Rota de fuga


RAMONA ORDOÑEZ E BRUNO ROSA

 
De ladrão de galinha a petróleo. A maior crise da história do país tem levado a um aumento exponencial do roubo de cargas em geral. Para reduzir perdas, empresas de diferentes setores e portes foram obrigadas a rever procedimentos e adotar estratégias como a criação de departamentos próprios de inteligência, articulação com ministérios públicos e forças policiais. Esse investimento — para assumir parte das responsabilidades que caberiam à segurança pública — acaba, em muitos casos, reduzindo a competitividade das companhias, e é sentido no bolso do consumidor.
 
Pesquisa recente da Firjan indica que número de casos de roubo de cargas no Brasil nos últimos seis anos pulou de 12.124 para 22.551, alta de 86%. No ano passado, a região Sudeste representou 90,1% desse total — ou seja, 20.318 casos. Até o roubo de petróleo bruto, que circula nos dutos da Petrobras, entrou na mira das quadrilhas. Outros itens são energia elétrica, cigarro, alimentos, bebidas alcoólicas, produtos farmacêuticos, roupas e eletroeletrônicos… Em alguns casos, como o da Light, a equipe de 700 funcionários dedicados exclusivamente a cuidar dos “eletro traficantes” vai aumentar 30% somente neste ano.
 
PETROBRAS CRIA DISQUE-DENÚNCIA
 
Com mais investimentos em segurança, os produtos chegam aos consumidores 12,35% mais caros, principalmente nas regiões metropolitanas de Rio, São Paulo, Belo Horizonte e Brasília, afirmou Riley Rodrigues de Oliveira, da Gerência de Estudos de Infraestrutura da Firjan. No caso dos remédios, os preços têm alta de até 30%; e os de eletroeletrônicos, de até 35%.

— Está todo mundo investindo em segurança no transporte de cargas. O custo de gerenciamento do risco do transporte representa 12,35% do seu faturamento, com escoltas, centros de controle e novas tecnologias. Isso é repassado para os preços finais dos produtos — destacou Riley Rodrigues ao lembrar que, desde março, as seguradoras se recusam a fazer seguro de produtos farmacêuticos em todo país.
 
Nem o petróleo bruto da Petrobras escapa. Segundo cálculos da própria estatal, os prejuízos com furtos em dutos de petróleo e combustíveis chegaram a R$ 33 milhões somente no ano passado, quando foram contabilizadas 73 ocorrências, um crescimento exponencial em relação às 14 registradas em 2015. A estatal estima que, caso não adotasse ações específicas, o total de roubos poderia chegar a 150 ocorrências neste ano. De janeiro até agora, já foram registradas 60 ações criminosas.
 
Entre essas mudanças, iniciadas com a gestão de Pedro Parente, foi a chegada de Regina de Luca, que foi secretária nacional de Segurança Pública de 2011 a 2016, para cuidar da área de segurança interna da estatal. Com uma malha de quase 30 mil quilômetros de extensão, a companhia decidiu criar uma nova sistemática: iniciou uma articulação com o Ministério Público e com as polícias para troca de informações. A parte operacional dos dutos continua a cargo de sua subsidiária, a Transpetro.
 
— A gente sentiu a necessidade de se articular porque nossa competência só vai até a coleta de informações. O que se fazia era denunciar depois de o crime acontecer. O que nós queremos é trabalhar preventivamente. Hoje, é possível controlar os dutos à distância, com um Centro Nacional de Comando e Controle. É por automação. Quando a pressão do duto baixa, é sinal de que pode estar acontecendo algum vazamento ou roubo. Agora, junto com a polícia, o objetivo é fazer uma ação articulada, buscando o delito em flagrante, para pegar não só quem está fazendo o furo, mas também buscar o chefe da quadrilha — disse Regina.
 
O impacto financeiro — considerado alto para a área, destacou Regina — forçou a Petrobras a criar uma espécie de disque-denúncia (com o número 168). A executiva lembrou que a maior parte das perdas decorre dos gastos com os reparos nos próprios dutos:

— Do prejuízo de R$ 33 milhões, o custo com reparo e vigilância somou R$ 19,4 milhões, maior que os R$ 13,9 milhões com o combustível e o petróleo furtados. Esse tipo de furto põe em risco a segurança das pessoas.

Edson Vismona, presidente executivo do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco) destacou que o investimento das empresas em segurança tende a aumentar:
 
— A segurança passou a fazer parte da estratégia das empresas. Com o volume crescente do roubo de cargas, as empresas tiveram seus custos aumentados, tendo em vista as medidas preventivas que tiveram de assumir, inclusive para atender a exigências de seguradoras. As empresas estão procurando diminuir os enormes prejuízos.
 
LIGHT COMBATE‘ ELETRO TRAFICANTES’
 
Na Light, o furto de energia forçou a companhia a investir em tecnologia, selar parceria com universidades e capacitar funcionários para detectar os chamados “gatos”. Só no ano passado, a concessionária responsável pelo fornecimento no Rio de Janeiro e outros 30 municípios na Região Metropolitana destinou cerca de R$ 600 milhões em ações para prevenir os prejuízos com roubo de luz, que causa perdas anuais de R$ 2 bilhões. De acordo com estimativas da companhia, cerca de 40% da energia distribuída são furtados, quantidade que daria para abastecer um estado como o Espírito Santo.
 
Mas o retrato mais alarmante do atual cenário é o tamanho da equipe responsável por combater o problema: são 700 funcionários, diz Rainilton de Andrade, superintendente de Recuperação de Energia. E, para 2017, a meta é aumentar esse contingente em cerca de 30%. Isso porque, diz ele, há o furto visível e o que usa tecnologia, com a instalação de chips dentro do medidor operado por controle remoto.
 
— Há os “eletro traficantes”, que desenvolvem tecnologias para roubar a energia. Por isso, estamos atuando em várias frentes, fazendo parcerias com faculdades, por exemplo. Nossa equipe é especializada em identificar o furto de energia. Estamos investindo, cada vez mais, na qualificação técnica e fazendo ações conjuntas com a polícia. Antes, o nosso foco era no combate. Hoje, a atuação é mais ampla, envolvendo a comunicação e o jurídico — disse Andrade.
 
RISCO DE FALTAR ATÉ GALINHA
 
O varejo é um dos setores mais afetados, apontam consultores. De acordo com o presidente da Associação de Supermercados do Estado do Rio de Janeiro (Asserj), Fábio Queiroz, as empresas vêm adotando medidas para aumentara segurança. Com a alta dos furtos, diz ele, corre-se o risco de desabastecimento de alguns produtos como galinhas, carnes, entre outros, porque os fornecedores não querem mais fazer as entregas. O problema afeta tanto o transporte de carne congelada quanto o de animais para abate. O executivo lembrou que, de 2013 a 2016, o número de cargas roubadas dos supermercados no Estado do Rio triplicou, passando de pouco mais de 3.000 para 9.870 roubos.
 
— Com o aumento do roubo de cargas, muitas empresas seguradoras já se recusam afazeres se tipo de seguro quando é para o Estado do Rio. Isso impacta em até 35% o preço de alguns produtos. O risco de desabastecimento é grande. Em condições iguais, os fornecedores preferem entregar em outros destinos do que no Estado do Rio — afirmou Queiroz.
 
Mas não são apenas os supermercados. Varejistas como DeMillus, Decathlon e World Tennis decidiram recorrer a empresas terceirizadas como a EasyPostp para entregar seus produtos, sobretudo em áreas consideradas de risco. Criada em 2014, a EasyPost investiu na criação de terminais automatizados em áreas próximas a favelas. Pelo sistema, o cliente, ao comprar o produto pela internet, pode escolher o local para retirar o item.
 
— Investimos R$ 18 milhões para ter 300 terminais. Já temos 21 em operação. Estamos fechando parceria com o BRT, para ampliar os locais de entrega. A meta é chegar a 3 mil terminais até 2020, sempre em locais onde há segurança, como dentro de supermercados e shoppings. O objetivo é otimizar o processo de entrega — destacou João Mendes, diretor de Produtos e um dos fundadores da EasyPost.

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