Brasil testa a sua força

ROSANA HESSEL
Enviada especial

Washington — A presidente Dilma Rousseff será recebida amanhã na Casa Branca pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, sem as honras de chefe de Estado — nem mesmo um esperado jantar da brasileira com o líder da maior economia do planeta está previsto na agenda oficial. Mas, ainda que o tapete vermelho não seja totalmente estendido, e apesar da curta duração — apenas dois dias —, a primeira visita de Dilma a Obama, em retribuição à viagem feita ao Brasil pelo colega norte-americano, em março de 2011, tem grande alcance político, em razão dos interesses dos dois lados.

Dentro do governo brasileiro, o pragmatismo é grande. A despeito de a relação entre as duas maiores democracias das Américas ter melhorado recentemente e do desejo de Brasil e Estados Unidos se tornarem aliados no sentido amplo da palavra, não há uma causa comum realmente forte, ou mesmo um momento mágico pessoal entre Dilma e Obama, que leve a uma maior aproximação. "Ninguém está esperando um acerto total entre o Brasil e os EUA. Há diferenças dos dois lados, que sempre vão existir. O importante é que tanto a presidente Dilma quanto Obama estão conscientes de que precisam estreitar laços, porque há vantagens para todos. Não apenas do ponto de vista político, mas também do econômico", diz um ministro brasileiro.

Dilma já avisou que está disposta a tratar com o norte-americano de temas de maior peso, como o Irã e a Síria, reforçando a influência que o Brasil ganhou no contexto internacional — o que os EUA insistem em não reconhecer plenamente. Também serão colocados na mesa acordos bilionários na área de defesa, a exploração de petróleo na camada do pré-sal, o leilão do sistema de comunicação 4G e, claro, formas de melhorar o comércio entre os dois gigantes. Ao longo dos últimos anos, os Estados Unidos deixaram de ser o principal parceiro comercial do Brasil, superados pela China.

"Temos a certeza de que o encontro entre os dois líderes será muito proveitoso. O Brasil vive um momento especial. É exemplo para o mundo em termos de inclusão social, justamente o oposto do que ocorre nos EUA, onde o fosso que separa pobres e ricos só aumenta", afirma um dos principais assessores de Dilma. "Além disso, mudamos de patamar no contexto político ao liderarmos a criação do G-20 (grupo que reúne as 19 principais economias do mundo e a União Europeia), esvaziando o G-7 (grupo das sete potências globais) como palco principal das discussões do planeta" acrescenta. Para Obama, que tenta a reeleição, é muito vantajoso se aproximar das nações emergentes, hoje um contraponto fundamental ao baixo crescimento do mundo rico.

Ano eleitoral

Na avaliação do secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Carlos Cozendey, a preocupação do governo brasileiro de retomar os vínculos com o mercado norte-americano é explícita. "Desde 2008, há um diálogo mais próximo na área financeira. A preocupação, agora, é aproveitar a saída dos EUA da crise econômica e exportar mais para lá. Trata-se de uma oportunidade que o Brasil não pode desperdiçar", resume. "Os Estados Unidos são um parceiro muito importante para o Brasil, o comércio bilateral vem crescendo em um ritmo forte e nossa pauta é bastante diversificada", destaca a secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento (Mdic), Tatiana Prazeres.

O sociólogo Demétrio Magnoli se mostra cético em relação ao que pode sair do encontro de Dilma com o presidente norte-americano. Ele ressalta que a viagem da líder brasileira ocorre em um momento em que a prioridade de Obama é recuperar popularidade em um ano eleitoral. "O líder dos EUA tem grandes chances de ser reeleito se a economia continuar acelerando e o desemprego cair. Portanto, uma nova visita de Dilma em 2013, com ele já de mandato renovado, tenderá a ser mais proveitosa", analisa.

Desconforto

De qualquer forma, diz Magnoli, a presidente brasileira não poderá se furtar de tratar de temas quentes, como a reforma do Fundo Monetário Internacional (FMI), exigindo maior participação dos emergentes nas decisões do organismo multilateral, e a eleição do novo presidente do Banco Mundial (Bird), que ocorre no fim deste mês. Sobre a Síria e o Irã, o sociólogo reconhece que haverá desconforto. Mas, a seu ver, o Brasil precisa firmar posições em relação às atrocidades contra civis cometidas pelo governo sírio e ao embargo norte-americano aos iranianos. O temor de uma guerra entre Irã e Israel já está elevando o preço do petróleo. Estimativas apontam que, caso a cotação do óleo se mantenha acima de US$ 120, tanto os EUA quanto a Europa poderão voltar à recessão. O Produto Interno Bruto (PIB) mundial perderia mais de US$ 1 trilhão neste ano.

Magnoli acha, contudo, cedo para se falar em mudanças radicais na política externa brasileira. "Dilma ainda não conseguiu imprimir a sua marca", sentencia. Ele reconhece que o Itamaraty anda mais cauteloso e o Brasil "está mais modesto, deixando de se envolver em iniciativas que vão além das suas pernas". "No governo Lula, acreditava-se que o país seria negociador de acordos no Oriente Médio, por exemplo. Felizmente, Dilma se diferenciou de Lula em relação ao Irã, mesmo que de forma pontual. Mas o Planalto resistiu à intervenção na Líbia, continua dando cobertura à Síria e não consegue ver presos políticos em Cuba", assinala.

Independentemente de ideologias, Creomar de Souza, professor de relações internacionais da Universidade Católica de Brasília, acredita que o pragmatismo dominará o encontro de Dilma com Obama. Não sem motivo. Tanto os Brasil quanto os EUA precisam pavimentar uma relação que ajude os dois países a manterem o crescimento econômico nas próximas décadas. Dilma, que bate recorde de popularidade internamente, está no comando do sexto maior PIB do planeta e almeja superar a França no próximo ano. Para isso, precisa abrir mercados nos EUA aos produtos de alto valor agregado fabricados pela indústria nacional, que, por sinal passou a ser alvo de constantes bondades por parte do governo federal.

Aviões, suco e carnes

Na área comercial, Dilma Rousseff apresentará a Barack Obama as demandas do país para que produtos como aviões, carnes, suco de laranja e etanol acessem o mercado norte-americano. No caso do suco, o Brasil venceu uma disputa na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra os Estados Unidos. Já no caso da carne, o país reforçará o pedido para exportar o produto in natura a partir deste ano. Do lado dos EUA, também virão demandas e, especialmente, uma pressão para que o Brasil compre mais produtos norte-americanos. Obama prometeu dobrar as exportações de seu país em cinco anos. O maior interesse dos norte-americanos está na área de serviços e de telecomunicações, especialmente, no leilão da tecnologia 4G de telefonia móvel. Eles também estão de olho nas compras governamentais.

Mudança de discurso

Luiz Felipe Lampreia, ex-ministro de Relações Exteriores do Brasil, comemora o novo peso político do Brasil e, mais ainda, o reconhecimento da importância de uma relação com os Estados Unidos acima de ideologias. "A relação bilateral ficou em segundo plano no governo passado, mas alguns obstáculos já foram superados na gestão de Dilma Rousseff", afirma. Na sua avaliação, a economia norte-americana não pode ser ignorada e muito menos desprezada. "Com a crise nos EUA e na Europa, o Brasil compensou o recuo nas exportações para essas regiões com a conquista de mercados na Ásia. Mas, agora, com a economia norte-americana dando sinais de recuperação, é importante retomar os laços comerciais", completa.

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