Uma saída para a crise: foco na Política, não nos políticos


Por Kristen Sample e Jorge Valladares – Texto do Foreign Policy
 
Tradução, adaptação e edição – Nicholle Murmel

 
Nos últimos anos temos visto mais e mais protestos, talvez mais do que em qualquer outro nomento da História. Da Índia até a Bulgária, passando pelo Brasil, cidadãos foram às ruas para expressar sua frustração. Segundo pesquisa do do International Institute of Democracy and Electoral Assistance (nternatinal IDEA),  não é surpresa que boa parte dessas manifestações (58%) sejam por causa de questões econômicas, mas a raiva por conta da falha de representatividade política não fica muito atrás (45%). As pessoas declaram em voz alta que esperam melhores resultados por parte de seus representantes. Sendo assim, o que um político deve fazer para atender a essas demandas?
 
Não há solução rápida, mas há soluções. A pesquisa mostra que políticos que servem aos cidadãos assumindo compromissos com políticas de abrangência nacional – os chamados programáticos – têm mais chance de alcançar mudanças do que aqueles que confiam em relações de patronagem, componentes étnicos ou puro carisma.
 
Países com sistema de partidos programáticos são mais bem-sucedidos na reforma de setores públicos, desenvolvem governos mais fortes e políticas públicas de qualidade. São mais capazes também de implementar medidas mais elevadas para o crescimento econômico, inclusão social, eficiência estatal, mecanimos de regulação, combate à corrupção e empoderamento das mulheres.
 
A mesma pesquisa explica como crises econômicas, capacidade estatal, urbanização, questões étnicas, design institucional, oposição política e líderes hábeis podem facilitar o redirecionamento de um país rumo a uma política menos voltada aos atores e mais às ações.
 
Crises vêm acompanhadas de oportunidades  
 
O engajamento inicial não é fácil. Esse tipo de administração tem pouco apelo para os “caudilhos” que preferem políticas de patronage ou baseadas em identificação pessoal. Ainda que certos macro-fatores propiciem a trasição de um país, liderança e desisões são cruciais. Considere, por exemplo, as respostas políticas extremamente diferentes para crises econômicas recentes na Argentia e na Coreia do Sul.
 
Ambos os países tiveram economias vibrantes nos anos 1990 até que de repente a situação não era mais essa. As duas nações foram atingidas por reviravoltas econômicas em 1997 e 2001, respectivamente, e os efeitos foram rápidos e bem familiares: desvalorização da moeda, aumento agudo de desemprego, empréstimos e protestos massivos nas ruas. Eleitores em ambos os páises mostraram aos políticos da época a porta da rua. Na Coreia do Sul, o líder da oposição venceu em eleições gerais depois de apenas dois meses de crise. Na Argentina, quatro presidentes passarm pelo cargo ao longo de dois anos.
 
Quando a cise bateu, nenhum dos países tinha um histórico sólido de democracia. Seul havia experimentado uma democracia intermitente desde o fim da Guerra da Coreia, e governos autoritários se revezaram em Buenos Aires até 1983. É importante também lembrar que os dois países eram marcados por clientelismo enraizado e sistemas institucionalizados de apadrinhamento. Fosse pela formação de coalizões com conglomerados empresariais ou pela cooptação de sindicatos e organizações comunitárias, a classe polítca dependia de redes intrincadas de clientes para manter seu sucesso.
 
Porém, o caminho pós-crise da Coreia do Sul diverge fortemente da Argentina. O candidato da oposição, Kim Dae-jung, concorreu à eleição com uma plataforma claramente articulada, que apresentava reformas universais no sistema de bem-estar social, incluíndo pensões nacionais e seguro sáude. Esses desdobramentos levarm ao realinhamento político vertiginoso e ajudaram a legitimar um novo partido. A Argentina, por outro lado, desperdiçou as oportunidades de mudança que vieram com a crise – ao menos no que se refere às instituições políticas. De 2003 a 2007, o governo de Néstor Kirchner conseguiu tirar o país da crise econômica através de um modelo de crescimento voltado à exportação e que confiava no boom dos commodities e em uma taxa de câmbio favorável.
 
Mas Buenos Aires não tem uma tradição de política programática. A plataforma de governo de Kirchner em 2003 tinha apenas três páginas, e ele não aproveitou seu tempo na Casa Rosada para colocar em prática os tipos de programas de redução da probreza vistos no Brasil e no Chile, e nem assegurar que as instituições mantivessem a paz com os países vizinhos. Em vez disso, os políticos argentinos confiaram em subsídios e assistências com a distribuição de benefícios, cargos públicos e outros favores ao longo da rede de contatos do partido.

O momento de crise e mudança desencadeou na Coreia do Sul um deslocamento em direção à política pautada por programas. Eleitores questionaram o staus quo e muitos depositaram sua fé no Partido Democrático do Milênio. Trata-se de um caso clássico – quando um partido governante encara pressões para reforms, líderes de oposição procuram fornecer alternativas programáticas. Outro exemplo é o caso ocorrido no Brasil, em que as crises econômicas dos anos 1980 e 1990 deram precedente para uma visão programática, da qual se apoderaram o PSDB de Fernando Henrique Cardoso e o PT de Lula.

Condições em escala macro também podem ser catalizadoras dos partidos programáticos. A mais crucial é a capacidade estatal suficiente para a implementação de políticas públicas e entrega dos serviços. O funcionalismo público sólido da Coreia do Sul, forjado ao longo de 25 anos de governo autocrático, deixou o país bem posicionado para fornecer serviços uma vez que a crise econômica alavancou as tendências programáticas. O governo foi capaz de aproveitar esse aparato estatal para entregar à população bens sociais que, em resposta, tornaram os partidos mais credíveis.
 
Governar para todos
 
Outros elementos que suportam políticas orientadas por programas são a urbanização e as questões étnicas. À medida em que as cidades crescem, a alta densidade demográfica favorece o acesso em larga escala aos serviçoes públicos, acelera o fluxo de informações e geralmente significa menos analfabetismo. Esses aspectos aumentam a receptividade dos eleitores à políitca programática. Questões étnicas também pareceram contribuir para o crescimento de partidos “étnico-programáticos” em países como Zambia e Índia.
 
Em Zambia, o a frente Patriótica chegou ao poder em 2011, fortemente apoiada pelo grupo étnico rural falante do dialeto Bemba, ao mesmo tempo em que se comprometeu a entregar políticas universais que beneficiariam outras etnias e também eleitores nas cidades. As eleições recentes na Índia também podem ter sinalizado para uma forma de política “além da casta”. Pesquisas pré-eleitorais mostraram que para os eleitores questões como crescimento econômico, inflação e corrupção eram centrais. Partidos e atores-chave como o atual primeiro ministro Narendra Modi e seu Partido Bharatiya Janata fizeram campanhas enfatizando questões similares, mas o partido de Modi só lançou oficialmente seu programa de governo em 07 de abril, dia da primeira rodada de votos.
 
Ainda que os fatores apresentados acima sejam de escala macro e difíceis de influenciar, partidos de oposição podem trabalhar com as “regras do jogo” para tentar redirecionar a política. Líderes programáticos atraem seguidores de pensamento semelhante, que demandam vias de discussão acerca dos objetivos políticos que fazem a “marca do partido”. Regras como a seleção democrática de candidatos oferecem boas oportunidades. Não é coincidência que os dois principais blocos políticos no Chile – que, como o Uruguai, tem um dos sistemas partidários mais programáticos na América Latina – realizaram ao mesmo tempo a escolha dos candidatos para as eleições presidenciais de 2013. Já o Brasil aprofundou suas tendências programáticas em 2002, quando eliminou a prerrogativa do “candidato nato”, que garantia aos políticos lugar na chapa de seu partido para as eleições seguintes.
 
O papel da oposição no redirecionamento político
 
Grupos de oposição tendem a construir sua base de eleitores com promessas de políticas programáticas. Partidos como a Frente Liberal Nacional Farabundo Marti, em El Salvador, oPartido Social Democrático (PSD) e o Partido dos Trabalhadores no Brasil, e a Frente Amplio no Uruguai passaram longos anos como oposição. Não tendo acesso às vantagens de estar no governo, essas organizações começaram a desenvolver posturas distintas acerca de políticas nacionais, o que mobilizou potenciais eleitores. Estar do lado de fora do governo também dá à oposição um incentivo para buscar novas bases eleitorais.
 
Grupos da sociedade civil podem dar aos partidos uma lista já pronta de demandas para as quais se pode formular políticas programáticas, além de uma base de eleitores e uma infraestrutura organizacional. Porém, mesmo com todas as condições ideais e incentivos, políticos com essa orientação programáticoa precisam ser eleitos. A destreza e a elegibilidade de figuras como Fernando Henrique Cardoso e Lula no Brasil são tão essenciais quanto o clamor do eleitorado por uma política mais prática.
 
A pesquisa do International IDEA não revela nenhum caminho fácil para desenvolver um partido e políticas programáticas. Mas há várias lições que as organizações podem manter em mente para servirem melhor aos seus cidadãos. Primeiro, devem começar com os “frutos nos galhos mais baixos” – se concentrar em setores, políticas e bens para os quais o aparato estatal está melhor preparado no momento. É preciso encontrar quais seções do governo têm a maior capacidade de entregar bens e serviços, Quais ministérios e secretarias têm a estrutura mais competente? Quais setores recebem mais verbas? A entrega bem-sucedida e rápida de serviços reforça a confiança dos cidadãos na capacidade do governo para cumprir com seus programas.
 
Os partidos também devem se esforçar para desenvolver plataformas e “marcas” em torno de áreas políticas significativas para os eleitores. Devem enfatizar posicionamentos que sejam distintos em relação aos concorrentes, e comunicar esses posicionamentos de forma coerente com a ideologia em todos os níveis da organização. Outro aspecto importante é o desenvolvimento de alianças com representantes da sociedade civil e movimentos sociais associados às causas defendidas pelo partido, e também com membros do Judiciário.
 
Esses laços constroem a credibilidade do partido e sua capacidade de concretizar as mudanças necessárias. Também é crucial que os líderes dos partidos engagem membros em níveis mais locais para os debates internos, esse tipo de mobilização pode atrair mais mebros politicamente motivados. Essa comunicação é cada vez mais viável pelas plataformas eletrônicas como o projeto GPS Politico, no Peru.
 
Em caso de declínio econômico, alianças em todos os níveis de governo podem ajudar um partido a responder depressa e de forma repsonsável. Nessas situações, os grupos devem se concentrar em elaborar e anunciar plataformas anti-crise que estabeleçam equilíbrio entre respostas de curto e longo prazo. Para assuntos econômicos ou não, os organizadores dos partidos podem colaborar com setores civis ligados às questões relevantes, como movimentos sociais ou grupos de interesse.
 
Todos esses esforços devem vir acompanhados de compromisso com a transparência nas finanças do partido para reduzir o risco de perder influência na formulação de políticas. As instituições partidárias devem angariar e exibir essa transparência se valendo das novas tecnologias para financiamento coletivo, rastreio e comunicações.

Reformistas em potencial devem se sentir encorajados pela pesquisa da International IDEA, que mostra que partidos podem promover desenvolvimento, mesmo sob circunstâncias aparentemente adversas. Essas experiências relatadas em países variados podem guiar organizações políticas na elaboração de seus próprios mapas para democracias mais fortes e desenvolvimento sustentável.

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