China endurece para comprar da Embraer

Publicado Gazeta Mercantiil

Júlio Ottoboni


São José dos Campos (SP), 6 de Outubro de 2008 – A relação entre a Embraer e o governo da China dá sinais de colapso. Uma série de novas exigências por parte dos chineses para renovar a joint venture Harbin-Embraer Aircraft Industry Company, que termina em 2010, criou situação de turbulência na alta cúpula do Embraer.

Como uma mensagem retirada do biscoito da sorte, os chineses apresentaram uma lista de imposições para manter a companhia brasileira dentro de seu programa nacional de desenvolvimento aeronáutico. Mas para a Embraer, os bons ventos parecem soprar somente na direção do parceiro oriental.

A postura adotada nas últimas semanas pela China Aviation Industry Corporation ( AVIC) mexe tanto com o bolso da multinacional brasileira como atinge em cheio seus principais produtos no mercado, a família de jatos 170-190. As exigências vão desde a produção dos aviões em Harbin à ampla transferência de tecnologia, soluções de engenharia e produtivas destes aparelhos.

Caso a Embraer rejeite a proposta, além de ver desfeita a joint venture criada em 2002, da qual detêm 50% do controle, sua produção de jatos regionais, hoje feitos apenas na China, desaparecerá. Além disso, arcaria ainda com a anulação dos contratos de aquisição de aeronaves já firmados e estimados em mais de US$ 3 bilhões.

O presidente da Embraer, Frederico Curado, já descartou publicamente a instalação da linha de montagem dos aviões 170/190 na China. Pois esses modelos competiriam diretamente com o jato desenvolvido pela AVIC, o ARJ-21 – o primeiro avião comercial chinês de propulsão a jato. Entretanto, esse aparelho se encontra em desenvolvimento desde 2002 nunca decolou.

A maior preocupação da Embraer é a perda de um mercado potencial enorme, particularmente agora quando a companhia aérea Grand China Express admitiu o interesse em adquirir mais 100 aviões do modelo 190 nos próximos anos. Em 2006, a mesma operadora estatal encomendou 100 aviões, sendo que metade deles eram jatos 190. Seu controle é feito pela Hainan Airlines, a principal empresa de aviação regional do país.

Outro ponto positivo à Embraer foi ter obtido em maio o certificado de operação junto a Civil Aviation Administration of China (CAAC) para os jatos 190 e 195. Esse documento libera os aparelhos para entrar em atividade comercial de imediato, representando uma facilidade a mais na conclusão de novas vendas.

Contudo, os executivos da Embraer têm um mau pressentimento sobre essa transferência de tecnologia e de conhecimento aeronáutico. Em menos de duas décadas os aviões brasileiros seriam facilmente descartados dentro do mercado chinês e ainda se teria capacitado um novo concorrente em nível mundial.

Pelas projeções feitas pelo departamento de estratégias da Embraer entre 2008 a 2027 o mercado de transporte aéreo mundial crescerá 4,9% ao ano. O que resultará num montante de negócios na ordem de US$ 235 bilhões. A China terá a maior taxa de crescimento, 7,5% ao ano.

Outra questão de franzir a testa dos executivos da Embraer é a migração gratuita da tecnologia de seus aviões para projetos aeronáuticos chineses extra joint venture. A AVIC exige, num primeiro instante, a montagem dos aviões comprados pela China na unidade de Harbin.

Os aparelhos sairiam desmontados de São José dos Campos diretos para a linha de montagem chinesa. Na seqüência, esse processo contemplaria a criação de uma linha de produção capaz de fabricar integralmente, em solo asiático, os modelos dos grandes jatos da Embraer.

Desconfiança

A Embraer reluta em aceitar essas imposições. Entre os motivos está a desconfiança que vários itens de engenharia do jato 145 teria migrado para fora das fronteiras da Harbin-Embraer e pousado no projeto da AVIC, o jato ARJ-21.

Apesar do governo chinês apresentar esse avião como 100% nacionalizado, pelas observações feitas pela alta direção da multinacional brasileira, o aparelho chinês traz significativas semelhanças com soluções adotadas pelos brasileiros. E com um agravante: as inclusões só ocorreram após a montagem da fábrica em Harbin estar em plena atividade.

A mesma lógica é aplicada para os outros aviões nacionais que possam ser fabricados em solo chinês e sob o crivo de um sistema muito longe de seguir as regras e os acordos comerciais do capitalismo ocidental.

Como o projeto do ARJ-21 literalmente não decolou, a implementação da linha de produção da família 170-190 supriria a engenharia chinesa do conhecimento necessário para corrigir e alavancar de vez o programa de seu jato comercial. Esse jato concorrerá na mesma categoria dos produtos brasileiros.

Isto significa também qualificar o avião para ser homologado e certificado por agências aeronáuticas de regiões nas quais, hoje, o produto chinês sequer passaria perto, como os mercados da América do Norte e Europa.

A linha de raciocínio dos dirigentes brasileiros não perde de vista outra informação relevante: em duas décadas a China consumirá de 450 a 500 aviões do mesmo porte do jato 190. Caso a produção se nacionalize, inexistirá a necessidade de adquirir os modelos da Embraer.

Dragão quer voar

O dragão, símbolo da China desde a dinastia Han, parece ter despertado para a aviação comercial. Agora pretende bater as asas para alçar vôo rumo aos grandes fabricantes do setor. Em fevereiro último, o Conselho de Estado aprovou a constituição de uma nova empresa capacitada para fabricar aviões de grande porte "com lançamento do projeto o mais rapidamente possível".O comitê executivo do Partido Comunista chinês se reuniu e avaliou os riscos da empreitada. Embora a tenha classificado como " um dever a ser realizado" e "missão histórica e gloriosa com uma determinação sem limites, uma forte vontade e muito esforços", conforme divulgado na imprensa oficial, essa é uma decisão sem retorno.

O modelo inicial do ARJ-21 será testado até o final deste ano e já tem cerca de 100 unidades encomendadas por empresas da própria China. Esse modelo terá capacidade de comportar entre 80 a 100 passageiros. Ainda terá duas versões expandidas, o ARJ-21/ 700 para 98 a 114 lugares e o ARJ-21/ 900 para 115 a 150 passageiros. Todos competidores diretos dos jatos brasileiros.

A direção da Embraer foi procurada pela Gazeta Mercantil via assessoria de imprensa. Foram encaminhadas à empresa via e-mail perguntas pertinentes ao assunto, inclusive sobre a atual situação da joint venture. A Embraer oficializou sua posição de não comentar o assunto e descartou responder qualquer um dos questionamentos feitos.

Representante chinês crê na coexistência de fábricas

6 de Outubro de 2008 – O presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China, Charles Tang, não acredita que haverá um endurecimento entre o governo e a Embraer. " O mercado é tão grande que podem ter duas fábricas coexistindo com produtos similares", afirmou convicto, mesmo alertado sobre o nível de exigência pretendido pelo governo chinês para a manutenção do acordo.

"A China fará seu avião, mas continuará comprando da Embraer, como da Boeing e da Airbus".

Tang arrisca uma previsão para o futuro do negócio. "A Embraer não deixará um mercado destes de fora, acredito que deverá ser renovado o acordo", destacou.

Para o executivo chinês, com vasta experiência comercial no Brasil, as relações atuais entre o governo da China e a direção da Embraer podem ser consideradas "boas". Apesar da dificuldade dos primeiros anos da associação, quando as operadoras chinesas rejeitavam o produto brasileiro. Esse cenário somente foi mudado com a compra feita pela Grand China Express em 2006.

Para Tang, o projeto do jato comercial da empresa AVIC, o ARJ-21, abastecerá parte do mercado aeronáutico da China. A grande demanda do país, em sua avaliação, manterá ativa a aquisição de aeronaves produzidas por fornecedores estrangeiros.

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