Frederico Aranha – Drones vs. Blindados não é um simples jogo

DRONES VS. BLINDADOS
NÃO É UM SIMPLES JOGO.

 

Nesta imagem, extraída de um filme de divulgação do Ministério da Defesa do Azerbaijão, blindados armênios na alça de mira de um drone de combate; atacados a seguir, alguns foram destruídos ou danificados – em Setembro, 27, frente de batalha na autoproclamada República de Nagorno-Karabakh.
 
Veículos aéreos de combate não tripulados estão destruindo blindados ao redor do mundo. Isso quer dizer o fim do carro de combate?
 

Frederico Aranha
Pesquisador independente
Advertência – tradução livre

 
Nos primórdios da nova guerra entre Armênia e Azerbaijão os militares azeris alardearam um número expressivo de carros de combate e outros veículos blindados armênios destruídos ou avariados (1), afora sistemas de defesa antiaérea e posições fortificadas suprimidas. Os ataques azeris foram realizados – e filmados – por drones Bayraktar TB2 fabricados pela Turquia (2).

Em 2020, a Turquia vem empregando este drone (acima) agressivamente em conflitos na Líbia e na Síria com resultados operacionais decisivos. Não obstante mísseis terra-ar armênios derrubarem dois ou três deles , o UAV ( Unmanned Combat Aerial Vehicle ) turco por sua vez tem manobrado com sucesso para destruir metodicamente sistemas de defesa antiaérea adversários. Uma vez suprimida a defesa, os drones podem livremente destruir com mísseis leves de precisão bases inimigas, posições de artilharia e colunas de veículos indefesos

Não é forçoso ser um especialista para constatar que o filme do Ministério da Defesa do Azerbaijão assemelha-se aos realizados pelos TB2 . Considere-se os vídeos de ataques dos TB2 turcos na Síria

e na Líbia (2 vídeos abaixo)

 

Neste outro vídeo de 27 Outubro 2020 é possível acompanhar a caçada particular do drone azeri ao Tenente-General Jalal Harutyunyan , Ministro da Defesa de Nagorno-Karabakh, resultando na destruição do seu veículo por um míssil. Segundo fontes oficiais armênias o militar sobreviveu ao ataque com ferimentos graves.

Com drones armados de mísseis anticarro crescentemente mais baratos, acessíveis e capazes, significa que a dominação por um século do campo de batalha pelo carro de combate está chegando ao fim?
 
Há duas décadas, as FFAA americanas puseram em serviço os primeiros drones armados nas campanhas militares pós 9/11 (3). Estavam equipados com mísseis Hellfire e eram impulsionados por motores de baixa potência, embora com excepcional autonomia de voo: podiam circular e observar seu alvo durante horas e então atacar ou não, ao passo que um jato militar de alta performance ou um helicóptero de ataque após uma fração do tempo de operação do drone eram obrigados a retornar à base para reabastecimento e descanso da tripulação.

Este era um fator determinante nas campanhas não regulares ou combates de baixa intensidade nos quais aqueles drones foram empregados, em que os alvos tinham pouca ou nenhuma capacidade de defesa antiaérea.
 
Contudo, muitos estrategistas acreditam que numa guerra convencional caracterizada pelo emprego combinado de tecnologias de ponta, drones voando baixo e mais lentamente do que caças da Segunda Guerra Mundial poderão ser facilmente abatidos por um adversário com defesas antiaéreas articuladas.
 
Porém, à medida que os sistemas de controle remoto se tornem mais acurados e os componentes dos drones mais baratos e disponíveis, serão vistos com capacidade relevante também para a guerra de alta intensidade, especialmente porque com seu uso não há perigo de pilotos serem capturados ou mortos.
 
Drones baratos podem não ter o atributo da furtividade de um caça de 5ª geração, mas são pequenos e silenciosos bastante, além de altamente manobráveis, para esquivar-se da observação do pessoal em terra. E defesas antiaéreas podem ser superadas por drones kamikazes como o IAI Harop israelense (4), empregado pelo Azerbaijão em Nagorno-Karabakh com resultados incomuns.
 
Tão logo as defesas aéreas sejam atacadas e tornadas inoperantes, o próximo alvo para os drones de combate será obviamente os blindados, sobretudo os carros de combate. Não sendo molestados, eles podem romper linhas defensivas e utilizando sua tecnologia própria de proteção blindada, poder de fogo e mobilidade desenvolverem ação de choque agressiva para explorar a perda de iniciativa do inimigo em responder aos efeitos do ataque, progredindo rapidamente para dispersar ou cercar as forças adversárias e rastrear centros de comando e logísticos – a manobra padrão da guerra blindada desde 1940.

A blindagem frontal e da torre dos carros de combate modernos é assaz resistente a danos, mas o mesmo nível de proteção couraçada não pode ser aplicado em todo o carro sob pena de torná-lo muito pesado e consequentemente com a mobilidade prejudicada. Esta conformação cria vulnerabilidades na seção superior do carro, incrementadas pela limitada visão da tripulação. A arma do carro de combate destina-se ao tiro direto em alvos em terra, de modo que se não forem acompanhados por veículos de defesa antiaérea sua única proteção contra aviões de ataque ou helicópteros e drones de combate é a camuflagem ou a ocultação (5).
 
O campo de batalha moderno tem muito em comum com aqueles da IIª Guerra Mundial; se formações blindadas são surpreendidas em campo aberto por ataques aéreos ou por fogo orientado de artilharia dificilmente sobreviverão, como ocorreu com a 12ª Divisão Panzer SS Hitlerjugend em 1944 durante a operação Charnwood para capturar Caen (6). Esta realidade se repetiu ao longo do tempo: Guerra Irã-Iraque, “Operation Desert Storm”, Grozny (Chechênia), Zelenopillya (Ucrânia) e  recentemente Idlib (Síria), demonstrando que o carro de combate tem seus limites.
 
Táticas russas no leste da Ucrânia envolveram a integração de drones Orlan-10 num complexo de fogo-reconhecimento no qual os drones foram articulados com obuseiros autopropulsados 2S1 Gvozdika (6). Num curto período de tempo essa força combinada foi capaz de infligir danos maciços às forças ucranianas em torno de Zelenopillya , incluindo a destruição de 04 radares AN/TPQ-48 , 37 veículos blindados, um grande depósito de munições e 310 baixas humanas (7).
 
Forças turcas impuseram pesadas perdas ao Exército sírio durante os combates ao redor de Idlib em fevereiro de 2020, empregando mísseis disparados de drones TB2 coordenados com fogo de artilharia pesada (8). O Ministro da Defesa da Turquia, Hulusi Akar, afirmou que a Operação “Spring Shield” contabilizou a morte de 2.200 soldados sírios, a eliminação de 103 carros de combate, 06 sistemas de defesa antiaérea e 72 obuseiros pesados segundo reportagem do Washington Post (9).

A chave para o sucesso tático em ambos conflitos não foi nenhuma peça específica de equipamento; certamente não um carro de combate. Foi a velocidade e a organização de uma força completa agindo em conjunto no momento certo com a informação correta para desequilibrar o choque no campo de batalha.
 
O carro de combate tem sobrevivido a predições anteriores do seu fim (10). O surgimento do míssil anticarro guiado – ATGM – nos idos dos anos 1950/60 foi um golpe profundo no “prestígio” do carro de combate, ensejando a teoria de  substituir o carro de combate tradicional por veículos blindados leves e rápidos armados de mísseis. Embora os ATGM tenham cobrado um alto preço dos blindados nas guerras convencionais entre Israel e seus vizinhos (11), tais sistemas de mísseis eram muito caros, exigiam guarnições muito bem treinadas e seu emprego era limitado exceto como “matadores” de carros de combate.

Entrementes, veículos blindados leves demonstraram ser extremamente vulneráveis a armas comuns (12): lança-rojões, canhões automáticos e minas terrestres.
 
A experiência americana no Iraque e Afeganistão reforçou o tema décadas depois: forças móveis apoiadas pelo poder aéreo e artilharia provaram ser perfeitamente capazes de destruir fortificações e formações blindadas dos oponentes com relativa facilidade. Porém, uma vez que a luta convencional terminava e começava a insurgência, veículos blindados leves revelaram sua fragilidade contra lança-rojões – RPG – e explosivos improvisados – IEDs – implantados ao longo de estradas.

Carros de combate foram provisoriamente responsáveis por alguns encargos na luta contra insurgência, mas não se mostraram capazes de proteger totalmente a tropa, forçando a criação de nova geração de viaturas blindadas de transporte de infantaria (13), postos em serviço e demonstrando serem muito mais adequados para proteger seus ocupantes.
 
É a simplicidade e a ampla aplicabilidade do conceito – mobilidade, blindagem e poder de fogo – que dá ao carro de combate sua longevidade. Não basta uma arma ser capaz de destruir o carro de combate de modo a torná-lo obsoleto; necessita ser um equipamento capaz de cumprir as mesma missões.

Afinal de contas, no começo do século XX minas navais eram perfeitamente capazes de afundar um encouraçado (14), mas não podiam prover fogo de apoio para forças de desembarque, servirem de centro de comando ou serem deslocadas para demonstrar poder e pressão político-militar. Décadas mais tarde, o que liquidou com os encouraçados foram os porta-aviões, os quais demonstraram durante a IIª Guerra Mundial serem não somente mais letais que os encouraçados, bem como mais flexíveis e capazes do que aqueles.
 
Analistas e teóricos conceituados afirmam, em síntese, “que nada disso sugere que o carro de combate pode simplesmente ser modificado profundamente sem manter sua tecnologia original inalterada. Ao invés de criar novos carros de combate com defesas anti drones, num tempo em que os orçamentos de R&D ( Research and Development ) crescem amplamente, a resposta pode ser doutrinária – aprimorando táticas e possivelmente plataformas que possam de alguma forma proteger os carros de combate de ameaças aéreas.
 
A alternativa é arriscar maiores baixas entre as forças não blindadas e concluir, ironicamente, que é mais racional o desenvolvimento dos carros de combate e dos drones de combate”. (Porto Alegre, novembro/2020)
 
FONTES DE CONSULTA

>https://www.trtworld.com/magazine/a-military-breakdown-of-theazerbaijan-armenia-conflict-40175
> htps://www.forbes.com/sites/sebastienroblin/2020/09/28/turkis
h-drones-over-nagorno-karabakh-and-other-updates-from-a-day-old -war/#3c3df8bd70da

 
NOTAS
 
1. Confirmado pelo site https://www.oryxspioenkop.com/ – 83 no total, sendo 16 Carros de combate, blindados diversos, peças de artilharia e veículos utilitários.

2. https://www.trtworld.com/magazine/a-military-breakdown-of-the-azerbaijan-armenia-conflict-40175

3. https://airandspace.si.edu/stories/editorial/predator-drone-transformed-military-combat

4. https://www.timesofisrael.com/liveblog_entry/azerbaijan-praisesvery-effective-israeli-drones-in-fighting-with-armenia/

5. https://www.theatlantic.com/politics/archive/2010/04/are-tanksobsolete/
341013/

6. https://www.iwm.org.uk/history/the-german-response-to-d-day

7. Samuel Cranny-Evans, Eyes in the Sky Part 1: How the Orlan-10 UAV is shaping Russian artillery ops, International Defence Review, March 2020.

8. Samuel Cranny-Evans, Eyes in the Sky Part 2: Idlib and the Bayraktar TB2 UAV, International Defence Review, April 2020.

9. https://www.washingtonpost.com/world/middle_east/turkey-shoots-down-two-syrian-warplanes-in-growing-conflict/2020/03/01/d0fd189a-5bbe-11ea-ac50-18701e14e06d_story.html

10. https://www.theatlantic.com/politics/archive/2010/04/are-tanks-obsolete/341013/

11. https://nationalinterest.org/blog/buzz/yom-kippur-war-was-deadly-and-highly-mechanized-hell-israel-won-88966

12 . https://www.ausa.org/articles/it?s-past-time-retire-m113

13. https://www.defensenews.com/30th-annivesary/2016/10/25/30-years-mrap-rapid-acquisition-success/

14. https://en.wikipedia.org/wiki/Russian_battleship_Petropavlovsk_(1894)

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