Controle aéreo mais seguro

Carolina Vicentin

Quase dois anos depois do acidente com o voo 447 da Air France, autoridades do país europeu ainda buscam vestígios que possam explicar a queda da aeronave. Esta semana, a carcaça da caixa-preta foi encontrada e, com ela, a esperança de entender o que aconteceu quando o avião deixou a região de responsabilidade do controle aéreo brasileiro. Por incrível que pareça, aviões que sobrevoam o oceano entram em uma zona onde não são vistos. O único contato que existe com os viajantes é verbal, via banda de rádio. Essa realidade deve mudar nos próximos anos, graças a tecnologias que ampliam a capacidade dos sistemas de posicionamento global (GPS) e dão mais mais segurança à transmissão de informações entre a tripulação e os controladores de tráfego.

Uma das novidades — que já está funcionando em algumas regiões dos Estados Unidos — é o ADS-B, sigla em inglês para vigilância dependente automática por radiodifusão. Grosso modo, os aparelhos permitem que todo contato entre os aviões e o pessoal em terra seja registrado e difundido, de uma a duas vezes por segundo, automaticamente, para os centros de controle (veja infografia). Hoje, informações como destino, origem e velocidade da aeronave são passadas apenas em uma conversa entre pilotos e operadores de tráfego.

“O problema é que esse formato gera uma confusão generalizada. Você fala para o Legacy voar a uma altura e ele voa em outra, e o dado vai sendo degradado”, diz o professor James Waterhouse, da Escola de Engenharia da Universidade de São Paulo (USP), em referência ao acidente com o voo 1907 da Gol, em setembro de 2006. “Essa nova metodologia vem em uma interface escrita, que garante a transmissão de dados relevantes à cabine do avião de forma mais sistemática”, detalha o especialista.

Para que o ADS-B funcione, é necessária a instalação de antenas especiais no solo do território a ser coberto. Esses equipamentos reportarão, a todo momento, a posição das aeronaves e servirão para passar instruções da torre de comando com extrema confiabiabilidade. Aviões modernos já têm os aparelhos necessários ao suporte da tecnologia e, para os que precisam se adaptar, os custos são baixos. A própria infraestrutura do ADS-B exige baixo investimento. Segundo o Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), o gasto para a instalação das antenas é 90% menor do que o necessário para a manutenção de radares convencionais.

Nos Estados Unidos, o suporte para a nova tecnologia deve estar pronto em 2013. A Administração Federal de Aviação (FAA, na sigla em inglês) quer que até 2020 todos os voos do país sejam controlados com o ADS-B. Tamanho esforço também tem outros motivos. Com essa ferramenta, os operadores sabem exatamente a posição da aeronave e conseguem dar orientações mais apuradas. “Só o fato de fazer a navegação mais eficiente provoca redução no consumo de combustível e, consequentemente, redução das emissões de dióximo de carbono”, aponta Bernard Asare, diretor de estratégia de tráfego aéreo da ITT Corporation, empresa que está trabalhando na migração para o ADS-B nos EUA.

No mar
Por aqui, uma tecnologia semelhante, o ADS-C, está em operação em um dos centros integrados de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (Cindactas). Na unidade III, controladora de voos que atravessam o Atlântico, 60% das viagens já estão sendo feitas com o recurso. Ele funciona, basicamente, da mesma forma que o ADS-B. A diferença é que a transmissão do sinal não se dá por meio de antenas, uma vez que não há como instalá-las em meio ao oceano. Nesse caso, as informações para a tripulação chegam por meio de um sinal de satélite.

Além de fornecer mais dados à tripulação e à torre de controle, essas ferramentas melhoram o procedimento de pouso, fazendo com que a descida seja gradual e constante. “Isso significa que os pilotos podem ‘usar’ menos os motores na hora da aterrissagem, poupando combustível e reduzindo a poluição sonora”, explicou Bernard Asare, por telefone, ao Correio. Fora o Cindacta III, responsável pelos voos transcontinentais que saem do Brasil, a tecnologia está disponível apenas para controle de viagens de helicóptero na Bacia de Campos, no litoral do Espírito Santo.

O professor James Waterhouse critica a demora para a adoção das novas tecnologias no Brasil. “São coisas que já estão disponíveis e foram plenamente testadas, mas, infelizmente, nossa aviação ainda está baseada na filosofia antiga”, diz. Waterhouse recomenda, ainda, a instalação de um protocolo que aumenta a precisão do sinal do GPS. “O que temos hoje em dia é relativamente bom, mas não completamente bom. Não dá, atualmente, para pousar um avião apenas com as informações do GPS; são necessários instrumentos de precisão presentes nos aeroportos”, comenta.

As brechas do GPS têm a ver com o fato de ele não estar em solo, como os aparelhos similares presentes em veículos, por exemplo. A milhares de metros de altura, os dados do GPS podem perder qualidade devido à pressão e a condições climáticas. Nos Estados Unidos, a correção é feita com o Waas — sigla para Wide area augmentation system — um sistema que usa informações de equipamentos em terra para completar a orientação do GPS. No Brasil, há um sistema semelhante, o Ground-based augmentation system (Gbas), em teste no Aeroporto do Galeão, pelo menos, até o fim de 2012.

Segundo a assessoria de comunicação do Departamento de Controle do Espaço Aéreo, a tecnologia do Gbas é a que melhor se adapta às condições do território brasileiro. “No Hemisfério Sul, notadamente na região do Brasil, algumas questões relacionadas à ionosfera impedem a utilização do Waas de modo conveniente”, informou o Decea, por e-mail. “O Gbas consegue, com grande êxito, corrigir os sinais de satélite para aproximação das aeronaves”, completa a nota. O professor James Waterhouse lamenta, porém, que as decisões relativas ao controle do tráfego aéreo — entre elas, as relativas às novidades tecnológicas — tenham ficado nas mãos de poucos. “Há um grupo pequeno que decide sobre essas coisas, a sociedade só percebe quando o sistema entra em colapso”, argumenta. “Será que vamos ter de esperar o próximo acidente comover o mundo para mudar essa lógica?”, questiona.

Difícil punição
A queda do Boeing 737 da Gol, em setembro de 2006, foi provocada por um choque da aeronave com um jatinho Legacy que voava na mesma altitude. Somente na semana passada, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) conseguiu autuar o piloto do Legacy por atentado contra a segurança da aviação. Em depoimento, os dois tripulantes do jatinho disseram ter tentado se comunicar com o controle aéreo brasileiro, sem sucesso. As investigações concluíram que o transponder — equipamento que informa a posição do Legacy — estava desligado na hora do acidente

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