Uma aposta de risco na Defesa

Leonel Rocha

Fazia muito calor no início da tarde da quinta-feira 4, em Tabatinga, cidade brasileira na fronteira com a Colômbia, quando o ministro da Defesa, Nelson Jobim, recebeu um telefonema do Palácio do Planalto. Muito nervoso, suado, saiu do helicóptero em que se encontrava e correu esbaforido na direção do jatinho que o levaria de volta a Brasília. Do outro lado da linha, a presidente Dilma Rousseff ordenava que ele retornasse à capital imediatamente. “Ou você se demite ou eu te demito”, disse Dilma na ligação.

A cena meio patética do ministro grandalhão, apavorado, na pista do aeroporto foi testemunhada pelas pessoas que o acompanhavam na viagem à Amazônia. Quando chegou a Brasília, entregou a carta de demissão à presidente. Poucos minutos depois, o Palácio do Planalto anunciou a substituição de Nelson Jobim por Celso Amorim, um experiente diplomata que foi chanceler no governo Itamar Franco e no governo Luiz Inácio Lula da Silva. Jobim perdeu o cargo que ocupava desde julho de 2007 porque falou demais.

A causa da irritação da presidente era a divulgação de trechos de uma entrevista do ministro à revista Piauí, em que ele reclama de “trapalhadas” do governo na discussão sobre a liberação de documentos oficiais, diz que a ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, é “fraquinha” e que a chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, “nem sequer conhece Brasília”. Na mesma reportagem, Jobim faz bravata sobre um encontro que teve há alguns meses com a presidente para falar sobre a nomeação do ex-deputado José Genoino para uma assessoria do Ministério da Defesa. “Presidenta, quem sabe se ele pode ou não ser útil sou eu”, disse Jobim, segundo seu próprio relato publicado pela revista, ao responder a uma pergunta da chefe sobre a utilidade de Genoino no ministério.

As circunstâncias da saída de Jobim tiveram duas consequências imediatas. Uma tem a ver com o conteúdo das declarações que provocaram a queda do ministro. Embora desastradas, as palavras de Jobim refletem o pensamento de muita gente do governo, mesmo de petistas. A outra consequência se refere ao futuro do Ministério da Defesa sob o comando de Celso Amorim. Trata-se de uma aposta de risco. Durante os oito anos do governo Lula ele ocupou o Ministério das Relações Exteriores e se notabilizou por polêmicas em relação à política externa, à qual imprimiu um viés grandiloquente, muitas vezes improdutivo para os interesses nacionais.

Há muitas dúvidas se o estilo trombador de Amorim vai funcionar entre os militares, setor ainda em adaptação à subordinação aos civis. O fato de se tratar de um diplomata de carreira faz aumentar as preocupações. Os militares se sentem incomodados com o integrante de outra corporação, o Itamaraty, no comando das Forças Armadas. No começo do governo Lula houve a tentativa que deu errado. O primeiro ministro da Defesa de Lula foi o embaixador José Viegas, que deixou o ministério depois de uma crise provocada pela divulgação de uma nota oficial do comando do Exército que fazia apologia da ditadura militar.

"A Ideli (Salvatti) é fraquinha e a Gleisi (Hoffmann) nem sequer conhece Brasília" Nelson Jobim, sobre as colegas de equipe

Celso Amorim ainda tem contra si o fato de adotar uma linha política mais alinhada com os setores da esquerda do governo, o que desagrada aos quartéis. Jobim era um moderado e trabalhou para que em abril de 2010 o Supremo Tribunal Federal desse uma interpretação ampla à Lei da Anistia, contrária à punição de militares. Mas Amorim tem a seu favor uma larga experiência em alguns dos temas mais importantes da Defesa. Foi de Amorim a ideia de criar a União das Nações Sul-Americanas (Unasul) e do Conselho de Defesa Sul-Americano, implantado em 2008. A entidade tem, entre outras funções, elaborar políticas de defesa conjuntas e integrar as plantas industriais de material bélico do continente.

Amorim se perfila com os setores do governo classificados como “antiamericanistas” por defender causas que contrariam os interesses dos Estados Unidos. Como chanceler, Amorim se empenhou em fechar um acordo estratégico com a França para a fabricação, no Brasil, de helicópteros e submarinos para as Forças Armadas. Nesse aspecto, contará com a simpatia dos militares mais nacionalistas, que alardeiam perigos no interesse de outras nações na preservação da Amazônia. A fronteira norte é uma das fontes de preocupação do governo brasileiro.

O último ato de Jobim no cargo foi a assinatura de um acordo entre Brasil e Colômbia para a implantação de um plano binacional de segurança fronteiriça. Depois do telefonema de Dilma, ele voou rápido para Brasília. Escreveu a carta de demissão dentro do avião e se preparou para o encontro com a presidente. Chegou ao Palácio por volta das 20 horas, subiu até o 3o andar e teve uma conversa com Dilma que durou cerca de três minutos. Não havia clima para ficar no Palácio onde havia uma ministra “fraquinha” e outra que “não conhece Brasília”.

As inconfidências de Jobim sobre o que pensa a respeito de Ideli e Gleisi chamaram a atenção para problemas graves do governo. O relacionamento entre o Palácio do Planalto e o Congresso piorou nos últimos tempos. Na semana passada, as conversas entre Ideli e os líderes do governo no Senado, Romero Jucá, e na Câmara, Cândido Vaccarezza, estavam estremecidas. A convivência da ministra com os dois líderes se deteriorou por causa da demora do Planalto em atender às demandas dos parlamentares por verbas do Orçamento e cargos no governo. As conversas são apenas protocolares, sem cumplicidade.

Michel Temer avisou a Romero Jucá que ele deverá deixar a liderança do governo no Senado

A dificuldade no relacionamento com senadores e deputados era uma característica de Dilma quando ela ocupava a chefia da Casa Civil e piorou depois que se tornou presidente. Esperava-se que a presença de Antonio Palocci no Planalto contornasse os obstáculos, mas ele caiu em junho sem conseguir melhorar as relações entre Executivo e Legislativo.

O momento em que isso ficou mais evidente foi na votação do Código Florestal pela Câmara, em maio, quando a posição do governo foi derrotada pelos ruralistas. A queda de Palocci da Casa Civil deu a Dilma uma chance de tentar reorganizar a relação com o Congresso. A entrada de Ideli nas Relações Institucionais, porém, em nada melhorou o diálogo entre Legislativo e Executivo. O desgaste do Planalto com a base parlamentar deve provocar novas mudanças. Na semana passada, o vice-presidente Michel Temer avisou a Jucá, conhecido por suas obscuras transações com “laranjas”, conforme noticiou ÉPOCA, que ele deverá ser substituído na função de líder. No lugar dele, deverá entrar o atual líder do PMDB, Valdir Raupp (RO).

A saída do ministro dos Tranportes, Alfredo Nascimento, e mais de duas dezenas de demissões na pasta em decorrência de denúncias de corrupção levaram o PR a deixar o bloco de apoio ao governo no Senado. O comportamento futuro do PR daqui para a frente vai depender das próximas ações do Planalto. O partido se sente discriminado por ser o único atingido pela onda de demissões, que ganhou o sentido de “faxina”, embora Dilma evite usar esse termo para não piorar o clima com os aliados. A bancada de 46 deputados do PR também avisou o governo de que não aceitará mudanças nas seções estaduais do Dnit, sob ameaça de se voltar contra os atuais aliados. Além do potencial de denúncias que pode surgir dessa insatisfação, o partido pode apoiar a criação de comissões parlamentares de inquérito e gerar novas crises para Dilma.

O destempero verbal de Jobim, conhecido entre os mais próximos, começou a irritar Dilma no final de junho, durante a sessão do Senado em homenagem aos 80 anos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de quem foi ministro da Justiça. Na ocasião, Jobim lembrou o estilo de FHC na relação com auxiliares. “Nunca o presidente levantou a voz para ninguém”, disse. A referência foi interpretada pelos petistas como uma alusão ao estilo agressivo de Dilma com seus ministros. Há duas semanas, Jobim disse que votou para presidente no tucano José Serra, seu amigo, e não em Dilma. Apesar da irritação e do constrangimento, Dilma deixou passar mais essa. Agora, ao falar mal de duas colegas da equipe, Jobim ultrapassou todos os limites de tolerância da presidente.

Sob nova direção, o Ministério da Defesa passará agora por mais um teste. Se Celso Amorim souber estabelecer procedimentos de convivência com os militares, como Jobim conseguiu, dará um passo importante para o sucesso de sua missão. Caso opte pelo caminho do confronto, que muitas vezes caracterizou sua gestão no Itamaraty, poderá aumentar os problemas da presidente e do governo.

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