Suspeita de acordo secreto Embraer-Bombardier

Jamil Chade e Raquel Landim


Telegramas secretos da diplomacia americana, publicados pelo grupo WikiLeaks, revelam novos bastidores da guerra comercial entre Brasil e Canadá em torno dos subsídios ao setor aéreo. Segundo os documentos, os Estados Unidos acreditavam que Embraer e Bombardier só resolveram a disputa após selar um acordo de cavalheiros em que dividiram encomendas. A fabricante brasileira nega, enquanto a canadense não comenta.

A preocupação dos EUA não era com a defesa do livre comércio, mas com os interesses da americana Boeing e como a empresa poderia ser afetada pelo suposto "duopólio". Os telegramas, aos quais o Estado teve acesso, também evidenciam a percepção da diplomacia dos Estados Unidos sobre os vínculos estreitos entre empresas e governos no setor de aviação.

A disputa entre Bombardier e Embraer é uma das maiores guerras comerciais em que o Brasil já esteve envolvido. Para apoiar as empresas, os governos brasileiro e canadense se acusaram mutuamente na Organização Mundial de Comércio (OMC). Iniciados em 1996, os processos se arrastaram por sete anos e só terminaram quando ambos os países foram condenados a modificar os programas de apoio à exportação de aeronaves.

Nos EUA, porém, não prevaleceu a versão de que a guerra acabou com fim dos subsídios ilegais. Em um telegrama enviado em 4 de agosto de 2005, a embaixada americana em Ottawa, no Canadá, relata o caso ao Departamento de Estado e diz que "a disputa só esfriou em 2002-2003 com uma paz negociada. Bombardier e Embraer dividiram encomendas importantes da US Airways e da Air Canadá".

Dois anos antes, em 7 de novembro de 2003, outro telegrama do consulado americano em Montreal tocaria no mesmo ponto. "Os rumores são de que tanto a Bombardier como a Embraer teriam dado um forte desconto no preço de compra de seus aviões em uma encomenda de 170 jatos no valor de US$ 4,3 bilhões pela US Airways", diz o documento. "A encomenda, anunciada em maio, foi dividida entre as duas fabricantes de aviões".

Leviandade. Procuradas pelo Estado, Embraer e Bombardier reagiram à divulgação dos documentos. "Isso é um absurdo, uma leviandade. Nunca sentamos para conversar com a Bombardier", afirmou o presidente da Embraer, Frederico Curado. "Não comentamos discussões entre governos", disse Haley Dunne, porta-voz da Bombardier, em Montreal. A empresa também não discute telegramas vazados pelo grupo WikiLeaks.

Segundo Curado, que era vice-presidente comercial da Embraer no período da disputa, a companhia ficou com a maior parte das encomendas da Air Canadá e todos os fornecedores concederam descontos a US Airways, que atravessava uma concordata. Para a Air Canadá, Embraer e Bombardier venderam, cada, 15 aviões com capacidade para 90 passageiros. A Embraer entregou mais 45 aeronaves de um modelo maior, que a Bombardier não produzia na época.

"Isso é uma fantasia. Não temos concorrentes, temos inimigos", afirmou Maurício Botelho, presidente do conselho de administração da Embraer. Botelho comandou a companhia por 12 anos, inclusive no período da briga na OMC. "Nunca soube de um acordo. Não faz sentido", disse Luiz Felipe Lampreia, que foi ministro das Relações Exteriores entre 1995 e 2001. Ao deixar o governo, ele integrou o conselho de administração da Embraer.

Duopólio. O relato dos funcionários da embaixada dos EUA no Canadá sobre os bastidores da disputa não tinha como meta a denúncia de práticas supostamente ilegais. O objetivo era alertar Washington de que a Boeing enfrentaria problemas se um acordo entre Bombardier e Embraer para dividir o mercado fosse também aplicado para jatos com mais de 100 lugares.

Em 2005, quando o telegrama foi escrito, a Bombardier anunciou que produziria aviões desse porte, concorrendo com os menores modelos da Boeing. A Embraer já estava no segmento e obrigava a canadense a se posicionar para não perder espaço. "Mesmo se Boeing e Airbus cederem essa parcela do mercado, como é que Bombardier e Embraer administrariam o duopólio resultante?", questionam os diplomatas. "Será que vão continuar a induzir clientes a dividir as maiores encomendas entre elas?". O Departamento de Estado dos EUA não se manifestou.

PARA LEMBRAR

WikiLeaks é uma organização online que divulga documentos secretos de governos ou empresas, fornecidos por fontes que querem manter o anonimato. Seu principal editor e porta-voz é o australiano Julian Assange. Ao longo de 2010, o WikiLeaks publicou vários documentos secretos do governo dos Estados Unidos, que tiveram grande repercussão. Em novembro de 2010, publicou vários telegramas secretos de embaixadas e do governo americano. Dois dias depois, a pedido da Justiça da Suécia, a Interpol distribuiu uma ordem internacional de prisão para Julian Assange por estupro e violência sexual.

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