Santos afasta 2 militares por espionagem a diálogo de paz

ELISA MARTINS 
 
Encaradas como um esforço promissor e inédito em 15 anos, as negociações de paz do governo colombiano com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) ganharam atenção dentro e fora do país. E, aparentemente, despertaram também uma operação secreta para obter informações privilegiadas do processo. A revista colombiana “Semana” revelou que membros da Inteligência militar interceptaram comunicações de membros da delegação governista que dialogam – a portas fechadas em Havana – com guerrilheiros das Farc desde outubro de 2012. A denúncia derrubou dois altos comandantes militares e espalhou preocupações sobre uma sabotagem das negociações. 
 
De acordo com a “Semana”, os celulares do negociador-chefe do governo, Humberto de la Calle, do alto comissário de Paz, Sérgio Jaramillo, e do diretor da agência colombiana para a reintegração, Alejandro Éder, foram espionados. Também teriam sido bisbilhotados os aparelhos de políticos esquerdistas relacionados às negociações, como a ex-senadora Piedad Córdoba. Segundo a revista, foram coletados dados de mensagens de texto e ligações. A base de operação das escutas ilegais era um escritório da Inteligência do Exército em Bogotá que tinha um restaurante e uma escola de informática de fachada. 
 
O presidente Juan Manuel Santos, que aposta nas negociações com as Farc como bandeira política para sua reeleição nas eleições de maio, não demorou a sugerir que “forças ocultas” estão tentando sabotar o esforço de encerrar cinco décadas de um conflito que já deixou mais de 200 mil mortos no país. E ordenou a abertura de uma investigação. 
 
– Não é aceitável de nenhum ponto de vista usar a Inteligência contra cidadãos comuns e menos ainda contra autoridades do Estado – repreendeu Santos. 
 
As revelações causaram o afastamento do chefe de Inteligência do Exército e do diretor da Central de Inteligência Técnica do Exército Nacional, anunciado pelo ministro da Defesa, Juan Carlos Pinzón, “enquanto as investigações avançam”. O local onde aconteciam as escutas foi aberto um mês antes do início das conversas com as Farc, em setembro de 2012, e fechado há 15 dias pelas autoridades. Mas só agora o caso veio à tona. 

 
Interesse do narcotráfico
 
Esse é o primeiro escândalo de espionagem desde que a agência de Inteligência do governo, a DAS, foi fechada, em outubro de 2011, depois de revelações de escutas telefônicas durante o governo de Álvaro Uribe (2002-2010). Uribe, aliás, foi citado pelas Farc como autor dos grampos. O negociador-chefe da guerrilha, Iván Márquez, disse que as Farc também foram espionadas.
 
– Uribe está por trás disso, não esqueçam que ele é o inimigo público número um da paz na Colômbia – acusou Márquez.
 
Candidato a senador nas eleições locais de março, Uribe negou ter qualquer relação com o escândalo. Ele travou uma guerra sem precedentes contra a guerrilha durante seu mandato, e tem sido um crítico ferrenho do processo de paz liderado por seu ex-ministro da Defesa, Santos. Acredita-se que, mesmo afastado da Presidência, Uribe mantenha certo acesso a informações das forças militares. Mas especialistas colombianos têm sido cautelosos em cravá-lo como o mandante das escutas.
 
– Há setores economicamente fortes interessados em bloquear o processo de paz e mostrar que existem fraturas no Exército. Não acho que seja Uribe, porque em sua campanha ele tem apoiado o fim do conflito, embora sem concessões às Farc. Não lhe conviria se expor assim à beira das eleições. Quem mais perde com o processo de paz é o narcotráfico, que pode ter usado seu poder para infiltrar-se nas forças de segurança e gerar um ambiente de tensão. Afinal, com o avanço nas negociações, ele perderia a proteção das Farc – opina o analista político Pedro Medellín.
 
O especialista ressalva que só as investigações poderão esclarecer o caso. Mas destaca que o escândalo não deve colocar o diálogo com as Farc em risco:
 
– Pode até ajudar. Os envolvidos no diálogo podem usar o fato para reforçar que é preciso consolidar o processo de negociação. (Com agências internacionais)

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