB, afastando as mesmas das tropas em 1º escalão.
           
Inicialmente locadas dentro das localidades, optou-se por afastar as BLB das áreas urbanas, a fim de facilitar a segurança contra grupos guerrilheiros e forças irregulares. Paradoxalmente, essa decisão tornou as bases logísticas mais facilmente identificáveis pela força aérea inimiga, e dificultaram o aproveitamento de estruturas civis existentes. Do mesmo modo, a localização dos PC em locais fora das localidades trouxe encargos logísticos adicionais, com vantagens e desvantagens semelhantes.
           
Outro questionamento surgiu da inexistência, doutrinária, de unidade logística para apoio à Artilharia Divisionária e ao Grupamento de Engenharia, unidades com grandes necessidades de apoio como de Cl V (munições) e IV (material de construção), respectivamente. Doutrinariamente, esses G Cmdo dependeriam do apoio direto da BLT, ou do apoio das BLB por área. As BLB, vocacionadas para o apoio das brigadas enquadrantes, não possuiriam a estrutura ideal para essas demandas acessórias, dificultando as diversas funções logísticas para essas tropas de apoio essenciais na defensiva.
           
Segundo o manual de operações logísticas, a BLT possui organização variável, sendo estruturada pelos Gpt Log, de acordo com as tarefas da F Op e as respectivas capacidades logísticas necessárias para o cumprimento da missão. Normalmente, conta com elementos de comando e controle, de coordenação e condução das operações de apoio logístico e de um braço operativo constituído por um número variável de módulos das unidades logísticas funcionais, dimensionadas conforme as necessidades da força a ser apoiada.
           
Ainda, o estudo das demandas diárias de suprimento para a tropa, estimada em mais de 24 mil homens, apresentou grande desafio para o Comando Logístico de Divisão de Exército (CLDE). Foi verificada que a estrutura de proteção e segurança dos comboios necessários para o transporte diário de mais de 400 toneladas diárias para as quatro brigadas e para os apoios, em um conflito real, demandaria uma complexa rede de transporte e circulação de cargas. Isso demandaria uma melhor estrutura de controle de trânsito, de segurança e de capacidade de armazenamento e embarque de cargas, com a criação de um verdadeiro porto seco para facilitar esses processos de pedidos e reabastecimentos.
           
Assim, a operação possibilitou à 6ª DE, na função logística, planejar e solicitar para a Força Terrestre Componente (FTC) suprimentos de todos as classes, restando claro que os atuais cálculos dos dados médios de planejamento (DAMEPLAN) ainda são carentes de informações atinentes a toda a complexidade de funções empregadas. Nesse aspecto, exercícios que envolvam todas as funções logísticas poderiam atualizar nossa doutrina, reforçando os dados existentes quanto a escoamento de feridos, salvamentos, transporte de mortos, leitos hospitalares e outras demandas pouco praticadas.
         

As atividades logísticas relevantes são condicionantes para o planejamento do apoio logístico, com destaque para o recebimento, a armazenagem, o controle de estoque e a preparação para sua distribuição, incluindo a unitização de cargas, definindo o fluxo logístico (BRASIL, 2020).

          
Segundo o novo manual de logística, os cálculos necessários à execução da estimativa logística devem considerar os seguintes aspectos: quantos e quais são as características (natureza e valor) dos elementos apoiados; o perfil das operações a serem desenvolvidas pelos elementos apoiados (perfil de consumo versus intensidade esperada); a duração das operações; o efetivos a apoiar; o ciclo de apoio (diário, semanal etc.); e as ordens e diretrizes do Esc Sp. Esses dados na operação eram difíceis de serem estimados, e deverão ser um desafio para sua estimativa, em caso de emprego real, podendo ser elaborados alguns programas de apoio para facilitar o levantamento dessas necessidades.


           

Ainda de acordo com o manual Logística nas Operações, publicado em 2019, um aspecto fundamental da Estimativa Logística é a obtenção de dados médios de planejamento confiáveis e atualizados que permitam uma correta avaliação das necessidades. As principais fontes para o levantamento desses dados são as seguintes são: dados históricos; perfil de consumo; e consumo por equipamento obtido a partir de manuais e informações técnicas do equipamento. Esses dados históricos e dados obtidos a partir de manuais merecem ser melhor estudados.
           
Na função proteção, por exemplo, não existem dados médios sobre previsão para o suprimento de munições de armamento antiaéreo, assim como fica vaga a tonelagem de material a ser fornecido para os trabalhos de engenharia por pelotão hora. Nesse mesmo sentido, os apoios para a saúde não são especificados, ou mesmo as necessidades para transporte de material para a contramobilidade, com fornecimento de minas terrestres e outros obstáculos.

O advento de novas tecnologias e as perspectivas do combate moderno exigem evolução constante da doutrina militar, com a adoção de novos conceitos, como: logística na medida certa, modularidade, capilaridadee redução de estoques, entre outros. Esses conceitos ampliam ainda mais o papel da logística nos conflitos contemporâneos, sendo necessário que ela seja preparada e estruturada desde o tempo de paz. Cada uma das funções logísticas (suprimento, manutenção, transporte, engenharia, recursos humanos, saúde e salvamento) reúne um conjunto de atividades e tarefas e sistemas inter-relacionados, com capacidade de prover apoio e serviços, de modo a assegurar a liberdade de ação e proporcionar maior amplitude de alcance e duração às operações (BRASIL, 2019)

           
Nesses mesmo diapasão, a circulação para o fornecimento de bens de toda ordem deveria ser organizado prevendo outros eixos para escoamento de refugiados, prisioneiros de guerra e de feridos, agravando os desafios na área de retaguarda da DE. Uma estrutura mais reforçada, composta por unidades de infantaria motorizada e polícia do exército, em coordenação com diversas agências seria necessária para desenvolver toda essa manobra de circulação e segurança com maiores capacidades, dentro do contexto de combate em diversas dimensões e em profundidade.
           
Segundo o manual Logística nas Operações, amaior estabilidade das ações proporciona mais tempo para a organização do apoio logístico e maior permanência das instalações logísticas em uma mesma posição. Todavia, os prazos para o desdobramento das estruturas logísticas estão condicionados às ações do inimigo, o que aumenta a necessidade de medidas ativas e passivas de proteção dos recursos logísticos.


           
Dentro desse contexto, as operações de segurança de área de retaguarda (SEGAR), com ações de defesa e de controle de danos, foram outros aspectos que levantaram questionamentos, pois a doutrina indica que elementos envolvidos em outras missões tenham responsabilidade sobre essas tarefas. Isso poderia comprometer estruturas vocacionadas para a linha de frente, como Artilharia Divisionária e o Grupamento de Engenharia.
        

Todos os comandantes são responsáveis pela defesa da área de retaguarda e pelo controle de danos de suas próprias forças e instalações.  É de sua responsabilidade assegurar a integração dos Planos de Defesa da Área de Retaguarda e de Controle de Danos, no contexto geral de segurança da área de retaguarda. Quando o controle e a coordenação operacionais assim o exigirem, subáreas são estabelecidas no interior da área de retaguarda. Todas as ações das forças localizadas naquelas subáreas devem estar integradas no planejamento de SEGAR do escalão considerado (BRASIL, 2020).

 
Outros aspectos estimulados pela operação foram os processos especiais de suprimento. Diante das responsabilidades defensivas exigidas para a DE Laranja que operava muito além das distâncias ideais, em uma frente de mais de 400 km quando o ideal seria de até 52 km, foram estabelecidas algumas soluções já previstas na doutrina, como o preposicionamento das cargas, diminuindo as necessidades de transportes durante o movimento retrógrado.


           
Assim, buscou-se estabelecer na operação estruturas de apoio logístico resilientes e responsivas, ou seja, capazes de atender a demandas adicionais ou imprevistas como: apoio a grandes massas populacionais, catástrofes provocadas por decorrência de ações militares ou por causas naturais, dentre outras, conforme prescreve o novo manual logístico. Dessa forma,  preparação logística do espaço de batalha foi conduzida em duas fases: realização do planejamento detalhado e preposicionamento logístico (BRASIL, 2020).
           
Ao buscar adequar a manobra logística com as estruturas existentes, verificou-se que a demanda de bens das diversas classes necessitaria de uma infraestrutura civil robusta, capaz de absorver demandas de diversas naturezas, sejam elas de saúde e pessoal, sejam elas de armazenamento, de dados ou de energia elétrica.
           

Buscar o máximo de aproveitamento dos recursos locais existentes na área de responsabilidade, observadas as diretrizes do escalão superior e os preceitos do Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA). Dessa forma, a utilização desses recursos considera a manutenção do atendimento às necessidades da população local, de forma a evitar o desabastecimento ou a escalada de preços na área onde se realizam as operações militares (BRASIL, 2020).

           
Dessa maneira, na operação, a fim de garantir a flexibilidade e sustentabilidade, verificou-se que uma cidade de porte médio para grande seria uma área adequada para o estabelecimento da BLT, e que uma pequena cidade como a escolhida, dificilmente teria boas condições de apoiar as atividades.


           
Por fim, segundo SOUSA 2020, a adoção de meios mais modernos para carga e transporte, a aquisição de uma frota de viaturas especiais para transporte, e a utilização de contêineres poderia ser um grande salto para nossa logística. Sendo assim, dotar nossas unidades de viaturas com maior capacidade de transporte, com mais de 16 toneladas e com reboque adicional, poderia movimentar 33 toneladas em uma única viagem, otimizando tempo, combustível, pessoal e recursos financeiros.
 

As diferenças entre os meios empregados no EB e no Exército dos EUA estão adequadas às possibilidades de investimento de cada país, nas suas respectivas necessidades operacionais. Visando à prontidão operativa, o EB vem realizando o trabalho de aproximar as estruturas logísticas desenvolvidas para emprego em tempo de paz àquelas necessárias para o esforço de guerra. Isso vem ocorrendo por meio do processo de transformação do EB (SOUSA 2020).

           
Dentro desse contexto, o autor cita medidas para incrementar a segurança dos comboios, como dotar as viaturas coma capacidade de autodefesa, com a instalação de sistema de armas, alteração da pressão dos pneus de acordo com a consistência do terreno, bem como proteção blindada.
 
Considerações finais
           
Diante do exposto, a atual doutrina logística não parece estar totalmente adequada às demandas de um combate moderno, seja pelas estruturas enxutas previstas para as GU, seja pela existência de G Cmdo que não possuem infraestrutura de apoio.
           
A centralização das atividades logísticas em uma mesma BLT, com a inexistência de estruturas logísticas para apoiar, por exemplo, a Artilharia Divisionária, pode revelar deficiências na nossa doutrina. A BLT, mesmo sendo modular e possuindo diversas instalações espalhadas, pode apresentar problemas para apoiar adequadamente as funções de combate complementares à manobra, como proteção, inteligência e contramobilidade.
           
A implantação de um Sistema Integrado de Gestão Logística permitiria o conhecimento da situação real e oportuna das necessidades logísticas, e a modernização dos fluxos de solicitação de suprimentos, por programas automatizados que utilizem tecnologia para facilitar a separação e embarque das cargas é um medida urgente para aumentar a eficiência dos processos logísticos.
           
Aproximar a estrutura logística de paz à de conflito poderia resultar em uma evolução considerável das demais capacidades da força, adequando doutrina ao novo perfil dos conflitos, cada vez mais urbanos, multidimensionais e não lineares. O aumento da quantidade de unidades logísticas, com menor concentração de apoio por área, poderia resultar em melhores resultados logísticos e administrativos e uma estrutura que resultaria em maior poder de combate em futuros conflitos.
           
Ao manusear-se o tema da segurança para a Logística, no nível G Cmdo, devem ser estudadas novas capacidades para a DE melhorar sua prontidão para respostas. Nesse aspecto, dotar as DE com uma GU, leve e dinâmica, dedicada a área de retaguarda, parece ser uma decisão acertada, permitindo à divisão proteger a população e estruturas, organizar refugiados, controlar presos, organizar o fluxo de suprimentos e manter a segurança em geral contra resistências e elementos irregulares.
           
Obter a capacidade de sustentar as mobilidades operacional e tática deve ser uma prioridade de uma Força Terrestre que busque o combate moderno, em um ambiente complexo e com demandas de diferentes atores, que atual em toda a profundidade do campo de batalha e que tenham capacidade de interferir no fluxo de suprimentos nos diferentes tabuleiros em que se joga a guerra moderna.
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SOUSA 2020, Guilherme Dantas.. A função logística transporte no Exército dos Estados Unidos do nível estratégico ao tático.v. 1 n. 21 (2020): DOUTRINA MILITAR TERRESTRE EM REVISTA
         
 BRASIL. Exército. Estado-Maior.SISTEMA DE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICODO EXÉRCITO. FASE 3. POLÍTICA MILITAR TERRESTRE 2019. Pesquisado em 20 Nov, emhttp://www.eb.mil.br/documents/10138/12613714/Politica_Militar_Terrestre_v_20_12_19.pdf/18615dc0-753f-a1e2-2275-e8c2fa060edd
           
BRASIL. Exército. Estado-Maior. Logística Militar Terrestre. EB70-MC-10.238. Brasília, DF: Estado-Maior do Exército, 2018.

BRASIL. Exército. Estado-Maior. Logística nas Operações. EB70-MC-10.216. Brasília, DF: Estado-Maior do Exército, 2019.
           
BRASIL 2020, Manual de Campanha EB70-MC-10.359 Batalhão de Suprimento, 1ªEdição, 2020

EUA. US Army. Army Motor Transport Operations, ATP 4-11. Washington, DC, 5 July 2013.

EUA. US Army. Army Transportation Operations, FM 4-01. Washington, DC, 3 April 2014.

EUA. Joint Chief of Staff. Joint Operation Planning, JP 5-0. Washington, DC, 16 June 2017
 



[1]
Tenente Coronel do Exército. Arma de Cavalaria, Bacharel em Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras (2000). Cursou a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais em 2009. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2016), foi aluno de Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) no biênio 2019/20, e atualmente é o E4 da 6ª DE
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