Romney ignora papel do Brasil na América Latina

Roberto Abdenur
ex-embaixador do Brasil
em Washington 2004/2006


 
São frequentes, no Brasil e na América Latina em geral, as manifestações de preocupação com a falta de atenção à região no contexto das eleições presidenciais nos Estados Unidos. O fato de que a região não apareça maiormente nas plataformas dos candidatos e nos debates entre eles não deveria, contudo, ser motivo de preocupação ou queixumes. Como se vê no curso da campanha eleitoral naquele país, os temas de política externa abordados dizem respeito a regiões conturbadas – Oriente Médio, Ásia Central, Irã, Síria, Afeganistão, Paquistão. Em outro plano, surge a China como crescente desafio para os EUA.

Sendo a América Latina uma região pacífica e predominantemente democrática, é compreensível que ela não mereça maior atenção por parte de quem se encontra envolvido em múltiplos focos de tensão em outras partes do mundo.

Não quer isso dizer, entretanto, que a região seja de todo ignorada. O republicano Mitt Romney, mais cedo em sua campanha, adotou tom algo negativo para com a região, privilegiando temas como imigração ilegal, tráfico de drogas e criminalidade, e supostas ameaças à segurança dos EUA por parte de Cuba, Venezuela ou mesmo de um Irã crescentemente presente em alguns países da área. No terceiro debate com Barack Obama, Romney evoluiu para abordagem mais "construtiva", mencionando o potencial econômico da região (quase igual ao da China, assinalou) e afirmando desejar a formação de uma área de livre comércio no continente. Assessores de Romney esclareceram que se tem em mente melhor "costurar" entre si os acordos de livre comércio que os EUA já têm com México, América Central, Panamá, Colômbia, Peru e Chile. E de buscar outros parceiros.

Curiosamente, faltam nos pronunciamentos de Romney e de seus assessores quaisquer referências ao Brasil – sem o qual, naturalmente, não se pode falar de uma área hemisférica de livre comércio. Falta, igualmente, o reconhecimento das fortes pressões protecionistas hoje atuantes nos próprios EUA, inclusive no seio do Partido Republicano, outrora mais receptivo à negociação de acordos comerciais. E falta, por outro lado, o reconhecimento da resistência aos desígnios de Romney por parte dos países ditos "bolivarianos", ademais de um Mercosul debilitado e recolhido à condição de melancólica "fortaleza" protecionista, hoje despido do desiderato original de atuar como fator de maior inserção internacional de seus membros na economia internacional.

A plataforma de Romney – de resto formulada em termos algo impositivos, como se lhe fosse possível ditar o rumo dos acontecimentos – se afigura irrealista e desconforme com as novas realidades da América Latina e em particular da América do Sul, onde a maioria das nações segue uma nova dinâmica própria, tanto em termos dos processos de concertação e integração regionais quanto no âmbito de seus relacionamentos externos.

No que diz respeito especificamente ao Brasil, as relações bilaterais têm tido uma evolução positiva, na direção de maior equilíbrio e mutualidade, de mais esclarecida visão recíproca, e de maior pragmatismo na busca de novas formas de diálogo, intercâmbio e cooperação. A gestão Obama-Dilma Rousseff levou mais adiante o processo de aproximação iniciado entre Bush e Lula. Obama fez questão de vir ao Brasil logo no início do governo Dilma, e na ocasião se firmaram importantes acordos, que tornam ainda mais frondoso o arcabouço do relacionamento.

Romney, com sua pobremente formulada ideia de uma área de livre comércio, peca, no que nos diz respeito, pela falta de reconhecimento das especificidades do Brasil como país de grandes dimensões, dotado de forte influência na região e de crescente projeção em todos os quadrantes. Obama, ao contrário, valoriza-nos amplamente, ainda que não o diga na campanha eleitoral. Os EUA se orgulham de ser a nação "indispensável" por excelência. Seria bom que Romney reconhecesse a indispensabilidade do Brasil na América Latina.

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