MRAI – Fábio C. Pereira – Parte II (Justificativa do Projeto, Capítulo I e Capítulo II) – O Marco Regulatório da Atividade de Inteligência

Nota DefesaNet

DefesaNet lança a análise do Marco Regulatório da Atividade de Inteligência  produzidas pelo Especialista em Inteligência Estratégica e Defesa Nacional Fábio Costa Pereira.

Parte I (Introdução) – O Marco Regulatório da Atividade de Inteligência

Parte II (Justificativa do Projeto, Capítulo I e Capítulo II) – O Marco Regulatório da Atividade de Inteligência

Parte III – O Marco Regulatório da Atividade de Inteligência

Parte IV – O Marco Regulatório da Atividade de Inteligência

Parte  V – O Marco Regulatório da Atividade de Inteligência

Parte  VI Final – O Marco Regulatóorio da Atividade de Inteligência

O texto na íntegra do Projeto de Lei nº 2719/2019, pode ser acessado em Link

O Editor

O Marco Regulatório da Atividade de Inteligência – Parte II (Justificativa do Projeto, Capítulo I e Capítulo II)

Fábio Costa Pereira

Especialista em Inteligência Estratégica e Defesa Nacional

I.  Considerações iniciais

Após a publicação, na semana passada, do texto que deu início à série de análises sobre o Marco Regulatório da Atividade de Inteligência no Brasil, foi proposta, pelo Senador Plínio Valério (PSDB/AM), em 23 de março de 2022, a segunda emenda ao projeto, para o fim de incluir, entre o rol de legitimados a exercerem a atividade, as Unidades de Inteligência Fiscal participantes do Sistema de Inteligência Fiscal, adindo, ao artigo 5º, o inciso XX.

Na ótica do proponente da emenda, as Unidades de Inteligência Fiscal, enquanto integrantes de um sistema permanente de compartilhamento de conhecimentos, o Sistema de Inteligência Fiscal, têm muito a contribuir com a Atividade de Inteligência no Brasil, ampliando e capilarizando a troca de informações sensíveis e de interesse público. Pelo que, no seu entendimento, devem constar no artigo 5º da Lei [1]

De qualquer sorte, como afirmado no artigo anterior, a apresentação de uma ou apenas duas emendas a um projeto tão importante quanto o PL nº 2719/19 afigura-se como insuficiente, merecendo maior atenção dos legisladores.

No presente artigo, feitos os necessários esclarecimentos, dois distintos pontos do Projeto de Lei serão analisados: a Justificativa do projeto e o Capítulo I, que apresenta as Disposições Gerais do texto legal.

II.  Da Justificativa do Projeto

O Projeto de Lei que estabelece o Marco Regulatório da Atividade de Inteligência, em que pese a sua envergadura e importância, teve a sua justificação alinhavada em quatro parágrafos.

No primeiro parágrafo há a afirmação de que a atividade de inteligência é importante e necessária para qualquer país, em especial para o Brasil, e que, nestas plagas, estamos submetidos a uma “desvantagem estratégica” por não contarmos com um serviço de Inteligência de Estado consolidado e devidamente regulamentado.

Complementando o parágrafo inaugural da Justificativa, o segundo diz que a desvantagem estratégica do Brasil, na área, por não possuir um serviço de inteligência consolidado, deve-se ao fato de, no intrincado jogo de interesses entre nações, competimos com players que contam com a capacidade de monitorar, clandestinamente os mais importantes mandatários da nação e extraírem deles, de órgãos, instituições e empresas nacionais, tanto dos setores público quanto privado,  informações sensíveis que deveriam estar bem protegidas [2].

O terceiro parágrafo, ao seu turno, acusa o parlamento de se omitir “por não elaborar uma legislação que possibilite uma atuação eficiente e efetiva do serviço de inteligência de Estado no Brasil”.

O quarto, e último, em razão de tudo o que foi exposto, assevera ser urgente a aprovação do Marco Regulatório da Atividade de Inteligência.

Diante das inúmeras afirmações que conformam a Justificativa ora analisada, algumas considerações são necessárias, porquanto há equívocos que devem ser dirimidos.

Primeiramente, gostemos ou não do modelo de inteligência desenvolvida no Brasil, ela é estruturada e conta com farto substrato legal que a define, organiza, sistematiza, estabelece prioridades, delimita os instrumentos dos quais pode se valer para cumprir a sua missão e como o seu controle deve ser feito.

Desde a publicação da Lei nº 9.883, em 07 dezembro de 1999, que criou o Sistema Brasileiro de Inteligência, mais conhecido como SISBIN, inúmeros textos de Lei, regulamentos, decretos e doutrinas foram elaborados para aprimorarem o sistema e a sua forma de atuação.

Apenas para ilustrar, vale a pena referir alguns desses textos:

• Decreto 3695/2000: cria o Subsistema de Inteligência da Segurança Pública (SISP) e dá outras providências

• Decreto nº 4.376/2002:  dispõe sobre a organização e o funcionamento do Sistema Brasileiro de Inteligência, instituído pela Lei no 9.883, de 7 de dezembro de 1999, e dá outras providências

• Doutrina Nacional de Inteligência: 1ª versão (2004)

• Doutrina Nacional de Seguranaça Pública: 1ª versão (2009)

• Decreto nº 8.793/2016: fixa a Política Nacional de Inteligência (PNI)

Doutrina Nacional da Atividade de Inteligência (2016)

Decreto de 15 de dezembro de 2018 aprova a Estratégia Nacional de Inteligência (ENINT)

Plano Nacional de Inteligência (PLANINT/2018)

• Decreto n.º 10.777/2021: institui Política Nacional de Inteligência de Segurança Pública (2021)

• Decreto n.º 10.778/2021: aprova a Estratégia Nacional de Inteligência de Segurança Pública

Por essas particularidades, afirmar que a Atividade de Inteligência não foi adequadamente disciplinada no país, não é estruturada e há omissão legislativa não condiz, de modo integral, com a realidade.

O que se deve discutir, na verdade, é o tipo de inteligência que praticamos no país, seu modelo, a suficiência dos meios legais, humanos, técnicos e orçamentários alcançados às inteligências para bem cumprirem a sua missão e se, entre o tomador de decisão e a Inteligência, há necessária sinergia que proporcione o adequado fluxo de conhecimentos.

No ponto, o Marco Regulatório apresentado à discussão pelo Senado é bastante rico, em especial na parte que objetiva alcançar, à atividade de inteligência, os instrumentos legais indispensáveis à busca do dado negado.

Aqui a Justificativa assevera ser urgente a aprovação do Marco Regulatório da Atividade de Inteligência, o que é deveras apropriada.

III.  Das Disposições Gerais

O Marco Legal da Atividade de Inteligência, em seus dois primeiros artigos, que tratam sobre as Disposições Gerais, dispõe que o texto legal irá regular a Atividade de Inteligência no Brasil (art. 1º) [3] e estabelece definições (artigo 2º).

Enquanto o artigo 1º, em termos de Disposições Gerais, é bastante objetivo, indo direto ao ponto no que importa à regulação proposta pela Lei, o artigo 2º é mais extenso, pois estabelece nove (09) definições básicas que, para fins doutrinários e de identidade de linguagem, devem ser seguidas por todos quantos operam na área, a saber:

Ø autenticidade: qualidade da informação que tenha sido produzida, expedida, recebida ou modificada por determinado indivíduo, equipamento ou sistema;

Ø canal técnico: via de tramitação de dados e conhecimentos que permite a ligação entre integrantes de Órgãos de Inteligência, em razão do assunto técnico específico, entre si ou com os demais usuários da Atividade de Inteligência;

Ø  confidencialidade: é a garantia da proteção das informações, dados ou conhecimentos, contra acessos não autorizados;

Ø  conhecimento: é o resultado final, expresso por escrito ou oralmente pelo profissional de inteligência, através da utilização da metodologia de produção de Conhecimento sobre dados e/ou conhecimentos anteriores;

Ø fontes humanas: é o meio de obtenção dos dados e/ou conhecimentos através do ser humano, seja ele orgânico ou externo;

Ø integridade: qualidade da informação não modificada, inclusive quanto à origem, trânsito e destino;

Ø usuário: autoridade ou órgão do Poder Executivo com poder de decisão a quem se destina o produto da Atividade de Inteligência;

Ø  relatório técnico: é o documento externo, passível de classificação, que tramite, por iniciativa do Órgão de Inteligência produtor e de forma excepcional, ainda que fora do canal técnico, análises técnicas e de dados, destinados a subsidiar seu destinatário, inclusive, na produção de provas, servindo como peça informativa.

Não explica o projeto, em sua Justificativa, o motivo pelo qual somente os termos acima citados, em detrimento de outros igualmente importantes para a Atividade de Inteligência, foram escolhidos para figurarem no corpo do Marco Regulatório.

Muitos outros termos técnicos correntemente utilizados pela Atividade de Inteligência, referenciados nas doutrinas de Inteligência de Estado, de Segurança Pública, Fiscal e em diversos outros âmbitos setoriais (tais como os de fontes abertas e fechadas; das diferentes ações de busca; das diferentes técnicas operacionais de inteligência, dentre tantas outras) foram deixados de fora pelo legislador, não havendo plausível explicação para tanto.

Apenas para matizar a extensão do universo de vernáculos utilizados pelos operadores da atividade de inteligência no Brasil, no glossário que acompanha a Doutrina Nacional da Atividade de Inteligência (2016, p. 85/99), cerca de cento e quarenta e oito (148) termos técnicos estão ali referenciados.

Muito possivelmente a eleição de algumas definições técnicas, exemplificativas por natureza, tenha como razão de ser a necessidade de ilustrar a importância da manutenção da unicidade de linguagem entre aqueles que atuam na área.

Importante referir que o Relator do Projeto, o Senador Esperidião Amim, em seu Parecer apresentado à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, ao analisar o artigo 2º, teceu severas críticas, dizendo que o proposto desestrutura o sistema e contraria a base conceitual já sedimentada em termos de inteligência no Brasil [4].

IV.   Das Considerações Finais

Analisamos, no artigo de hoje, dois pontos introdutórios do Marco Regulatório da Atividade de Inteligência no Brasil, no próximo artigo abordaremos os Capítulos II (Da Atividade de Inteligência no Brasil), III (Dos Órgãos de Inteligência) e IV (Dos Integrantes dos Órgãos de Inteligência).

Até a semana que vem!


[1] “Na prática, o SIF é uma rede permanente de interação entre as Unidades de Inteligência Fiscais (UnIF) do País que atua através de uma plataforma de comunicação própria visando facilitar o desenvolvimento de ações de Inteligência Fiscal em cada estado[…]Pelo exposto, tem-se que a iniciativa para alteração no Projeto de Lei nº 2.719/19 visa levar a contribuição das Unidades de Inteligência dos Fiscos dos Estados e Distrito Federal para a Atividade de Inteligência no Brasil, propiciando maior integração com os demais Órgãos de Inteligência no país, favorecendo o fluxo de informações para produção do conhecimento de interesse público”. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9094781&ts=1648068658123&disposition=inline. Acesso em 29 de março de 2022.

[2] “O Brasil é uma das maiores potências mundiais e encontra-se em séria desvantagem estratégica em face dos demais países que possuírem atividades de inteligência capazes de monitorar os mais altos cargos da República, ter acesso a segredos políticos, econômicos e tecnológicos e, enfim, vulnerabilizar a segurança da sociedade e do Estado brasileiro” (Segundo Parágrafo da Justificativa).

[3] Art. 1º Estabelece o marco regulatório da Atividade de Inteligência Brasileira

[4] AMIM, Esperidião: “ O projeto, de fato, desestrutura esse sistema, além de contrariar, já no início, em seu art. 2º, a base conceitual já assentada, como a de canal técnico, confidencialidade, conhecimento, fontes humanas e relatório técnico” (PARECER, 2019, p. 4).

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