Foster abre nova fase na Petrobras

Cláudia Schüffner e Chico Santos

A saída de José Sérgio Gabrielli e sua substituição por Maria das Graças Foster devem gerar mais mudanças na cúpula da Petrobras. Interlocutores da presidente Dilma Rousseff colocaram em dúvida a permanência do diretor financeiro, Almir Barbassa, e de Paulo Roberto Costa, diretor de abastecimento. O primeiro a deixar seu posto depois de Gabrielli, dizem fontes do PT, será Guilherme Estrella, diretor de exploração e produção

"A Dilma do Petróleo". A frase é quase inevitável quando se conversa com alguém que convive ou conviveu profissionalmente com Maria das Graças Silva Foster, 58 anos, ou simplesmente Graça Foster, indicada pela presidente Dilma Rousseff para substituir José Sérgio Gabrielli na presidência da Petrobras, a estatal que é a maior empresa do país e uma das maiores do mundo no setor.

Depois que a notícia foi confirmada em um comunicado da estatal informando que o nome de Graça Foster será indicado na próxima reunião do conselho da empresa, marcada para o dia 9 de fevereiro, as ações da Petrobras subiram no pregão da BM&FBovespa: as ordinárias, 3,6%, e as preferenciais, 3,94%.

Graça Foster é uma mineira que cresceu em favela do Rio de Janeiro nos anos 50, o Morro do Adeus (zona norte), que hoje faz parte do Complexo do Alemão, ocupado pela polícia em 2010. Foi lá que viveu até os 12 anos de idade, quando a família mudou-se para a Ilha do Governador (zona norte). No morro, começou a trabalhar, aos 8 anos, como catadora de papel, garrafas e latas que vendia para comprar material escolar.

Ao contar sem pieguice a infância dificílima em entrevista no ano passado, Graça protestou quando ouviu a repórter concluir que era estudiosa para chegar onde chegou. Afinal, é uma tarefa e tanto formar-se em engenharia química, ter mestrado em engenharia de fluidos, pós-graduação em engenharia nuclear e MBA em economia saindo de uma infância com tão poucos recursos. Ela discordou.

"Eu sempre estudei porque precisava estudar, precisava sobreviver e cuidar da minha mãe", corrige. Essa trajetória, sem dúvida, ajudou a moldar sua personalidade adulta. "A necessidade que eu tive de superar a mim mesma tantas vezes desde a minha infância me trouxe muita força, muita coragem e muita confiança. Tive que comprar minha borracha, minha caneta e acho que começou aí a necessidade de cuidar de mim e o entendimento que eu tinha também que cuidar dos meus pais", contou.

Ainda na faculdade, Graça teve a filha Flávia, que lhe deu a neta Priscila. As três são virginianas. Do terceiro casamento, nasceu o filho Colin Foster, que tem o mesmo nome do pai.

A comparação da engenheira com a presidente da República, avalista da ascensão profissional recente, é feita pelos observadores sob dois pontos de vista que se relacionam: a fama de eficiência técnica e de dureza no trato profissional que ambas ostentam e que, no caso da futura presidente da Petrobras, lhe rendeu um impressionante histórico de admiração mesclada com temor.

A indicação de Graça era esperada há mais de um ano e por isso não causou surpresa no mercado. Fontes ligadas à indústria não acreditam que a mudança na Petrobras ficará apenas na presidência. A primeira grande pergunta é quem vai substituir Graça na diretoria de gás e energia. O nome mais lembrado pelo mercado é o de José Lima de Andrade Neto, funcionário de carreira da estatal, ex-secretário de petróleo e gás do Ministério de Minas e Energia e atual presidente da BR Distribuidora, cargo que assumiu substituindo Graça. Mas a executiva também pode ter negociado sua substituição por um de seus gerentes-executivos.

Os nomes mais cotados são o de Richard Olms (responsável por logística e participações em Gás Natural) e o de Antonio de Castro (marketing e comercialização de gás e energia). Também são grandes as expectativas de mudança em outras diretorias, como a de exploração e produção (com Guilherme Estrella) e da área internacional, que hoje é dirigida por Jorge Zelada por indicação do PMDB do Rio de Janeiro.

Graça Foster conheceu a presidente Dilma Rousseff em 1998, quando trabalhava na TBG, empresa controlada pela Petrobras responsável pela construção e operação do trecho brasileiro do Gasoduto Bolívia-Brasil. "Ela era secretária de energia do Rio Grande do Sul. Começamos a trabalhar juntas e estamos juntas trabalhando, assim como os outros diretores estão juntos trabalhando com a presidenta. O governo é o controlador e ela representa o controlador", explicou Graça em entrevista no ano passado.

Uma das mudanças que a executiva deve fazer no comando da Petrobras é a adoção de um sistema de gerenciamento em todas as área da empresa com os projetos catalogados e com sua base orçamentária anexada. A executiva é extremamente organizada e toda a carteira de projetos da área de gás e energia segue esse padrão. Trabalhadora compulsiva, Graça é uma chefe exigente com prazos e metas. Atrás de sua mesa ela tem um calendário de "marcos" que detalha datas das diferentes fases de todas obras da sua área. Em um dia de novembro do ano passado estava marcado o vencimento do prazo de autorização para construção e montagem da estação de compressão de Pilar. O quadro com os marcos de 2011 foi arquivado em novembro e substituído pelo de 2012, onde já estão previstos todos os projetos da área de gás e energia que fazem parte do Plano Estratégico da Petrobras até 2016.

"É a forma mais primitiva de gestão, a mais simples, você saber o que tem que fazer. Todos os gerentes sabem o que precisam fazer, e os coordenadores dos projetos sabem todos os marcos", explicou Graça em uma entrevista ao Valor no final do ano passado.

É possível perceber por aí que não deve ser fácil ter como chefe um "trator" como esses. Nos corredores da Petrobras, muitas histórias, com os exageros da transmissão oral, ilustram essa fama. Uma delas conta que, já como diretora de Gás e Energia da empresa, Graça pediu a uma pessoa da sua equipe um determinado trabalho. Conhecedora do estilo explosivo da chefe quando alguma coisa não saía como ela desejava, essa pessoa decidiu gravar o pedido para não cometer erros.

Dito e feito: na hora que recebeu o trabalho solicitado, na frente de várias pessoas, a diretora disse que estava tudo errado e que não fora aquilo que ela pedira. Como o célebre cacique Juruna, a pessoa recorreu ao gravadorzinho com o objetivo de mostrar que agira de acordo com a ordem recebida. Em um acesso de fúria, Graça então arremessou o equipamento que se espatifou contra a parede.

Dias depois, a pessoa ofendida recebeu um pequeno presente: ao abrir, verificou que era um gravador igual ao que perdera. Junto, havia um pedido de desculpas. Essa segunda parte evidencia outra face do temperamento da nova indicada para presidir a Petrobras: um misto de dureza extrema com ternura, ao melhor estilo de Ernesto Che Guevara, que, passado o rompante, a faz admitir seus excessos e se desculpar.

Por essas e outras é que um profundo conhecedor da Petrobras e do setor como um todo deu seu diagnóstico acompanhado de um pedido de discrição quanto ao seu nome: "Na média geral, a troca (de Gabrielli por Graça) é positiva para a empresa, só não sei se também para o subordinados".

Para esse observador, a futura presidente da estatal tem pulso firme e conhecimento do setor suficientes para corrigir problemas que a empresa vem enfrentando nos últimos anos. Um deles, a insistente desconfiança do mercado quanto à sua capacidade de gerar receita suficiente para remunerar consistentemente seus acionistas.

Graça chega cedo ao escritório, trabalha muito -há cinco anos não tira férias- e cobra mais ainda. Às vezes, prefere ouvir os técnicos de campo a seus pares de diretoria, deixando esses últimos um tanto constrangidos.

Mas a seu crédito consta o esforço recente para aumentar a disponibilidade de gás natural no mercado, seja com geração o própria ou com importação, minimizando a insegurança quanto ao abastecimento, especialmente para fins de geração elétrica. No comando da BR Distribuidora teria, entre outros, o mérito de combater incansavelmente os fraudadores de combustíveis que colocaram em cheque os mercados de distribuição e de revenda.

O físico Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ), afirmou que discutiu muito com Graça no tempo do apagão elétrico brasileiro (em 2001), a criação de um programa específico para destinação do gás para a geração elétrica.

Para ele, ficou uma imagem de eficiência e trabalho. Quanto à fama de durona, o também polêmico diretor da Coppe tem um ponto de vista simples: "A gente não precisa de moleza".

O analista Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), conhecido como um ferrenho adversário de Pinguelli, concorda com o diretor da Coppe quanto a Graça Foster. Pires vê na futura presidente da estatal a imagem de profunda conhecedora da empresa, onde está desde 1978, e o nome mais acertado para substituir Gabrielli.

Permanentemente preocupado com a rentabilidade da estatal para os acionistas privados, o técnico vê na relação estreita da presidente da República com a futura presidente da Petrobras a chance de a empresa ter uma gestão mais técnica e menos política que corrija as distorções há muito apontadas pelo mercado como causa da baixa rentabilidade da empresa.

A fama de durona e de íntegra não evitou que fossem levantadas suspeitas de favorecimento pela Petrobras da empresa C. Foster, pertencente a Colin Foster, atual marido de Graça. As suspeitas referem-se a 42 contratos, sendo 20 sem licitação, que a estatal teria assinado com a C. Foster para a compra de componentes eletrônicos desde que a futura presidente assumiu a diretoria de Gás e Energia da empresa. Segundo a Petrobras, nenhum contrato foi assinado com a área dirigida por Graça. (Colaboraram: Juliana Ennes e Marta Nogueira)

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