Pacificação e liderança: a ação de Caxias nas Revoltas Liberais de 1842

Coronel R1 Carlos Daróz

O Marechal Luiz Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, viu sua carreira de chefe militar coroada por ocasião da Guerra da Tríplice Aliança, quando liderou a contraofensiva Aliada contra o Paraguai. No entanto, duas décadas antes, o chefe militar, recém-promovido ao generalato, já demonstrava sua capacidade de conduzir tropas em combate e seu domínio da arte da guerra ao debelar as duas revoltas deflagradas pelos liberais em 1842.

Quando teve início o Segundo Reinado, com a maioridade de Pedro II, dois partidos políticos com ideias e propostas conflitantes disputavam o poder no Brasil: os conservadores e os liberais. As tensões entre os dois grupos se intensificaram, após as eleições de 1840, e levaram os liberais a articularem um movimento armado contra a ascensão ao poder do Partido Conservador, inicialmente na província de São Paulo e depois expandindo-se para Minas Gerais.

Em São Paulo, a revolta eclodiu na manhã de 17 de maio de 1842, em Sorocaba, agitação que se estendeu às cidades de Taubaté, Pindamonhangaba, Silveiras e Lorena. Os rebeldes conseguiram também o apoio do padre Diogo Feijó e de Nicolau Vergueiro – senadores e antigos regentes do Império – além da população de algumas vilas, entre elas Itapetininga, Itu, Porto Feliz e Capivari.

Os liberais constituíram uma coluna com efetivo de aproximadamente 1.500 homens, para marchar contra a capital paulista, com o propósito de depor o barão de Monte Alegre, presidente da província. Este, por sua vez, solicitou o apoio do Ministro da Guerra para debelar a revolta. Preocupado com a possibilidade de separatismo, o governo imperial designou Luiz Alves de Lima e Silva, Barão de Caxias, que havia recentemente pacificado a Balaiada na província do Maranhão e promovido ao posto de brigadeiro.

Tão logo recebeu a tarefa de comandar as tropas do Exército Imperial, Caxias rumou para o litoral paulista, a bordo do navio Todos os Santos, conduzindo apenas 400 homens pouco experientes. Em São Sebastião, desembarcou um batalhão reforçado por artilharia com a missão de marchar em direção a Guaratinguetá e atuar como força de cobertura.

A parcela principal das tropas imperiais chegou a Santos, em 21 de maio de 1842, onde desembarcou. Antes de deslocar suas forças em direção ao planalto interior, Caxias expediu ordens para que unidades se deslocassem de Curitiba para a região de Itararé com o objetivo de isolar a província de São Paulo de possíveis reforços rebeldes procedentes do sul do Brasil.

Ciente do fato de que possuía efetivo inferior ao dos liberais, Caxias marchou em direção ao interior, procurando dar a impressão de que comandava força mais numerosa. Nesse sentido, expediu requisições para serem preparadas rações para 2 mil soldados. Tal ardil ludibriou os rebeldes que bivacavam na Ponte dos Pinheiros, fazendo com que se retirassem em direção a Sorocaba.

Os revoltosos, após se reorganizarem, enviaram uma força para tomar de assalto a cidade de Campinas, já em poder de Caxias. Aproximadamente 300 liberais acantonaram na localidade denominada Venda Grande, nos arredores de Campinas, em 7 de junho, quando foram alcançados pelas tropas imperiais.

Os rebeldes não perceberam a aproximação de soldados enviados por Caxias e, surpreendidos por um ataque de cavalaria, com o apoio de 120 infantes, artilheiros e guardas nacionais, alguns debandaram e outros, apesar de desorganizados, sustentaram a resistência possível. Rafael Tobias de Aguiar, o principal líder revoltoso, tentou fugir para o Rio Grande do Sul, mas foi capturado e conduzido ao Rio de Janeiro. Caxias tomou a cidade de Sorocaba e ali aprisionou o Padre Feijó, que assumira, após a fuga de Tobias de Aguiar, o exercício da “presidência” da província sublevada.



 

Caxias retornou à Corte, em 23 de julho, sendo recebido pelo imperador, que lhe confiou outra missão: pacificar novo movimento liberal, desta vez em Minas Gerais. Nessa província, a revolta teve início, em 10 de junho de 1842, na cidade de Barbacena, escolhida como sede do governo revolucionário. Os liberais, liderados por Teófilo Ottoni, conseguiram a adesão da Guarda Nacional local, depondo o presidente da província.

Embora Caxias temesse que os rebeldes tomassem Ouro Preto, capital da província, estes tinham por objetivo principal conquistar Queluz (atual Conselheiro Lafaiete), abrindo caminho para a capital, o que ocorreu em 26 de julho. A notícia da derrota dos liberais paulistas, no entanto, arrefeceu o ânimo dos revoltosos mineiros, e dividiu a opinião de seus líderes sobre a viabilidade de Ouro Preto. Buscando ocupar uma posição mais segura, os liberais seguiram para Lagoa Santa, onde se entrincheiraram, após terem sido cercados pelas forças imperiais no arraial de Santa Luzia.

As forças do Barão de Caxias rapidamente se deslocaram do Rio de Janeiro para Ouro Preto, onde chegaram após, apenas, onze dias de marcha forçada, via Valença e Paraíba do Sul. Ampliando seu efetivo para 2 mil homens, Caxias rumou de Ouro Preto para Sabará, a fim de alcançar o arraial de Santa Luzia, onde se encontravam 3.300 rebeldes liberais com uma peça de artilharia.

A posição de Santa Luzia consistia em um pequeno arraial erguido na margem direita do Rio das Velhas, sendo possível transpor o curso d´água pela Ponte Grande. Caxias dividiu sua força em três colunas: uma comandada pelo Coronel da Guarda Nacional José Joaquim de Lima e Silva Sobrinho – seu irmão – que seguiria pela estrada do arraial da Lapa; outra, sob o comando do Coronel Francisco de Assis Ataíde, em direção ao Rio das Velhas, enquanto ele próprio avançaria contra a posição rebelde através da estrada de Sabará.

Na manhã do dia 20 de agosto, Caxias investiu sobre os revoltosos empregando a tática de duplo envolvimento. Ordenou um avanço frontal, pela estrada de Sabará, enquanto as forças do flanco esquerdo, aproximaram-se da Ponte Grande. Estas, porém, não conseguiram transpor o rio.

Simultaneamente, as forças do flanco direito alcançaram o arraial de Santa Luzia pela retaguarda, tomando-o com facilidade e colocando os rebeldes em retirada, justamente na direção da coluna de Caxias. As baixas das forças imperiais foram mínimas, enquanto os rebeldes tiveram 60 mortos, 100 feridos e 300 prisioneiros. A vitória sobre os revoltosos rendeu a Caxias a promoção ao posto de Marechal de campo.

As operações militares realizadas em São Paulo e Minas Gerais e, principalmente, a ação de comando de Caxias, foram ricas em ensinamentos no campo da arte da guerra. Em primeiro lugar, Caxias tratou de colocar a província de São Paulo fora do alcance de possíveis reforços rebeldes, posicionando duas forças de cobertura em suas divisas. Tal medida teve por objetivo limitar a área conflagrada, o que foi realizado com sucesso.

Nas duas rebeliões, as tropas imperiais bateram-se contra os revoltosos com inferioridade numérica. Caxias não esmoreceu diante da desvantagem, mas conseguiu superá-la dividindo adequadamente suas tropas e empregando táticas de combate indireto, com o duplo envolvimento em Santa Luzia.

Merece destaque, também, o emprego de operações psicológicas, quando Caxias, por intermédio de uma requisição de alimentação falsa, fez parecer aos adversários que possuía efetivo bem maior do que o real. A inteligência de combate foi empregada pelas forças imperiais, que buscou levantar o dispositivo defensivo dos liberais no arraial de Santa Luzia antes da realização do ataque.

A liderança de Caxias foi essencial para conduzir suas tropas em marcha forçada sob condições climáticas desfavoráveis, visto que as ações ocorreram sob rigoroso inverno, possibilitando o rápido deslocamento, concentrando suas forças em grandes distâncias. Mesmo com a precariedade da rede de estradas, as tropas imperiais levaram apenas onze dias para vencer os cerca de 340 km que separavam o Rio de Janeiro de Ouro Preto, surpreendendo os liberais em Santa Luzia. A mobilidade também foi decisiva em São Paulo, quando Caxias alcançou Campinas antes dos rebeldes, o que permitiu a vitória no combate de Venda Grande.

Finalmente, a atuação do Exército Imperial brasileiro contra os revoltosos liberais foi decisiva para a manutenção da coesão nacional e da integridade territorial brasileira. A vitória do governo imperial nas Revoltas Liberais representou a consolidação do Império e, com exceção da Revolução Praieira, ocorrida em Pernambuco, entre 1848 e 1849, o Brasil experimentou um longo período de estabilidade política e calmaria interna, e teve sua integridade territorial preservada.

Duas décadas mais tarde, Caxias exerceria mais uma vez sua liderança militar, levando o exército da Tríplice Aliança à vitória contra o Paraguai, no maior conflito armado já ocorrido na América do Sul, consagrando-se como um dos maiores soldados do Brasil, muito justamente escolhido como Patrono do Exército.

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Carlos Daróz, Coronel de Artilharia R1, é doutorando em História Social pela Universidade Federal Fluminense, possui mestrado em História pela Universidade Salgado de Oliveira e mestrado em Operações Militares pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, além de especialização em História Militar pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Professor do curso de pós-graduação em História Militar da Universidade do Sul de Santa Catarina. É professor visitante do Instituto Universitário Militar de Portugal, da Academia da Força Aérea dos EUA e do Instituto Superior de Ciências Jurídicas e Sociais de Cabo Verde. Desenvolveu pesquisas junto ao Service Historique de la Défense e ao Musée de l´Armée, de Paris. Autor dos livros Um céu cinzento: a aviação na Revolução de 1932, A guerra do açúcar: as invasões holandesas no Brasil, O Brasil na Primeira Guerra Mundial: a longa travessia, Bruxas da Noite: as aviadoras soviéticas na Segunda Guerra Mundial, Intervenção: a reestruturação da segurança pública no estado do Rio de Janeiro, História do Brasil nas duas guerras mundiais e Aviatrix: a saga das mulheres que ousaram desafiar o céu. Atualmente é pesquisador-chefe da Seção de Memória Institucional do Centro de Estudos e Pesquisas de História Militar da Diretoria do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército.

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