Aplicação da lei pelas forças de segurança diante do CoVid-19

 

Valmor Saraiva Racorti

Major da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP), atualmente como coordenador operação do 1º BPChq – “Tobias de Aguiar” – ROTA, foi comandante do Grupo de Ações Táticas Especiais (G.A.T.E.). Doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, bacharel em direito e pós graduado em Administração Contemporânea pela FGV. Pesquisador acerca de gerenciamento de incidentes, organizações criminais e seu enfrentamento

 Wellington Reis

Capitão da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP), atuou no Grupo de Ações Táticas Especiais (G.A.T.E.) e atualmente serve no Centro de Material Bélico da PMESP. Bacharel em direito e pós graduado em Administração pelo Insper. Pesquisador acerca de gerenciamento de incidentes, ações táticas especiais e armamento e tiro

 

Desde o final de 2019 o mundo tem notícia do aparecimento da variação do Coronavírus, o CoVid-19, aparecido na cidade de Wuhan, na China e, desde então, se espalhando pelo mundo. Deste período em diante foi possível identificar as fases de contágio, infecção e evolução do vírus, assim como foi possível observar as mais diversas formas de ação para combater o vírus ou mitigar seus efeitos.

Nessa mesma tendência foi possível conhecer erros e acertos da atuação dos órgãos governamentais no combate a essa pandemia, retirando lições importantes que podem ser aplicadas em território nacional, agora que chegou nossa vez de combater essa ameaça.

Tais lições resultam na diferença, por exemplo, de uma taxa de mortalidade de 6,7% na Itália, contra 0,7% na Coréia do Sul, país onde, entre diversas ações conjuntas, testou mais de 222 mil habitantes, mapeou focos da doença, isolou mais de 29 mil pessoas, sendo monitoradas a distância e identificadas por meio de tecnologia de localização e triangulação com casos confirmados (AZEVEDO, 2020). A Coréia do Sul, que teve o início da infecção na mesma data que a Itália demonstra resultados totalmente diferentes, ao passo que a Itália conta com 4.825 mortes e a Coréia do Sul conta com 104 mortes (Coronavírus: os sites em tempo real que mostram dados de mortes, curvas de contágio e mutações, 2020).

Encontrar as estatísticas de contágio e morte da população em geral é tarefa simples para qualquer cidadão, entretanto, ao buscar notícias sobre infecção de agentes públicos de saúde ou de segurança, tais informações não se encontram acessíveis de forma fácil, ou quando encontradas, não em número suficiente para que sejam analisadas e contestadas, evitando, dessa forma, as famosas “fake News”, contudo, a lógica é simples, considerando que os agentes de segurança estão na população, eles serão, no mínimo, proporcionalmente atingidos.

Dizemos no mínimo, considerando que terão acesso a agentes contaminantes como qualquer um do povo, entretanto, graças as características de nossa profissão, os agentes expositores são infinitamente maiores. Diante dessa realidade o profissional de segurança pública se torna, ao mesmo tempo, uma vítima e um propagador do vírus, caso não sejam tomadas as devidas providências para sua segurança e de toda a população envolvida.

A seguir, apresentamos uma lista de ações que devem ser tomadas para preservar as forças de segurança, de forma que essas possam continuar operantes, apoiando em todo o sistema de saúde, na contenção da pandemia e, também, nas ações de segurança pública, quer sejam rotineiras e ordinárias àquelas de quebra da ordem pública e extraordinárias.

Assim, para um eficiente controle, de forma macro e estratégica, os órgãos de segurança, apoiados pelos seus respectivos chefes e comandantes, bem como do chefe do poder executivo, devem sempre:

•  Gerenciar as ações e operações de todos os órgãos envolvidos em um sistema de comando e controle de incidentes, como o ICS/NIMS americano;

•  Aplicar os conceitos de superinformação, evitando boatos e “fake News”;

•  Atendimento seletivo de chamadas nos telefones de emergência ou no despacho via rede de rádio;

•  Conhecer, estabelecer e informar as limitações do serviço;

•  Conscientização da força policial e de segurança;

•  Segurança física e mental dos agentes de segurança pública

Essas ações e princípios, corretamente aplicados, poderão salvar vidas dos agentes de segurança pública e, por consequência, dos demais cidadãos envolvidos nesta pandemia, uma vez que seguindo tais recomendações, a força policial estará sempre apta a atuar, mantendo seu efetivo em condições de ação, por tempo prolongado, apoiando a população mesmo que a situação atual piore, mesmo que chegue em uma situação de total falta de razoabilidade, crimes interpessoais, distúrbios civis, saques, rebeliões em presídios e outras ações que exigirão da força pública uma ação de contenção, retomada da ordem pública mas também ações de missões humanitárias (ALCADIPANI, 2020).

As ações acima descritas podem parecer irrazoáveis ou fora do senso comum policial, indo contra os princípios sempre pregados nos bancos escolares. Algumas orientações, como será visto, serão taxativas ao negarem o apoio a população, visando uma ação maior em um futuro breve, o que certamente causará contra-argumentações dos agentes de segurança, pois, para tais agentes, desde o princípio de sua formação, foram orientados a realizar o melhor possível com os recursos que tiverem, mas na situação atual, terão que escolher entre qual ocorrência podem ou não atender.

Tal decisão não é comum, mas os tempos que se aproximam não são comuns e, como trata Déscartes, não há solução simples para problemas complexos.

Analisando cada ação ou princípio acima apontado, temos que:

Gerenciar as ações e operações de todos os órgãos envolvidos em um sistema de comando e controle de incidentes, como o ICS/NIMS americano;

Por vezes eclodem incidentes críticos que, por sua natureza, gravidade, proporção, provável repercussão, projeção pública dos envolvidos e/ou outras circunstâncias de relevância, exigem consciência situacional prematura para o emprego integrado de meios, demandando atenção e ações especiais em seus estágios iniciais, a fim de evitar o seu agravamento.

Assim, essas situações carecem de ações muito bem planejadas e integradas, destinadas a evitar atitudes demoradas, improvisadas e desagregadas, que coloquem em risco a vida e a integridade física das vítimas e/ou de terceiros, além de trazer consequências negativas à imagem institucional e, particularmente, aos profissionais envolvidos. Percebe-se, claramente, que essas ações não são tomadas de improviso, sendo, ao contrário, organizadas em momentos anteriores. Por exemplo, as ações tomadas em 2019 pela Coréia do Sul contra a Mers permitiu uma rápida contenção do vírus CoVid-19 nesse ano (Coronavírus: o que está por trás do sucesso da Coreia do Sul para salvar vidas em meio à pandemia, 2020).

Dentre outras iniciativas que merece destaque, encontra-se o NIMS/2017 norte-americano, conhecido como National Incident Management System (Sistema Nacional de Gerenciamento de Incidentes), sendo uma evolução do antigo ICS – Incident Command System (Sistema de comando de incidentes), inspiração para diversas agências no Brasil, como o SiCoe do Bombeiro, no Estado de São Paulo.

O NIMS é aplicável a todas as partes interessadas com responsabilidades de gerenciamento e suporte a incidentes, desde os primeiros respondedores, até a as autoridades políticas governamentais, fornecendo a todos, sistemas e processos compartilhados para suprir com êxito os recursos descritos no Sistema Nacional em caso de um grande incidente, tal como a atual pandemia.

Ele integra as melhores práticas com base em uma estrutura abrangente e padronizada, flexível o suficiente para ser aplicável a todo o espectro de possíveis incidentes e eventos, independentemente do tamanho, complexidade ou escopo, não se restringe a incidentes policiais, de ajuda humanitária ou de defesa civil, mas sim, é aplicável a qualquer situação dessas forças e agências.

O uso do NIMS permite que todos trabalhemos juntos para nos preparar, prevenir, responder, recuperar e mitigar os efeitos de incidentes, independente de sua complexidade. Como visto nos demais países atingidos e tal como observado por (ALCADIPANI, 2020), todos os órgãos do Estado estarão envolvidos, com um objetivo comum, logo, suas ações tem que ser em comum.

Para correta aplicação do NIMS, exige-se quatro estruturas, que são: o sistema de comando de incidentes (ICS), os centros de operações de emergência (EOC – Emergency operation center), o grupo de coordenação de várias agências ( MAC Group – multi-agency coordination group) e o sistema de informação conjunto (JIS – Joint information System), juntos, esses quatro elementos compreendem as estruturas de comando e coordenação do NIMS. Com tais elementos operando de forma harmônica, obtém-se um melhor aproveitamento dos recursos disponíveis, permitindo um tempo de emprego útil maior do que ao utilizar todos de uma só vez.

Simplificando os termos, temos que o ICS é um conjunto padronizado de gerenciamento de incidentes, aplicado por aqueles que estão no local do incidente, sendo facilmente entendido por quaisquer agências em posições diferentes. O EOC é utilizável quando o incidente se torna maior, exigindo o uso de diversas agências, assim, com a sua formação, há um fluxo de informações melhor no local e, por consequência, um melhor aproveitamento dos recursos disponíveis. O MAC Group torna-se ainda maior, agregando diversas agências e EOC em um único local, mantendo o fluxo de informação constante entre eles, apoiado pelo JIS.

Toda essa estrutura permite uma consciência situacional do que ocorre nos pontos de incidentes locais, organizados pelos diversos EOC que se comunicam entre si e permitem que apenas um comando possa agir sobre tais agências diversas. Esse comando unificado tem responsabilidade e autoridade para tomar decisões em diversas agências, podendo, inclusive envolver decisões econômicas e financeiras, como, por exemplo, aquisição de materiais demandados, requisição de locais privados para abrigar pessoas, etc, tudo com base na estrutura do NIMS, que nos Estados Unidos da América possui força legal de atuação em todos os Estados.

Por falta de legislação nacional a estrutura completa não pode ser implementada, ao menos não formalmente, mas serve de parâmetro e princípio para um coordenação em âmbito nacional ou estadual, exigindo, nesse caso, um nível de consciência maior de todos os envolvidos ao participar de seu “poder” para um terceiro, contudo, como o objetivo de todos é um só, torna-se possível de implementação.

A falta dessa interação, ou a briga entre entes federativos, através de questões políticas ou ideológicas podem gerar uma catástrofe sentida por toda a população, a exemplo do que ocorreu na Itália, onde, no início, não houve uma resposta em nível regional, em nível mais amplo, que abrangesse todas as regiões do país, faltou um comando único no país, o que gerou medidas pontuais mas que não surtiram efeito no todo, pois, por exemplo, ao não restringir a circulação de uma região para a outra, mesmo que uma medida fosse tomada em um ponto, não surtiria efeito no futuro, o que ocorreu (BRAUN, 2020).

Aplicar os conceitos de superinformação, evitando boatos e “fake News”

A aplicação dos conceitos utilizados no NIMS, principalmente com o uso dos Mac Group e JIS permite uma visão única do acontecimento, evitando falsos alarmes, fakes News e desinformação da população, para tanto, todas as informações têm que partir de uma única fonte confiável.

Nos EUA, todas as agências remetem as informações para o FEMA (Federal Emergency Management Agency – Agência federal de gerenciamento de emergência), tornando-se a fonte confiável, pois dessa forma não há risco de informações desencontradas entre uma agência e outra, ao mesmo tempo que condiciona a todos buscar atualizações naquele ambiente.

As informações são passadas utilizando-se de todos os meios possíveis, desde redes sociais, site oficial, até mensagens para os celulares dos usuários do sistema (leia-se operadores e pessoas do povo), mas sempre orientadas e advindas do FEMA.

Em tempos de crise e caos, como a atual, uma das experiências mais angustiantes para as equipes em solo é obter informações conflitantes das plataformas de mídias sócias. Sendo esse o motivo da importância das mensagens mensagem unificadas e constante do Comando de todo o incidente, a fim de superar a inevitável desinformação.

O conflito entre obter informações rapidamente e garantir sua precisão é desafiador, devendo o JIS atuar de forma constante, além do que, para ;uma crise de saúde pública, o ponto focal das informações devem ser as autoridades de saúde integradas em um EOC, conjuntamente com as demais instituições que atuarão no incidente. Dessa forma, as respostas e informações passam a ser oficiais, focadas e concentradas em um único ponto, sendo essa a orientação que deve ser seguida.

Atendimento seletivo de chamadas nos telefones de emergência ou no despacho via rede de rádio

Diante de um incidente de tal magnitude e observando o que ocorreu em outros países e predizendo o que pode ocorrer no Brasil, teremos um grande número de solicitações de ações policiais e, devido a gravidade e riscos inerentes à profissão dos agentes de segurança pública, uma baixa nesse efetivo policial (ALCADIPANI, 2020). Embora tenha sido sempre um grande mote das instituições policiais do Brasil: “fazer mais com menos”, haverá a necessidade de seleção das ações policiais, com o intuito de não propagar a disseminação do vírus, quer seja na população em geral, quer seja no efetivo policial, além de trabalhar com mais inteligência e eficiência com o efetivo policial existente.

A segurança pública não se faz com efetivos gigantes, mas sim com efetivo proporcional e bem aproveitado, caso isso não fosse verdade, a única forma de se obter sensação de segurança seria ter um policial para cada pessoa – obviamente inviável – contudo, observa-se que com qualidade de efetivo e inteligência policial os números de sucesso se elevam. Isso pode ser observado com a percepção de eficiência por parte da população da Polícia Federal, cujo efetivo não chega a 15 mil policiais em serviço no Brasil (PORTAL DA TRANSPARÊNCIA, 2020), mas é reconhecida como uma polícia extremamente técnica e eficiente, assim como a Polícia Militar do Estado de São Paulo, que conta com uma redução do efetivo em seus quadros, mas cuja taxa de homicídio é de 6,54 por 100 mil habitantes (SÃO PAULO.SP.GOV.BR, 2019).

Uma falha que é observada em diversas unidades policiais pelo mundo é que no início dos incidentes críticos, estes tentam manter o atendimento dos centros de emergência como rotineiramente ocorre, mas devemos alterar protocolos de atuação para evitar ao máximo o contato social dos agentes pela redução de efetivo. Deve ser lembrado que situações como a atual não podem ser encaradas como rotineiras e sim como excepcionais.

Portanto, o Centro de Operações (EOC ou em São Paulo, o Centro de Operações da Polícia Militar – COPOM) deve alterar protocolos e definir quais serão as chamadas prioritárias, classificando-as entre aquelas que envolvem risco a vida ou crimes pessoais violentos de outras que não necessitem de uma ação imediata ou pessoal, tal como um acidente de trânsito leve, sem vítima. Caberá ao atendente separar crimes pessoais violentos de crimes contra a propriedade, evitando o despacho de viaturas e meios para delitos menores.

Dentre tais protocolos, as agências norte-americanas recomendam minimizar os contatos decorrentes de buscas pessoais, não se fixando em crimes menores ou pequeno delitos, com o objetivo de limitar o contato pessoal, preservando o efetivo policial e os terceiros envolvidos.

Para tanto, dentre outras possibilidades, classificam as chamadas entre prioritárias “A” – como crimes pessoais e violentos contra a propriedade; crimes de violência física; crimes envolvendo doentes mentais, crianças e riscos imediatos a integridade física; auxílio de outras agências em eventos relacionados ao incidente; nesse caso mantém-se o despacho das unidades policiais. Prioridades de nível “B” – acidentes de trânsito sem ferimentos; solicitações em reiterações, não são enviadas unidades policiais. Prioridades de nível “C” – todas as demais que possam ser feitas por meios eletrônicos.

Essa decisão de identificar e reduzir os serviços para resposta operacional é uma decisão difícil e delicada para tomar, logo, devem ser, na medida do possível, acordadas entre as partes interessadas. Para minimizar o impacto negativo, as agências policiais deverão disponibilizar meios eletrônicos ou orientações para que aqueles que chamarem o serviço de emergência não se sintam desamparados, mas que seja possível evitar o empenho de meios físicos para tal demanda.

No entanto, não podem ser descartadas as possibilidades de que será negada ao solicitante o envio de unidades policiais, tendo consciência de que isso poderá acarretar um problema maior, principalmente de imagem.

Conhecer, estabelecer e informar as limitações do serviço

 

Quando as demandas sobrecarregam a capacidade policial para uma resposta rápida, a comunicação com o público deve ser clara e honesta, assim como a redução de contatos discricionários deve ser implementada pelas unidades policiais e pelo COPOM, limitando os serviços e despachos de unidades para essas ocorrências, conforme descrito anteriormente.

Na mesma seara das informações corretas, a população deve ser informada das limitações e das medidas que estão sendo tomadas para evitar um total colapso do sistema de segurança pública, deve ser conscientizada do que é possível executar e do que deverá ser deixado em segundo plano, ou em uma situação limite, até negado o serviço.

As restrições apresentadas diferem das doutrinas operacionais mais rotineiras, tendo como exemplo o que é adotado e sugerido nos Estados Unidos da América, em consonância com o NIMS e com a legislação do país, pode haver restrições às prisões por crimes não violentos, como estratégia para evitar o contato interpessoal que pode espalhar o CoVID-19 para policiais e em centros de detenção, novamente, se essas estratégias de atuação reduzida forem utilizadas, devem ser divulgadas à sociedade, deixando claro a o porquê da atuação diferenciada e momentânea.

Outra restrição utilizada é do distanciamento social, cuja definição é: o processo de limitar contatos entre indivíduos para reduzir a chance de espalhar a doença, isso inclui banir encontros públicos, locais públicos fechados etc. Para ser efetivo, tantos locais quanto possível devem ser fechados para manter pessoas em casa, o que tem se apresentado com a melhor solução para reduzir o contágio e evitar o colapso do sistema de saúde.

As limitações dos serviços que poderiam ser atendidos ou não ficam claras acima, mas além do que se os agentes de segurança pública não devem fazer, deve ficar claro as ações que deverão estar em condições de trabalhar, sendo a gestão de multidões e o uso de equipamentos menos letais prioridade dentre elas, pois, caso se confirmem determinadas previsões, saques, rebeliões e manifestações poderão ocorrer.

Outra ação que deverá ser levada em consideração, como estabelecida às ações policiais será a intensificação de ações de policiamento em locais voltados para o atendimento de doentes, como hospitais e posto de saúde, assim como, nos casos de mortes acentuadas e em um mesmo momento, necrotérios e locais afins, sob o risco de distúrbios e agressões a funcionários e agentes de saúde.

Em caso de desabastecimentos, a força policial deverá estar apta para escolta de alimentos, combustíveis, medicamentos e proteção as farmácias, postos de gasolina e supermercados.

Outra forma de emprego será nas atuações humanitárias, como realizado na Itália, no qual a força policial segue de casa em casa para testar os moradores, evitando que eles saiam às ruas e contagiem outras pessoas ou se contagiem.

Assim, para serem empregados nessas atividades diversas, deverão ser retirados de atividades rotineiras, deverá ocorrer uma priorização dos serviços e efetivo, buscando uma eficiência operacional.

Conscientização da força policial e de segurança;

Os policiais devem saber que não serão imunes aos efeitos de um desastre em sua comunidade. Infelizmente, muitos policiais não encaram essa realidade preparando-se e suas famílias.

Os comandantes devem incentivar seus integrantes, tanto de serviço como de folga a serem informados que também são cidadãos e que todas as recomendações a comunidade devem ser seguidas por ele e por sua família.

Entretanto, pela característica do seu serviço, os agentes policiais devem preparar-se, e a seus familiares, para ficar fora de suas residências por dias. Agindo em função do serviço e de acordo com as políticas para empenho e resolução do incidente instaurado.

Outra característica que deve ser lembrada que, novamente, irá contra ao que é empregado em toda a vida profissional do agente de segurança pública refere-se a sua “fragilidade humana”, pois, por diversas vezes o policial busca esconder suas fragilidades para manter a continuidade do serviço. Considerando as características do vírus e sua alta taxa de contágio, caso o policial seja exposto a pessoa confirmada com o vírus, deve ser afastado do serviço, preservando terceiros e outros policiais.

O protocolo norte-americano trata que se o agente for exposto a indivíduo testado positivamente para o CoVid-19, deverá afastar-se do serviço por 14 dias se for assintomático, retornando após esse período; caso apresente sintomas mas seja testado negativamente, poderá retornar ao serviço após desaparecimento dos sintomas; e, por fim, se apresentar sintomas e for testado positivamente deve ser afastado e permanecer isolado até que os sintomas passem e que seja atestado negativamente por novo teste. O que podemos observar, em alguns policiais ou instituições é que, caso tenham contato com indivíduo testado positivamente, só se afasta do serviço se vier a apresentar sintomas, contudo, pode ocorrer de portar e transmitir o vírus mas ser assintomático.

Essa é a conscientização necessária, o policial deve reconhecer sua limitação e humanidade, trabalhando de forma profissional e se resguardando em caso de suspeita para preservação da instituição e de seus familiares.

Segurança física e mental dos agentes de segurança pública

Por fim, a saúde e segurança física e mental dos agentes de segurança pública deve ser prioridade para toda o Estado, pois em situações de colapso completo do sistema de saúde e financeiro as pessoas deixarão de ser racionais, cabendo às autoridades de segurança pública manter o controle e a ordem para resolução correta do incidente instaurado, assim, cabe aos dirigentes da polícia reconhecer o cansaço mental que esse evento de saúde pública impõe a seus policiais, sendo de fundamental importância que os centros de apoio psicoemocional  sustentem os esforços dos agentes da lei durante o prazo que perdurar o incidente.

O cansaço mental é uma preocupação tão grande quanto a própria contaminação com o vírus, mas esse não pode ser negligenciado. A pandemia do CoVid-19 levou os órgãos  de segurança pública a buscar as estratégias mais eficientes para lidar com o pessoal, contudo, costumam lidar com a escassez temporária de pessoal devido a eventos em larga escala, desastres relacionados ao clima e incidentes críticos que esgotam a força de trabalho, mas a maioria das instituições não estão acostumadas a gerenciar um incidente crítico com efetivo limitado por semanas ou possivelmente meses a fio.

Para tanto, as organizações devem habilitar planos de contingência para lidar com um incidente crítico de pandemia, o que pode incluir a mudança para os turnos de 12 horas, com equipe divididas em "A", "B" e “C” para todos inclusive as equipes de administração, com algumas horas de sobreposição escalonadas. Dessa forma, preservará cerca de 1/3 da força policial, que poderá ser empenhada em um futuro, caso as baixas por contágio, ou suspeita, se apresentem.

As lições encontradas no comando e controle de incidentes mostram diretrizes essenciais de pessoal para apoiar um evento.

As lições incluem estabelecer prioridades imediatas, sendo a primeira prioridade do comandante do incidente a segurança de terceiros envolvidos no incidente, de policiais, bombeiros e agentes da saúde e outros trabalhadores de emergência, assim como a comunidade envolvida.

A segunda prioridade é a estabilização do incidente, para tanto, o comandante do incidente deve garantir a segurança da vida, a continuidade do comando e o gerenciamento de recursos de maneira eficiente e econômica, prezando pela eficiência dos meios.

Concomitante a prioridade tomada, deverá o comandante do incidente determinar os objetivos e a estratégia que será tomada buscando a solução, sempre em conjunto com as demais agências.

Considerando que o risco é inerente à profissão do agente de segurança pública mas que ele deverá agir e que a responsabilidade pela sua segurança é do comandante do incidente, este deverá fornecer as salvaguardas adequadas, como equipamento de proteção individual (EPI) adequado, incluindo proteção uniforme, facial(GME-P100), ocular e das mãos luvas de nitrilo, devendo ainda providenciar maior prioridade ao receber profilaxia, incluindo vacinas quando elas estiverem disponíveis, devem constantemente serem acompanhados por uma equipe de  médicos e realizar verificações das temperatura e outros sintomas para atuação rápida a fim de retirá-lo do serviço a fim de não infectar os demais agentes, evitando uma redução ainda maior no efetivo empenhado.

Observando a seletividade e as limitações de emprego da equipe operacional, o comandante do incidente deve orientar as equipes a minimizar os contatos nas buscas pessoais e veiculares, priorizando as ações em momentos realmente necessários, conforme aqueles descritos. Caso haja a necessidade de detenção de indivíduos, deve-se higienizar, logo após, a viatura.

Essas ações visando a mitigação dos efeitos sobre o efetivo empenhado permitirá um maior aproveitamento da força policial, retardando ou evitando o contágio por parte desses profissionais, mantendo, dessa forma, um efetivo eficiente para atuação em casos de necessidade.

Todas as ações aqui demonstradas exigirão um compromisso de todos os envolvidos, principalmente do comandante, devendo ser este o primeiro a se conscientizar e atuar segundo suas determinações.

Conclusão

Como administradores devemos priorizar a racionalização do efetivo buscando o seu uso com eficiência e não o uso da força máxima, pois à essa expressão podemos dar a conotação de força bruta, ou seja, quantidade, mas ao falarmos de uso da força de maneira inteligente, retratamos a qualidade do nosso efetivo, sendo empregado com inteligência e estratégia estabelecidas pelo comando unificado.

Os provedores de segurança pública devem tomar precauções adicionais, incentivando o distanciamento social e se conscientizando de suas fragilidades e dos cuidados que deverão tomar para manter um maior tempo operacional.

O uso de legislação para momentos de graves incidentes, como o atual, deve ser prevista e criada em momentos de tranquilidade, de forma que integrem todas as agências e, em uma situação de caos, exista o amparo para as decisões tomadas, a exemplo do NIMS norte-americano, sistema no qual a legislação apoia suas ações permitindo um resolução mais célere em momentos de catástrofes. Na atual situação, sem esse amparo, caberá a consciência e a capacidade gerencial e de negociação do comandante do incidente, sem um amparo maior.

A experiência atual que passamos no Brasil se encontra em um vantagem em relação a alguns países do mundo, pois é possível identificar os erros e acertos daquelas nações, ensejando um oportunidade à atuação nacional, entretanto, para as futuras gerações, devemos compartilhar as experiências obtidas com nossas forças e fraquezas, através de um amplo estudo de caso para aprendizado nacional, de forma detalhada, contendo todos os erros e acertos nas tomadas de decisão, não com objetivo de criticar comandantes e gestores mas sim para registrarmos as formas corretas e aquelas erradas de se chegar a uma solução. Tal como disse Thomas Edson: “eu não falhei, mas sim descobri 10 mil maneiras que não funcionam”, que os nossos erros atuais sirvam de apoio para os acertos do futuro.

Bibliografia e referências

ALCADIPANI, R. O coronavírus e o colapso do sistema de segurança pública. Estadão – Política, 2020. Disponivel em: <https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/o-coronavirus-e-o-colapso-do-sistema-de-seguranca-publica/>. Acesso em: 22 março 2020.

AZEVEDO, A. L. Reação inicial ao coronavírus explica diferença de mortes entre Itália e Coreia do Sul. O Globo Analítico, 13 março 2020. Disponivel em: <https://oglobo.globo.com/analitico/reacao-inicial-ao-coronavirus-explica-diferenca-de-mortes-entre-italia-coreia-do-sul-24302916>. Acesso em: 2020 março 22.

BRAUN, J. Como a Itália se tornou o segundo país mais afetado pelo coronavírus. Veja – Mundo, 2020. Disponivel em: <https://veja.abril.com.br/mundo/como-a-italia-se-tornou-o-segundo-pais-mais-afetado-pelo-coronavirus/>. Acesso em: 2020 março 22.

CORONAVÍRUS: o que está por trás do sucesso da Coreia do Sul para salvar vidas em meio à pandemia. BBC News Brasil, 2020. Disponivel em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-51877262>. Acesso em: 22 março 2020.

CORONAVÍRUS: os sites em tempo real que mostram dados de mortes, curvas de contágio e mutações. BBC New Brasil, 2020. Disponivel em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-51987873>. Acesso em: 2020 março 22.

PORTAL DA TRANSPARÊNCIA. Detalhamento dos Servidores Públicos por Órgão. Portal da Transparência, 2020. Disponivel em: <http://www.portaldatransparencia.gov.br/servidores/orgao?paginacaoSimples=true&tamanhoPagina=&offset=&direcaoOrdenacao=asc&orgaosServidorLotacao=OR20115&colunasSelecionadas=linkDetalhamento,orgaoSuperiorExercicioSIAPE,orgaoExercicioSIAPE,quantidadeP>. Acesso em: 22 março 2020.

SÃO PAULO.SP.GOV.BR. São Paulo tem menor taxa de homicídios do Brasil. São Paulo.sp.gov.br, 2019. Disponivel em: <https://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/sao-paulo-tem-menor-taxa-de-homicidios-do-brasil/>. Acesso em: 22 março 2020.

 

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