CHINA – PIB deve desacelerar para 3 a 4 por cento por ano na próxima década


Nelson Ching/Bloomberg News

Os analistas preveem que a economia chinesa vá desacelerar para algo entre 5% e 7% de crescimento anual na próxima década. No entanto, o senhor alega que precedentes históricos sugerem uma redução mais forte no crescimento. Qual é sua projeção para o PIB chinês na próxima década?

Se a transição econômica for bem administrada, não acredito que a média de crescimento do PIB chinês na próxima década possa exceder 3% ou 4%. Isso pressupõe um crescimento anual na renda das famílias de 5% a 6%, o que não é ruim para as pessoas comuns; e um crescimento dos investimentos perto do zero, o que é terrível para os produtores de commodities minerais e metálicas.

O senhor alega que, historicamente, países que desfrutaram um milagre de crescimento baseado em investimentos tiveram mais dificuldades em ajustar suas economias do que o previsto no início desse ajuste, como no caso da década perdida do Brasil (após o milagre dos anos 70), da depressão japonesa ou do colapso da antiga União Soviética. A China é a segunda maior economia do mundo e tem uma população de 1,3 bilhão. Qual será o impacto, para o mundo, do reequilíbrio da China?

O Japão também era a segunda maior economia do mundo quando começou seu ajuste e respondia por uma parcela da demanda global que era o dobro da chinesa atual. Então, o que está ocorrendo hoje na China não é novidade. Se for bem conduzido, será bom para a China, porque vai significar um crescimento menor, porém mais sustentável, pois será calcado num aumento da parcela do consumo no PIB. E também será bom para o mundo, porque a China vai proporcionar mais demanda para a economia global.

Os EUA ainda não se recuperaram da crise financeira de 2008, a Europa está se esforçando para fazer o euro sobreviver, e a economia japonesa ainda patina. Com um freio tão brutal na China, onde a economia global encontrará demanda para sustentar seu crescimento?

Não vai encontrar e, na verdade, provavelmente a situação será pior. Os EUA estão se ajustando lentamente, e sua taxa de poupança está subindo – o que é bom para os Estados Unidos, mas não necessariamente é bom para o mundo a curto prazo. Mas temos ainda dois problemas maiores. Em primeiro lugar, a crise na Europa só começou e não chegará ao seu estágio final até que vários países, inclusive a Espanha, onde eu nasci, sejam forçados a reestruturar suas dívidas e, provavelmente, a deixar o euro. Em segundo lugar, a China ainda não fez seu ajuste. Na verdade, ela andou para trás, ao adotar um grande programa de investimentos entre 2009 e 2011 (como reação à crise financeira de 2008). O boom de investimento chinês ajudou a mitigar a queda no consumo dos EUA e da Europa, mas como o propósito último do investimento hoje é servir ao consumo de amanhã, e o consumo não vai voltar, podemos esperar que o avanço menor dos investimentos no futuro vá exacerbar o freio no consumo.

Após a crise de 2008, a expansão dos países emergentes evitou uma queda maior na economia global e, na ocasião, surgiu a tese do "descolamento" (pela qual os países em desenvolvimento não dependeriam mais da expansão dos ricos). O senhor sempre foi crítico dessa tese. Agora, com o freio na Europa e a iminência do abismo fiscal nos EUA (o risco de serem retirados os estímulos fiscais da economia americana), os emergentes poderão compensar o fraco crescimento global sem a ajuda da China?

Com a China e a Ásia desacelerando rapidamente, ficou muito claro que toda a tese do descolamento era nonsense . Sem um significativo incremento do consumo nos EUA e na Europa, muito do aumento do investimento nos emergentes se mostrará sem sentido.

O PIB chinês pode estar crescendo abaixo das taxas oficiais?

Não creio que existam muitos economistas que não desconfiem que o crescimento real da China em 2012 é bem menor do que o informado oficialmente. É muito difícil conciliar crescimento de 7% a 8% (estatística oficial) com uma alta bem menor no consumo de energia e no fluxo de carga e, ainda, com relatos de problemas de liquidez no mercado de crédito.

Enquanto a China está saindo de um modelo baseado em investimentos para um crescimento mais puxado por consumo, o Brasil tenta fazer o caminho inverso, com o governo brasileiro tentando estimular os investimentos públicos e privados em infraestrutura. O que é mais fácil?

Nenhum dos dois é fácil se for feito da maneira adequada, mas os políticos sempre acham mais fácil aumentar os investimentos, já que mais investimentos geram empregos e crescimento a curto prazo. E, desde que o dinheiro não seja gasto em investimento desnecessário ou em desvios, também é melhor, porque gera crescimento de longo prazo. Mas o Brasil precisa ser muito racional sobre de que tipo de investimento em infraestrutura o país precisa. O objetivo dos investimentos em infraestrutura deve ser aumentar a produtividade dos trabalhadores num patamar superior ao aumento da dívida (que financia esses investimentos). Não se deve buscar um aumento da capacidade manufatureira, porque o mundo estará saturado, por muitos anos, por um fraco crescimento da demanda.

Em artigo recente, o senhor prevê um colapso no preço das commodities até 2015 e diz que a China poderá deixar de ser compradora para ser vendedora líquida de matérias-primas ao se desfazer de estoques. Qual é o cenário para o minério de ferro?

A China não vai vender minério de ferro porque minério de ferro é muito difícil de estocar, então não há grandes estoques especulativos. Mas há certamente uma enorme quantidade de aço, cobre, soja e muitas outras commodities estocadas na China. A demanda chinesa continuará caindo, e isso vai afetar os preços das commodities .

Com a China crescendo mais baseada no consumo das famílias, as commodities agrícolas podem ter um bom desempenho, ao contrário das matérias-primas metálicas, afetadas pelo freio nos investimentos em infraestrutura?

Sim, mas depende de como o reequilíbrio da China vai ocorrer. Desequilíbrios são gerados quando o investimento cresce a taxa muito mais rápida do que o PIB, enquanto o consumo das famílias avança em ritmo mais lento. Para fazer o ajuste, é preciso inverter essa relação. Se o processo for administrado corretamente, mesmo uma forte queda no crescimento médio do PIB não vai resultar num forte freio no consumo das famílias. Neste caso, seria bom para os preços de alimentos.

Quais são os desafios para um grande produtor de commodities como o Brasil, neste cenário do Grande Reequilíbrio chinês? Na sua opinião, os grandes produtores de commodities estão a par do quanto Pequim está disposta a reequilibrar a economia chinesa?

Eu tenho me surpreendido sobre o quão pouco e com tanto atraso os maiores produtores de commodities estão se dando conta dos problemas na China. Desde o ano passado, o assunto tem sido mais discutido, porém eu me preocupo com o fato de que muitos serão surpreendidos (pelo freio na economia chinesa).

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