CLUBE MILITAR: A BUSCA DA REPRESENTATIVIDADE PERDIDA

Dezesseis anos atrás publiquei no Informativo CATAVENTO (projeto meu, do Comandante Dario Giordano e do Cel Cabeda) o texto que reproduzido abaixo. A idéia era instigar nos companheiros a necessidade de que se provocassem mudanças no Clube Militar. Leiam e verão o tempo que perdemos. Tempo que não temos mais para perder. E se nada for feito continuaremos expostos a episódios ridículos como este do manifesto abortado.

Péricles

CLUBE MILITAR: A BUSCA DA REPRESENTATIVIDADE PERDIDA


Péricles da Cunha
(Publicado no Informativo Catavento, 5 fev 1996)
 
Em maio elegeremos o novo presidente do Clube Militar. Ilustres companheiros se articulam para ocupar a cadeira que já foi de Deodoro, Hermes e outros que inseriram os militares no debate nacional  de uma forma ordeira, vigorosa e altiva não deixando nunca que interesses corporativos atropelassem os interesses nacionais. Mais, transformaram o Clube em um dos mais importantes fóruns de debate dos problemas nacionais, na primeira metade deste século que acabará dentro de 202 semanas.
Não poderíamos perder a oportunidade de eleger alguém que inicie um movimento de resgate dos militares da situação desconfortável -para não dizer marginal- no debate nacional. Fomos aos poucos sendo alijados por culpa de uma visão enviesada de nossos chefes. A começar por Castelo Branco que transformou nossos generais em tecnocratas ao reduzir o tempo na ativa com medo de novos Cordeiros, Góes Monteiros, Juarez Távoras e, ao retirar os “quatro estrelas” do ápice da carreira militar: embaixador em países do Terceiro Mundo, ministro do STM e presidente de estatal passaram a ser o prêmio para os bem comportados.
O regime militar – militar sim, porque os presidentes eram generais e somente eram eleitos após receberem o aval de o alto comando militar – transformou o Clube no círculo militar da guarnição do Rio. Os que chegaram ao poder, em parte pela continuada mobilização política feita pelo Clube Militar, trataram logo de desativá-lo para que não gerasse outros líderes. Para que não continuassem a pensar, a conspirar pela construção de um Brasil melhor. Uma geração inteira de oficiais foi afastada do Clube e hoje está fazendo falta. A minha geração. Aspirante de 1963, cheguei à tropa com a Revolução de 64 e somente me tornei sócio após a passagem para a reserva, em 1986. Esboroa-se, desta forma a representatividade e, com ela, o poder de negociação.
O Clube Militar não pode continuar sendo o amortecedor onde se neutralizam os anseios políticos daqueles que não deixam que a sua farda abafe no peito o cidadão, como dizia o grande Osório. O Clube deve voltar a ser o grande facilitador da convergência dos anseios dos militares, com a representatividade para participar democraticamente do debate da sociedade organizada.
O presidente deve ser um companheiro que tenha o Clube como um fim e não como um trampolim para satisfazer projeto pessoal. Que lidere uma diretoria preocupada em reconstruir a representatividade perdida, priorizando o político sobre o corporativo. A solução dos nossos pleitos passa forçosamente pelo político. Nunca pelo corporativo. Encontramo-nos nesta situação porque inibimo-nos no jogo político e enveredamo-nos pelo atalho do corporativismo onde perdemos sempre. Simplesmente porque o corporativismo prioriza a parte diante do todo e nós nunca deixaremos que os nossos interesses atropelem os interesses da nação. Perdemos sempre. A “cota de sacrifício” que os generais-presidentes pediam sempre e que nos transformaram nos primos pobres entre os servidores do Estado. Acabamos ficando com o ônus dos 20 anos em que a economia nacional deu um salto para o oitavo lugar no mundo. O bônus ficou com as empreiteiras, os banqueiros e aqueles ratos da política que sabem a hora de mudar de lado.
A primeira providência do novo presidente deveria ser a reformatação de todo o sistema de arrecadação social visando o rompimento do cordão umbilical com as Forças Armadas, materializado pelo canal de consignação. Uma relação adulta com as três forças somente se consolidará com a eliminação deste vínculo que já foi usado como instrumento de pressão.
A segunda seria uma campanha nacional pela formação de um grande quadro social que dote o Clube Militar da representatividade compatível com o seu passado. Desde o cadete até o general, todos sócios, todos pagando no fim do mês o carnê social. Na vida democrática o debate público se dá na sociedade organizada. Nada de desconto em folha que facilita o financeiro, mas engessa o político.  
Enquanto a sociedade se organizava durante o regime militar os nossos chefes tratavam de desarticular e, até mesmo, abortar qualquer iniciativa de organização de classe. Enquanto os civis conquistavam a sua representatividade, começamos, a partir da Nova República, a perder espaço na cena política chegando hoje a uma ridícula posição marginal. Perdíamos representatividade por absoluta falta de visão dos nossos generais que não souberam preparar os militares para o day after do regime iniciado em 64. Em vez de defender a Revolução, preferiram o mais cômodo: estimular o “retorno aos quartéis” virando-se de costas para os problemas nacionais. “Eles que se virem ou nos chamem mais uma vez”. Não só não nos chamaram com estão se olvidando de nós, como mostra a pesquisa da DataFolha : perdemos ano a ano influência e poder diante da sociedade. A simples leitura das notícias comprova esta constatação. Vocês conhecem o Vicentinho? E o Paulinho? Pois estes dois “inhos” servem para mostrar o quanto nos atrasamos.
A exposição do Vicentinho na mídia nacional dá de “dez a zero” em todos os militares juntos. Jornal, rádio e TV. A razão? Porque Vicente Paula da Silva tem representatividade e nós a perdemos. Aí, a explicação para os “rapapés” que FHC faz para o presidente da CUT a mesma CUT cuja bandeira tremula em todas as invasões de propriedades rurais e de prédios públicos, desafiando a ordem instituída. Aquela mesma que o FHC jurou fazer cumprir.
No dia em que se reuniam, governo e sindicalistas para debater a reforma da Previdência, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força Sindical, pegou o telefone e falou com o ministro do Trabalho, com Marco Maciel e ainda tirou FHC da piscina para negociar. Tente o presidente de o Clube Militar telefonar para o Presidente que não passará da telefonista ou, no melhor dos casos, do ajudante de ordens. Qual a representatividade dos presidentes dos três clubes militares, juntos? Uma visita à Brasília só é registrada 60 dias após, em nota na revista do Clube.
Nada a ver com revanchismo. Tudo a ver com falta de representatividade. Quem insistir no revanchismo como causa dos nossos males está totalmente perdido no tempo e envereda para a paranóia. Nada mais nocivo para a solução de um problema do que um diagnóstico errado.
A representatividade política, tão perseguida por nós, foi erroneamente centrada na representação parlamentar. Anos de alienação política – o profissionalismo do “retorno aos quartéis” – fizeram-nos esquecer (ou nunca aprendemos, mesmo) que uma sólida representação política começa por uma sólida base.
Representatividade é a palavra mágica que abre qualquer porta em uma democracia, onde o debate se dá na sociedade organizada, com a predominância daqueles setores que tenham mais representatividade. E representatividade não se ganha, se conquista. Este o maior desafio e o maior compromisso do companheiro que assumir o Clube Militar.

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