Welber Barral – O Setor de Defesa e a Nova Lei de Licitações

O SETOR DE DEFESA E A

NOVA LEI DE LICITAÇÕES

Welber Barral

Sócio de Barral Parente Pinheiro Advogados. Diretor do Departamento de Defesa e Segurança da FIESP.

 

Após vários anos de debate, o Congresso Nacional finalmente aprovou o novo marco legal para as licitações no Brasil. Datada (não sem certa ironia) de 1º de abril último, a Lei 14.133/2021 busca atualizar as regras para compras públicas no país, mitigando a insegurança jurídica que atanaza incessantemente os fornecedores dos órgãos públicos.

A nova Lei traz uma ordenação abrangente sobre compras públicas: trata das atribuições dos agentes públicos e do processo licitatório. Também trata da divulgação das licitações, do julgamento e escolha dos vencedores, da habilitação de concorrentes, além da inexigibilidade e da dispensa de licitação. Aborda ainda as contratações em si, incluindo execução, término de contratos, fiscalização, além de sanções pela sua eventual violação.

Para efeitos da presente análise, enfatizam-se algumas regras que afetam diretamente o setor de defesa. A primeira delas determina ser dispensável a licitação nas contratações que tenha por objeto bens ou serviços que envolvam – cumulativamente – alta complexidade tecnológica e defesa nacional. Ou seja, a exigência dessas características conjuntamente deve ser atendida e justificada, e a dispensa não servirá para aquisições de reduzido conteúdo tecnológico (1) .

Outra hipótese de dispensa da licitação, no caso de fornecimento às Forças Armadas, é quando houver necessidade de manter a padronização exigida pela estrutura de apoio logístico. Entretanto, esta hipótese deve ser mediante ato do comandante da respectiva força, e não abrange materiais de uso administrativo (2) . Esta previsão, inclusive, já existia na anterior Lei de Licitações.(3)

A Lei ainda se preocupa com outras situações que podem afetar as Forças Armadas, mas de ocorrência inabitual. É o caso das dispensas de licitação para atender operações de paz no exterior, ou de suprimento dos efetivos em adestramento fora das sedes.(4) A dispensa também é autorizada nos casos de guerra, estado de defesa, estado de sítio, intervenção federal ou de grave perturbação da ordem.

Há, no entanto, duas situações mais genéricas, para as quais haverá necessidade de regulamentação posterior ou de entendimento jurisprudencial. Uma é a hipótese de dispensa de licitação quando uma contratação possa acarretar “comprometimento da segurança nacional”. A Lei não define o grau deste comprometimento, mas delega ao Ministro da Defesa, mediante demanda das Forças, estabelecer estes casos.(5) Em geral, entende-se que sejam situações em que há necessidade de sigilo e prazos exíguos, o que inviabilizaria uma licitação comum.

O Decreto nº 2.295, de 4 de agosto de 1997, ainda em vigor com a redação do Decreto nº 10.631/2021, ilumina esta interpretação:

“Art. 1º Ficam dispensadas de licitação as compras e contratações de obras ou serviços quando a revelação de sua localização, necessidade, característica de seu objeto, especificação ou quantidade coloque em risco objetivos da segurança nacional, e forem relativas a:

I – aquisição de recursos bélicos navais, terrestres e aeroespaciais;

II – contratação de serviços técnicos especializados na área de projetos, pesquisas e desenvolvimento científico e tecnológico; III – aquisição de equipamentos e contratação de serviços técnicos especializados para a área de inteligência;

III – aquisição de equipamentos e contratação de serviços técnicos especializados para as áreas de inteligência, de segurança da informação, de segurança cibernética, de segurança das comunicações e de defesa cibernética.

III – aquisição de equipamentos e contratação de serviços técnicos especializados para as áreas de:

 

a) inteligência;

b) segurança da informação;

c) segurança cibernética;

d) segurança das comunicações;

e) defesa cibernética;

 

IV – lançamento de veículos espaciais e respectiva contratação de bens e serviços da União para a sua operacionalização”.

Outra previsão na nova Lei tornar dispensável a licitação quando se tratar de serviços especializados ou aquisição para o combate de organizações criminosas, incluindo organizações transnacionais. Estes serviços e equipamentos devem ser destinados à obtenção de provas por meio de interceptações, inclusive telefônicas e eletrônicas, desses grupos. A autoridade investigadora, nestes casos, deve justificar a necessidade do sigilo da investigação, para garantir a desnecessidade da licitação.(6)

Além dessas regras específicas constantes na nova Lei, pode-se ainda chamar a atenção para alguns princípios gerais que afetam o setor de defesa. Uma delas é que as novas regras não atingem as contratações previstas em legislação própria – o que impõe a interpretação em conformidade com a Lei 12.598, no que se refere às Empresas Estratégicas de Defesa. Ainda, a nova Lei de Licitações não se aplica às empresas públicas; o que deve ser notado ao se considerar as relevantes empresas – como Emgepron, Imbel e Amazul – que têm protagonismo relevante nesse setor.(7)

Ainda a se observar é a nova modalidade de contratação trazida pela Lei, denominada de diálogo competitivo. Esta modalidade será aplicável em situações complexas, que exijam soluções inovadoras, nas aquisições por órgãos públicos. Por este procedimento, haverá diálogo entre o órgão e os licitantes, que deverão ser previamente selecionados por critérios objetivos, e que poderão propor alternativas não pensadas inicialmente para atender às demandas do respectivo órgão. Embora esta modalidade tenha sido pensada pelo legislador com base na experiência de start-ups (denominadas de govtechs), não há impeditivo que empresas especializadas no setor de defesa também busquem soluções inovadoras para atendimento às demandas das Forças.

Por fim, vale notar que a Lei se aplica às administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios – o que tem relevância para as vendas às forças de segurança. A nova Lei entra imediatamente em vigor, mas a revogação das normas anteriores sobre licitações e contratos ocorrerá no prazo de dois anos.(8)

Com estas novidades, espera-se que a nova Lei traga mais segurança jurídica e maior previsibilidade não apenas ao setor de defesa, mas a todos os fornecedores de compras públicas. E inclusive que sejam atendidos os princípios, listados na Lei, que devem guiar as licitações: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, interesse público, probidade administrativa, igualdade, planejamento, transparência, eficácia, segregação de funções, motivação, vinculação ao edital, julgamento objetivo, segurança jurídica, razoabilidade, competitividade, proporcionalidade, celeridade, economicidade e desenvolvimento nacional sustentável. São princípios seguramente relevantes para a Administração Pública e para seus fornecedores e que podem, no médio prazo, reduzir a insegurança jurídica que tantos prejuízos causa à Base Industrial da Defesa.

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[1][1]Lei 14.133, Art. 75, IV, f.

[2]Lei 14.133, Art. 75, IV, g.

[3][1]Lei 14.133, Art. 75, IV, f.

[3]Lei 14.133, Art. 75, IV, g.

[3]Lei nº 8.666/93, art. 44, XIX.

[4]Lei 14.133, Art. 75, IV, h e i.

[5]Na Lei anterior, exigia-se decreto do Presidente, ouvido o Conselho de Segurança Nacional (Lei 8.666, art. 24, IX).

[6]Lei 14.133, Art. 75, IV, l.

[7]As empresas públicas, as sociedades de economia mista e as suas subsidiárias são regidas pela Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016.

[8]Lei 14.133, Art. 193.

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