“Uma vitória do bom senso, e de quem sofre com a dengue, que cresceu 600% este ano”. Assim o presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag), Thiago Magalhães, definiu o resultado da sessão desta terça-feira (11) do Supremo Tribunal Federal (STF), que derrubou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) 5.592 dispositivo da Lei 13.301/2016 que inclui a pulverização aérea nas estratégias de combate ao mosquito Aedes aegypti (artigo 1º, § 3º, inciso IV).
O julgamento terminou com o entendimento de que a ferramenta aérea pode ser usada no combate a mosquitos, desde que haja permissão das autoridades sanitárias e ambientais.
O que, na prática, já estava previsto na própria lei – autoridades sanitárias, e na regulamentação aeroagrícola – licenças ambientais. O percentual de crescimento da dengue, divulgado hoje pelo Ministério da Saúde e mencionado por Magalhães, foi citado pelo presidente do STF, Dias Toffoli, na hora de anunciar o voto final, favorável à ferramenta.
A ADIN 5.592 estava tramitando desde 2016 e havia sido apresentada pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que alegou que o uso de aviões contra mosquitos prejudicaria o meio ambiente e colocaria pessoas em risco.
O que, para Magalhães, demonstra a falta de informação e o preconceito contra a aviação agrícola. “Primero porque, como ocorre em países como Estados Unidos, Cuba, México, Europa e outros onde a técnica é rotineira – e até como foi no Brasil na década de 70, em aplicações aéreas contra vetores são usados os mesmos produtos aplicados pelas equipes em terra (nos chamados fumacês) ou larvicidas biológicos.”
Com a diferença, acrescenta o presidente, de cobrir locais longe do alcance das equipes nas ruas, como fundos de terrenos baldios e pontos distantes de ruas, e muito mais rápido: cerca de 500 quarteirões em uma hora.
O alcance e a velocidade do avião também preveniriam a reinfestação, por sua vez diminuindo a necessidade de reaplicações e ainda evitando que os insetos se tornem resistentes aos produtos “Segundo porque o próprio dispositivo na Lei 13.301 atacado pela ADIN deixa bem claro que qualquer operação só poderia ser feita ‘mediante aprovação das autoridades sanitárias e da comprovação científica da eficácia da medida’.
Então, não haveria justificativa para descartar o avião. A menos que se descartasse completamente a aplicação de qualquer produto, por terra ou por via aérea, fosse químico ou biológico, o que parece não ser o caso”, assinala Magalhães, destacando o Boletim Epidemiológico publicado nessa quarta pelo Ministério da Saúde, que aponta o surgimento de mais de 6 mil casos de dengue todos os dias no País.
O presidente reitera que nenhuma operação aérea ocorrerá sem o cumprimento de todas as etapas previstas na lei e que não há qualquer previsão de testes nesse sentido. “Vale lembrar ainda que a posição do Sindag é de que a aviação não substitui o controle de focos de mosquito pela população (eliminação de água parada) e o investimento em saneamento básico, que são as principais ferramentas contra o problema.
As aplicações aéreas, na hipótese de serem testadas e aprovadas, seriam para áreas de epidemia ou de grandes infestações, onde se precisa reduzir rapidamente a quantidade de mosquitos a níveis em que o controle de focos pela população volte a ser eficiente.”
ELIMINAR RUÍDOS
“Quando esse tema foi para a Suprema Corte, avaliamos isso como uma oportunidade de acabar de uma vez por todas com o ruído em torno do assunto”, explica o presidente do Instituto Brasileiro da Aviação Agrícola (Ibravag), Júlio Augusto Kämpf, que também considera o resultado no STF como uma vitória contra o preconceito.
“Gasta-se uma energia enorme para desmontar mitos, como a alegação absurda de a aviação iria pulverizar agrotóxicos sobre a cidade.”, relata. “O que se tem é uma lei que desde o início prevê que a ferramenta pode ser usada, desde que se faça testes para comprovar sua eficiência e que depois disso, ainda necessita aval das autoridades competentes. A discussão no Supremo serviu para colocar isso às claras, de forma profunda e conclusiva.”
Kämpf lembra que o uso de aviões contra mosquitos já salvou vidas no Brasil. “Em 1975, o País teve uma das mais bem-sucedidas operações de combate a mosquitos em sua história, na qual a aviação agrícola ajudou eliminar um surto de encefalite que assolava a Baixada Santista, em São Paulo.”
Entre março e junho daquele ano, os municípios de Mongaguá, Peruíbe e Itanhaém registraram 495 casos da doença, que era transmitida pelo mosquito culex. O consultor Eduardo Araújo, que participou das operações naquele ano, lembra que a iniciativa na época partiu da Superintendência de Controles de Endemias (Sucen) de São Paulo combinou ações de educação para eliminar criatórios de mosquitos nas casas, combinada com aplicações de fumacê em terra, por agentes a pé ou em caminhonetes”.
Como depois e 60 dias a estratégia não tinha dado resultado, o órgão resolveu apostar na ferramenta aérea, com apoio da Embraer (pra a qual trabalhava Araújo) e do Ministério da Agricultura. “Foram três aplicações em quatro semanas, aplicando pelo ar o mesmo inseticida usado nos fumacês terrestre (que também continuaram atuando. E os focos foram eliminados, sem danos colaterais ao meio ambiente ou às pessoas”, recorda Araújo.
BALANÇO DA DENGUE
Conforme o Boletim Epidemiológico divulgado nessa quarta-feira (11) pelo Ministério da Saúde. O Brasil registrou 1.439.471 casos de dengue entre 30 de dezembro ao último dia 24 de agosto.
O que representa um incremento de 599,5%, na comparação ao mesmo período do ano anterior – uma média de 6.074 novos casos todos os dias. Ainda segundo o boletim, no Sudeste os casos pularam de 55.106 para 999.178 (quase 1 milhão) e no Sul do Brasil crescimento da dengue foi de 3.224%, pulando de 1.303 em 2018 para 43.323 até o final de agosto deste ano.
Com esses números, a incidência da dengue pulou de 98,7 para 690,4 doentes para cada 100 mil habitantes no País. No caso da Zika, o número de casos pulou de 6.669 para 9.813 casos no Brasil (+47,1%), com 1.649 casos prováveis em gestantes e 33 óbitos confirmados. Já a Chikungunya cresceu 44,2%, passando de 76.742 casos em 2018 para 110.627 este ano.
AMICUS CURIAE
“Nós procuramos esclarecer que o combate a vetores, via pulverização aérea, é uma técnica empregada, amplamente, inclusive no primeiro mundo, e diante da calamidade na saúde pública no Brasil, com crescimento dos casos de dengue, chikungunha, zipa vírus e também febre amarela, mostra-se necessária a adoção de aeronaves, que de modo ágil podem reduzir o número de mosquitos, explica o assessor jurídico do Sindag, Ricardo Vollbrecht, que fez a sustentação oral da defesa da lei, em nome do sindicato aeroagrícola, na primeira parte do julgamento (em abril).
A entidade havia solicitado sua inclusão no processo como amicus curiae – entidade cujo conhecimento ou relação com o debate pode contribuir com a discussão, o que foi aceito pela corte. “Com relação à saúde e à proteção ao meio ambiente, levamos aos ministros mais de 30 estudos, que atestam a segurança ambiental da aviação agrícola no combate a mosquitos”, completou Vollbrech.
VOTOS
A votação iniciada em abril acabou abrindo três correntes. Uma delas a da relatora, ministra Carmem Lúcia havia julgado procedente o pedido da PGR. Já os ministros Alexandre de Moraes, Marco Aurélio, Gilmar Mendes e Luiz Fux haviam julgado improcedente o pedido. Roberto Barroso, Edson Fachin e Rosa Weber julgaram parcialmente procedente, liberando o dispositivo, mas incluindo a necessidade de autorização de saúde e ambiental.
Ricardo Lewandowski foi quem abriu a terceira frente, a acompanhava a relatora parte, mas exigindo que deveria ser retirado da lei a opção da “dispersão por aeronaves” dos produtos contra mosquitos. Já no julgamento dessa quarta-feira, para colher os dois últimos votos, Celso de Mello votou conforme a corrente de Levandowski, no sentido de suprimir da lei a parte que se refere ao uso do avião, e Dias Toffoli (que citou Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde) votou pela constitucionalidade do uso da ferramenta, desde que com autorização de órgãos de saúde e ambiental.
DEZ PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE COMBATE A MOSQUITOS COM AVIÕES
1 – Os aviões pulverizam agrotóxicos sobre as cidades?
É MITO. Os agrotóxicos, defensivos, fitossanitários ou qualquer nome que se dê aos produtos usados na lavoura, são para o combate a pragas específicas de cada cultura, também usados pela terra ou pelo ar. No caso do combate ao mosquito, os aviões usam os mesmos produtos hoje aplicados por terra nos chamados fumacês, que são específicos para uso urbano e no meio de pessoas. Dependendo da situação (também a ser considerada nos testes), pode-se também usar um larvicidas biológicos.
2 – Os aviões aplicam produtos cancerígenos?
OUTRO MITO. Em uma aplicação aérea, os aviões usam os mesmos produtos usados pelas equipes em terra, fornecidos pelas autoridades sanitárias, como o Ministério da Saúde, e pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Em nenhum país onde a técnica é usada os operadores escolhem o produto. Isso é com as autoridades.
3 – A aplicação aérea intoxica pessoas e animais?
NÃO. A diferença com o uso do avião é que o produto chega a pontos hoje inatingíveis pelas equipes em terra, como fundos de terrenos baldios, áreas abandonados e pontos longe das vias públicas. Repetindo: o produto que chega a esses locais é o mesmo que hoje os fumacês aplicam nas ruas – e o fazem mesmo com as pessoas caminhando nas calçadas e direcionado a pulverização diretamente para a fachada das casas. Aliás, com a aplicação aérea eliminando também os focos de mosquito até então inatingíveis, não sejam necessárias reaplicações por como quando a aplicação é feita só em terra, normalmente se repetindo apenas a parte frontal das residências (o chamado efeito “lavagem de fachadas”) e favorecendo reinfestações.
4 – O uso do avião torna os mosquitos mais resistentes, à medida que elimina apenas os insetos mais fracos e deixa os mais fortes se reproduzirem e “aperfeiçoarem” sua linhagem?
PELO CONTRÁRIO: Justamente o uso do avião é o que diminui o risco disso acontecer. Como sua aplicação é mais abrangente e eficaz, há menos chances de sobrarem mosquitos para esse “aperfeiçoamento” da espécie. Diferente de se fazer a aplicação apenas por terra, pelo problema de reinfestação já exposto na questão anterior.
5 – A melhor estratégia no combate à dengue, chikungunya e zika é a prevenção, com a eliminação dos focos de água parada em cada casa, área pública e espaços comerciais, além do investimento em saneamento básico?
É VERDADE. É ponto pacífico que a aplicação de inseticidas (seja pelas equipes em terra ou por aviões) só deve ser considerada em áreas de epidemia. Funciona assim: quando se tem uma infestação muito grande de mosquitos, já muito além da capacidade de enfrentamento apenas com a eliminação dos focos, é feita a aplicação do fumacê terrestre ou aéreo (ou os dois combinados) para eliminar os mosquitos em excesso e trazer a situação para o alcance do trabalho da população.
6 – Os produtos aplicados por aviões podem parar a quilômetros do alvo?
A chamada deriva (quando o produto aplicado se desloca da faixa de aplicação) é algo que ocorre tanto nas aplicações aéreas quando nas terrestres, tanto nas lavouras quando na guerra contra o mosquito nas cidades. Para preveni-la, o aplicador tem que considerar fatores como a escolha e regulagem dos bicos de pulverização e as condições de temperatura, pressão atmosférica e velocidade do vento.
E aí também o avião leva vantagem: além do sistema DGPS – que é como o GPS de um carro, só que muito mais preciso e rápido e que indica exatamente cada faixa a ser aplicada, com seu início e fim – e outros sistemas de precisão, o avião consegue realizar toda a aplicação antes que as condições climáticas mudem. Isso cobrindo até 500 quarteirões em uma hora, aplicando uma taxa de 400 mililitros (menos de meio litro) de produto por quadra (cerca de um hectare).
7 – Os aviões dão rasantes sobre as cidades nas aplicações contra mosquitos?
Diferente de um voo de lavoura, onde o avião voa a três metros do chão, a operação contra mosquitos é feita a 40 metros de altura. E a faixa do produto pulverizado (atrás do avião) é tão discreta que é quase invisível a olho nu.
Fonte: SINDAG – Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola