MERCOSUL – Dilma defende redes sociais e garantia de segurança na internet

Janaína Figueiredo


MONTEVIDÉU – As revelações de Edward Snowden sobre as ações de espionagem dos Estados Unidos envolvendo vários países da América Latina, informadas pelos GLOBO, e a ação de governos europeus que em 2 de julho passado proibiram o avião do presidente boliviano, Evo Morales, de sobrevoar seus espaços aéreos pela suspeita de que o ex-técnico da CIA estivesse na aeronave, provocaram uma enérgica reação de todos os presidentes do Mercosul e países associados, na cúpula realizada ontem em Montevidéu. Numa resolução contundente, os membros do bloco anunciaram sua decisão de convocar “para consultas os embaixadores acreditados junto aos países europeus envolvidos para que informem sobre os fatos ocorridos”. Em outro documento central do encontro, os chefes de Estado repudiaram “as ações de espionagem por parte de agências de inteligência dos EUA, as quais afetam todos os países da região”.

Após a reunião, a presidente Dilma Rousseff defendeu enfaticamente a necessidade de que sejam adotadas normas relativas à regulamentação da internet, de forma a garantir a segurança cibernética no continente. Para Dilma e os demais sócios do Brasil no Mercosul, é essencial “normatizar (em âmbitos multilaterais como as Nações Unidas) o que pode ser feito em nome do combate ao crime transnacional. Isso é uma coisa, outra é a invasão da privacidade de cada família”.

– É necessário que haja uma discussão a respeito da segurança. Defendo com unhas e dentes as redes sociais como maiores conquistas para a liberdade, livre manifestação e democratização, agora é fundamental que isso não signifique invasão da privacidade por parte do Estado. Não digo entre indivíduos, mas o Estado não pode ser o Grande Olho, o Grande Irmão, aquele que sabe tudo das pessoas, e inibe as pessoas – declarou a presidente.

Dilma voltou a cobrar explicações por parte dos EUA:

– Gostaríamos de ter as nossas explicações, e como já pedimos, vamos desenvolver esse processo de esclarecimentos. O Brasil merece todos os esclarecimentos.

No documento assinado por todos os países do Mercosul, o bloco repudiou “enfaticamente a interceptação das telecomunicações e as ações de espionagem em nossos países, pois constituem uma violão dos direitos humanos, do direito à privacidade e do direito à informação de nossos cidadãos e cidadãs, fazem parte de uma conduta inaceitável e atentatória às nossas soberanias e que prejudicam o normal funcionamento das relações entre as nações”. Os países decidiram, ainda, “trabalhar em conjunto para garantir a segurança cibernética dos Estados Partes do Mercosul”.

Na resolução sobre o incidente com o presidente Morales, o Mercosul, cuja presidência foi entregue ontem à Venezuela, anunciou que respaldará a denúncia apresentada pelo presidente boliviano às Nações Unidas e chamará, em cada um dos países do bloco, os embaixadores de Espanha, França, Itália e Portugal “a efeitos de informar-lhes de nossa decisão”. Paralelamente, o Mercosul elaborará “um protesto formal” e demandará “explicações e as correspondentes desculpas pela situação”.

Dilma: presidentes foram atingidos

Os embaixadores que serão convocados para consultas não têm, ainda, data para retornarem às sedes diplomáticas dos membros do Mercosul nos quatro países europeus. No ano passado, por exemplo, os sócios do bloco chamaram seus embaixadores no Paraguai após o impeachment do presidente Fernando Lugo. No caso do Brasil, o embaixador nunca mais voltou a Assunção.

– Não podemos aceitar isso de nenhuma forma, fere a cada um de nós presidentes que participam dos foros da Celac, Unasul ou Mercosul – disse Dilma.

Morales retornava de uma viagem oficial à Rússia e seu avião foi obrigado a fazer um pouso na Áustria, após ter sido proibido de sobrevoar os espaços aéreos de Itália, França, Espanha e Portugal pela suspeita de que Snowden estivesse no avião presidencial boliviano.

– Os países que me bloquearam não dizem de quem veio a instrução nem qual era o objetivo de tal instrução – disse o presidente Morales.

Para Dilma, foi um ato constrangedor.

– Quando verificaram que não estava, criou-se uma situação constrangedora. Mesmo que ele estivesse, isso não poderia ter acontecido. Não estando, deixa cada vez mais claro que foi uma atitude que não tem respaldo, não foi feito nunca – enfatizou a presidente brasileira.

Já sua colega argentina, Cristina Kirchner, disse que o continente é vítima de uma “nova forma de colonialismo”.

– Podem ser formas mais sutis do que as que conhecemos há dois séculos, mas são novas formas de colonialismo – disse. – Que ninguém se engane: esta não é uma defesa do presidente da Bolívia, isso poderia ter acontecido com qualquer um de nós. Tem a ver com a dignidade de nossos países e nossos povos.

Os países do bloco também selaram uma declaração sobre “o reconhecimento universal do direito de asilo político”, claramente vinculada à situação do ex-agente de inteligência americano, que recebeu ofertas de asilo por parte de governos do Mercosul, entre eles Venezuela e Equador. Os países reafirmaram “que esse direito não deve ser restringido nem limitado em sua extensão em nenhuma hipótese”. Num dos trechos mais fortes do documento, os membros do Mercosul repudiaram “toda tentativa de pressão, intimidação ou criminalização de um Estado ou de terceiros sobre a decisão soberana de qualquer nação de conceder asilo”. O recado foi para a Casa Branca, que nas últimas semanas teria pressionado governos da região, entre eles o do Equador, para que evitassem dar asilo a Snowden.

De acordo com “New York Times”, o Departamento de Estado americano está pressionando os governos para que não seja concedido asilo a Snowden. O próprio vice-presidente americano, Joe Biden, telefonou para o presidente do Equador, Rafael Correa, a fim de transmitir a mensagem da Casa Branca, que teria, segundo o jornal americano, antecipado “consequências duradouras”. O mesmo recado teria sido dado pelas embaixadas americanas a vários governos.

Além dos países membros do bloco, observadores como Chile, Peru e Colômbia também questionaram o impedimento do voo de Morales e se declararam contra a espionagem global feita pelos EUA.

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